Fui me cadastrar para nova reencarnação no próximo século.
Com ar de enfado o funcionário do setor entregou-me um formulário.
Como na vida atual estou advogado, dei-me ao trabalho de ler
todo o documento antes de preenchê-lo e assina-lo. Todo o cuidado é pouco
quando se trata de preencher formulários.
Ao final, como praxe, a observação sobre as regras de
aceitação das condições. Chamou minha atenção o parágrafo segundo, do inciso V,
do artigo 1314, das normas gerais consolidadas. Chamado “Termo de Aceitação.”
Dispunha o malsinado dispositivo que na reencarnação o
espírito, a alma, ou a mente de nada lembrará sobre as encarnações
antecedentes.
Achei ótima esta regra pois me livraria do desgosto de saber que, eventualmente, no passado, já fora
argentino ou torcedor do time da mulambada. Já apensou que carma? Já encarnaria
traumatizado.
Iniciei dizendo que fui me cadastrar, mas na verdade era um
recadastramento, pois já passei por este planeta por enésimas vezes.
O formulário pedia uma descrição sucinta das características
físicas de preferência. Escrevi que gostaria de voltar com altura entre 1.85 e
1.90 m., cabelos lisos e pretos e olhos
cinzas (como de alguns nascidos na região do Báltico).
Em “observações” coloquei que gostaria de preservar os traços
de personalidade da vida atual, em matéria de caráter, ética, responsabilidade
e disposição para o que der e vier.
Já antecipo que na entrevista pessoal com o burocrata
responsável pelo recrutamento e seleção de almas, ele informou que seria
impossível conciliar as características físicas com o perfil psicológico.
Segundo ele, nem o Chefe, em pessoa, conseguiu tal perfeição
com Adão e Eva. Tive que optar e preferi ficar com as características de
personalidade, abrindo mão dos traços físicos.
No item escolhas alternativas, para escolha de sexo, ser
biológico e outras características naturais, optei por vir como um jequitibá.
Travou-se uma discussão acalorada, porque o funcionário que me atendia era estagiário, com pouca experiência, e afirmou que vegetal não tem alma, portanto eu não poderia escolher voltar ao mundo real como jequitibá.
Travou-se uma discussão acalorada, porque o funcionário que me atendia era estagiário, com pouca experiência, e afirmou que vegetal não tem alma, portanto eu não poderia escolher voltar ao mundo real como jequitibá.
Na ausência de universitários para tirar dúvidas (direitos
com SS, no SBT), acabou por aceitar minhas ponderações e deixou constar a opção
pela árvore mencionada. Mas fez um alerta: cuidado com motosserra.
Não entendi direito e retruquei que preferira o Serra ao Lula,
mas fui voto vencido. Ele aproveitou para recomendar que eu na próxima
encarnação seja menos seletivo e identifique mais pessoas com as quais possa ter afinidades. Disse: você não deve gostar só de Woody Allen, José Saramago, Ben Webster e vinho da Borgonha. Seja mais eclético, mais
tolerante, transija, porque existem
pessoas interessantes também entre....
Atalhei e não deixei que completasse a frase. Vai que ele
fala entre petistas. Não, por Baco!
Aproveitei para perguntar quais eram as reencarnações mais cobiçadas, mais procuradas. Deu, claro,
presidente da república, seguido de perto por participante de BBB e, na sequência,
pagodeiro e jogador de futebol.
No quesito o que seria capaz de abdicar para ter sua escolha
deferida, no caso das preferências acima relatadas, tinha gente que admitia
perder pedaço do corpo (dedo, miolo da cabeça), segundo o recrutador de almas.
A propósito não existe um poleiro das almas, como afirmado
pelo João Ubaldo Ribeiro. Na verdade os espíritos ficam numa espécie de
arquibancada, numa grande Arena (construída ao custo de 1,2 bilhões),
aproveitando o tempo para assistir shows de sertanejos universitários e grupos
de axé.
Isso explica como nascem tantas pessoas já submetidas a
lavagem cerebral.
O baiano simbolizou no poleiro, encontrável em galinheiros, a
arquibancada onde se espera a vez de voltar ao convívio com os vivos.
É só esperar o serviço de som anunciar o número de sua senha
e você (seu espírito) ocupará o espaço no ser vivo que escolheu.
Nota do editor: "O fato é que, nas vizinhanças de um poleiro d'almas, o que ocorre é nada, nada por todos os lados, uma infinitude de nada inimaginável em toda a sua inextensão. Nada e mais nada e mais nada e mais nada ali se vai aglomerando, até o ponto em que se acumula tanto nada que ele se transmuta num nada crítico e desta maneira surge algo desse nada. Não mais é, essa repentina não-forma do nada, que uma almazinha nova, inexperiente e inocente como todas as criaturas muito jovens, por isso mesmo sujeita a grande número de percalços, pois a única coisa que sabe é que deve ir para o Poleiro das Almas, empoleirar-se com as outras e esperar a hora em que terá de encarnar para aprender." João Ubaldo Ribeiro, J.U., Viva o Povo Brasileiro, 1984.
17 comentários:
Em minha reencarnação certamente ficarei sabendo da punição para o enganador que etende pelo apelido (agora nome próprio) de Lula.
Não sei se sabem, mas há uma CPI m do BNDES. Esta CPI já pediu e irá receber todos os contratos de financiamento do banco para o exterior.
Principalmente para os países governados pelos bolivarianos amigos de Lula.
Quem sabe fica demonstrado que a proximidade de Lula com eles não se devia apenas à identidade ideológica?
Será que não tinha fisiologismo também?
Antes se dizia que tínhamos 2 povos habitando o mesmo espaço físico, com ideologias, produção, valores diferentes entre si: Bélgica e Índia, e alcunharam de Belíndia.
Agora temos mais um povo, derivado da Índia (que eram apenas pessoas mais humildes, camponeses, trabalhadores não especializados, pobres em geral). Temos os bolivarianos, com tendências comunistas. Como essa massa mais carente (Índia) pode ser manipulada facilmente por ideologias utópicas, corremos grande risco se não agirmos.
Um governo conservador e capitalista que queira angariar votos da massa vai ter de se virar para instituir um programa de desenvolvimento que mostre à população carente que haverá trabalho e remuneração mais digna que a atual. Aí fica difícil para os comunas instilarem suas ideias.
Mas em quem confiar? Só tem ladrão!!
Olhem que análise do Helio Gurovitz .... como eu penso também, infelizmente, não tem jeito. No Twitter, a grande maioria dos que habitam minha página, acham que não tem mais solução institucional.
Vejam o texto : PARTE 1
Enquanto a presidente Dilma Rousseff se vê obrigada a afirmar que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, permanece no cargo – sinal evidente de que ele balança –, o governo se encaminha para mais uma vez (a terceira, pelas minhas contas, mas que diferença faz?) abaixar a meta fiscal deste ano. Desta vez, não haverá como escapar de um déficit, estimado por alguns em 0,15%, por outros em 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Sejamos francos: saia ou fique, Levy já fracassou. Sua missão era equilibrar as contas públicas e recuperar a credibilidade do Brasil no mercado internacional. Não conseguiu nem uma coisa nem outra.
A questão central, é preciso insistir, não está na economia. A situação econômica de hoje é um reflexo das opções políticas tomadas pelo Brasil nas últimas décadas – desde, pelo menos, a Constituição de 1988. Tornar Levy o responsável por não conseguir vencer as inúmeras restrições impostas pelo Estado brasileiro equivale a culpar o imediato do navio pela qualidade sofrível da madeira do casco. Temos um Orçamento 90% engessado, e Levy pouco pode fazer em relação a isso. Quem pode – talvez uma aliança entre Executivo e Legislativo em nome da salvação nacional, algo parecido com a tal Agenda Brasil proposta a certa altura da crise –, já ficou claro que não quer. E não quer porque implica perda de poder e de influência dos atores políticos sobre os vários braços do nosso Estado desconjuntado. Nenhum político quer perder poder.
O que se discute agora sob o abrangente nome de “ajuste fiscal” – aquilo mesmo que Dilma jurou que não faria na campanha do ano passado – é, portanto, apenas um remendo no casco, bem discreto, para evitar a entrada de mais água. De onde virá a madeira para ele – do tampo do piano, dos móveis do salão de festa, do quarto do capitão, do assoalho da terceira classe? –, é menos relevante. Claro que o governo deveria, em vez de ficar defendendo mais impostos, no mínimo cumprir o que anunciou. É o fim da picada suspender o corte dos 3 mil cargos de confiança apenas para preservar no Congresso uma aliança frágil que evite o impeachment. Mas o mais importante, agora, talvez seja deixar claro para todos que a água já entrou. Já começamos a afundar. E a responsabilidade de Levy nisso é mínima, talvez nula.
De quem é a responsabilidade? Os mais afoitos não tardarão a culpar os corruptos. É verdade, como revelam as investigações da Operação Lava Jato, que uma extensa quadrilha se apoderou de nacos substanciosos do Estado Brasileiro, em especial da Petrobras, que passaram a administrar em defesa de seus próprios interesses. A política do Brasil para a infraestrutura passou a ser praticamente decidida em gabinetes fechados, sob o comando de gente como o viscoso ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Naturalmente, o país ficou sem refinarias, sem estradas, sem usinas, nem ferrovias, nem hidrelétricas. Mas a corrupção, não esqueçamos, vem sendo desmascarada, dentro das regras da democracia. Mesmo que ela fosse erradicada por completo, isso não eliminaria as leis que regem nosso Estado disfuncional, um ralo que consome há décadas nossa poupança e o fruto do nosso trabalho, pouco – se algo – oferecendo em troca.
PARTE 2
Infelizmente, de nada adiantará prender todos os políticos corruptos do PT, do PMDB, do PSDB, do PDT, do PP etc. – se as regras continuarem a estimular o país a funcionar na base do compadrio e de uma relação espúria de dependência entre os setores público e privado. Em poucos meses, uma outra quadrilha começará a se aproveitar da oportunidade, e logo estaremos de novo na mesma situação. O essencial é garantir instituições que impeçam isso de acontecer. Elas até estão aí. Mas precisam ter mais autonomia e ser respeitadas. É por isso que a questão central é política.
Temos de saber desconfiar das soluções fáceis, que atribuem a responsabilidade por problemas seculares apenas a fulano ou beltrano. Nossa classe política carece de líderes à altura dos nossos problemas, é fato. Nossa população parece incapaz de compreendê-los e elege populistas que apenas se aproveitam da fraqueza das instituições para se locupletar, outro fato. Para isso, têm o apoio de intelectuais absolutamente equivocados sobre o diagnóstico dos nossos problemas reais e de marqueteiros sempre dispostos a enganar o eleitorado nas campanhas. Tudo isso não mudará de uma hora para outra. Dependerá, claro, de quem forem o capitão e o imediato. Mas ninguém no posto será capaz de fazer a borrasca passar num passe de mágica ou terá uma varinha de condão capaz de consertar os rombos no casco. Leva tempo. É difícil. E não há garantia alguma de que dará certo e rumaremos a um porto tranquilo, em vez de soçobrar.
... antes de mais NADA, belíssimo texto !
Quando ao formulário de reencarnação, esqueça. Conversa pra boi dormir. Por isso o funcionário estava com cara de enfado: mais um que não sabe de nada.
Você vai reencarnar para complementar experiências não vividas em encarnações anteriores, de modo a burilar o espírito positivamente para atingir a perfeição esperada pelo Criador.
Em tendo vindo advogado, e ainda por cima honesto e rigoroso, a maior probabilidade é de reencarnar como político corrupto alvo de investigação, empresário focado pela receita federal, corruptor de menores pego no flagra, cônjuge infiel sem dinheiro para pagar pensão, para "viver o outro lado".
<:O)))))
Riva,
Qual é o belíssimo texto? O meu ou o do Helio Gurovitz (rsrsrs)?
Deixei você de calça curta (rsrsrs).
Freddy,
Vou imediatamente fazer um "despacho" para desfazer sua praga. Isso é coisa que se deseje como destino para um amigo? Pelo menos terei os 10 desdo nas mãos?
Belíssimo texto o seu !!!
Um dos mais legais que já li no Blog ao longo desses anos todos.
Ainda pensando qual seria a minha reencarnação .... vou dar uma saída, mas volto ao tema. rsrsrs
Gostei e me diverti. Só acho que faltou especificar melhor o jequitibá (branco, vermelho, cravinho, etc). Além disso, como quer dizer simplesmente "árvore", em tupi, haveria um risco de voltar como jaqueira. Rs.
PS - Com a wikipedia, somos todos especialistas em tudo!
Refiro-me ao "Cariniana estrellensis", ou jequitibá-branco. O "Cariniana legalis", ou jequitibá-rosa, não fica bem, já passei da idade (rsrsrs).
Bebi na mesma fonte, Ricardo.
Beijo.
Prezado amigo, de novo achei seu post muito bom mesmo, sem exagero. Muito criativo, inteligente, sarcástico, muitos ingredientes bons.
O inciso V do artigo 1314 é o mais preocupante, para se preencher e assinar um termo de aceitação desses. Sim, porque as informações de vazamento dessas informações são inúmeros !
Só aqui em Niterói tem um 40 meliantes, digo, magos, que fazem regressão e te mostram se você foi um cara legal ou não, em outras encarnações. Eu ainda não fui testar o conhecimento de nenhum deles, mas mais ou menos desconfio de algumas coisinhas que andei fazendo .... isso se a tal Lei do Karma for verdadeira.
Quanto às preferências de características para um retorno, perfil físico, psicológico, etc, achei interessante sua escolha, Carrano, embora seja assustador esse lance da motoserra. Muito assustador.
Mas nada mais assustador do que viver em um país de um planeta onde Câmara, Senado e etcs estão corrompidos fisiologicamente e financeiramente, e de forma irreversível. Onde a morte violenta virou paisagem, onde somos dominados pelo espantoso. Onde não é bom ser do bem.
Eu, depois de pensar muito e analisar as diversas opções que se me apresentaram, escolhi o seguinte :
- não quero reencarnar .... quero extinguir minha existência aqui, nessa última viagem, que foi por aqui nesse lindo planeta azul. Quero levar o carimbo dessa passagem que tive maravilhosa com minha esposa e meus filhos, minhas alegrias e minhas tristezas. Foi uma boa passagem, regada com muito amor, paixão, música, livros, whisky, viagens, motocicletas e frutos do mar !!
Fora do poleiro de almas !!
#simplesassim
Texto bem interessante, mas lamento informar que não é bem assim que acontece. Duvida? Assista ao vídeo : https://youtu.be/WjZ0_gxJK2g
Irreverente seu texto!
Plantou dúvidas em mim sobre como vir e se realmente terei mesmo que vir. Já pensou não poder conciliar beleza com aspecto psicológico?
Entrar numa fila para ser participante do BBB? ah to lascada, não fico lá nem 1 dia...
Concordo com Riva: um dos melhores textos que você já postou aqui.
Desconhecia sua veia humorística.
P.S. Estou lhe devendo meus textos, em fase de encerramento do semestre e estágio... perdoada???
Bjs!
Achei também muito legal o texto, mas o jequitibá está carecendo de bula...
<:o)
Ah, sim, respondendo sua pergunta, viria com 5 dedos em cada mão. A experiência de "viver o outro lado" não teria de ser tão drástica, a menos que você se veja, como espírito desencarnado, lá na arquibancada pau de galinheiro, necessitado de expiar todo o fel e cicuta destilados contra os adversários políticos.
De qualquer maneira, um papo com São Jorge poderá orientá-lo bem a respeito! Tape a boca com a mão para evitar leitura labial!
<:o)))
Perdoda, Alessandra. Um valor mais alto se alevanta, como diria Camões.
Mas aguardo tão seja possível, sem prejuízo dos trabalhos da faculdade.
Assisti a um programa contando muito da vida de Pelé, que faz 75 anos no próximo dia 23. Claro que há muitas controvérsias envolvendo o "sublime crioulo", expressão que certamente não poderá mais ser usada nos dias atuais.
Sem pretensão de escrever sobre ele, gostaria apenas de ressaltar que comecei a ser torcedor do Santos na época do seu bi-campeonato mundial de clubes.
Mais recentemente, o Santos "produziu" Robinho, Ganso, Neymar, e minha torcida pelo "Peixe", que andava meio por baixo, voltou à intensidade anterior, independente de quem nele jogue hoje em dia.
Parabéns, portanto a Pelé, o atleta do século XX.
Leandro Karnal:
http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/jo-soares-entrevista-leandro-karnal/4541702/
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