2 de outubro de 2015

Lealdade e fidelidade

Tirante seu cão, fiel até  a raiz  de seus pelos, você tem ou teve amigo que foi, ou é,  leal a você? A pergunta se aplica também a você mulher que me dá o prazer de estar aqui lendo.

Não sei se por efeito do dia nublado, céu carrancudo, ou se  por outra causa ignorada, o fato é que tive uma recaída, daquelas brabas mesmo.

Tipo uma até já relatada aqui quando coloquei em suspeição se algum de meus amigos merecia a minha amizade, tal minha decepção e descrença do ser humano.

O Millôr definiu amargamente que o ser humano não deu certo. Seria uma obra imperfeita do Criador.

Tem gente, e muita gente, que prefere a companhia de um cachorro do que a de um humano. É natural que assim seja, porque se existem são raríssimos os casos de um cão infiel.

Alguns evangélicos estampam nos vidros de seus carros um plástico adesivo com a frase (a meu juízo idiota)  “Deus é fiel”. Eu acrescentaria “os cães também”. Ou então, "os cães são mais".

Desafio-o, ou à gentil senhorita ou distinta senhora,  a fazer reflexão, a se concentrar em seus ditos “amigos (as)” desde a infância, passando pelos bancos escolares até os dias de hoje. Concentre-se em um (a)  por um (a) e avalie se ele ou ela realmente nunca lhe decepcionou.

Se você poderia contar com este amigo (a) em qualquer circunstância.

Pense se ele ou ela nunca invejou a sua bicicleta, suas viagens a Europa, suas notas melhores no colégio, suas idas mais constantes ao cinema, suas férias na Disney, nunca cobiçou suas namoradas, ou seus namorados se você for mulher, se ele ou ela não gostaria de ter o seu emprego, que achava mais legal e mais bem remunerado do que o dele (a).

Dava cola a você nas provas numa boa? Oferecia o último cigarro do maço? Pagou seu lanche quando você estava sem grana? Emprestou dinheiro num caso de extrema necessidade? Foi seu fiador? Brigou ao seu lado, na rua, sem questionar se você estava certo ou errado? Confidenciou que comia a vizinha? Ou que deu para o chefe? Contou que trocou, na gôndola do supermercado, a etiqueta de preço do produto?

No par ou impar das peladas escolhia você para o time dele? Gostava de fazer dupla com você no jogo de biriba? Emprestou o blazer novo, antes mesmo de tê-lo usado, para você fazer bonito numa festa? Ou a bolsa Louis Vuitton? Indicou você para um emprego? Emprestava o carro em circunstâncias especiais?

Visitou você quando esteve internado, ou internada, em hospital? Telefonava no dia de seu aniversário?  Elogiava você  junto a outras pessoas?

Bem, muitas destas situações ocorreram comigo. Tive, de amigos, gestos solidários e alguns praticaram, em meu favor,  alguns dos atos enumerados. Ajudaram-me.

Mas no conjunto da obra sempre houve ou há um porem, segundo meus parâmetros. Ou votavam no Brizola, ou eram flamenguistas, ou gostavam de São Paulo e Nova Iorque, ou assistiam novelas, ou cultivavam hábitos outros que me desagradavam.

Seria um exigente ingrato? É que por vezes as atitudes de ajuda precediam uma segunda intenção, uma cobrança que viria mais tarde. Almoço de graça não existe mesmo.

É! É lamentável, mas o melhor amigo que alguém pode pretender é mesmo  um cão.  Ou gato, para pessoas que conheço.

Eu preferiria um abraço apertado com sentida emoção, do que o abanar do rabo, mas é mais fácil encontrar a fidelidade instintiva do cão do que a lealdade racional de um humano.

Hoje estou assim, amanhã ... será outro dia.

Notas do editor:
1) Não me venham com exemplos de relações entre pais e filhos. Estes - filhos - coloco em outro patamar além da amizade. 

2) "Os Estados Unidos não têm amigos, têm interesses", originariamente de Summer Welles e repercutida por Henry Kissinger.

3) Eis o retrato do ser humano, cada vez mais egoísta, menos sensível, mais ambicioso.


Criança síria morta afogada na fuga dos pais em busca de paz



10 comentários:

Ana Maria disse...

Parece que vc é um exigente radical. A vida não é em preto e branco. Existem nuances de cores e de sentimentos.
O mesmo amigo que num gesto leviano deixa vazar um segredo seu, pode socorrê-lo voluntariamente num aperto finaceiro.
Outro lhe nega fiança num aluguel, mas lhe indica para um emprego excelente.
A fidelidade e a lealdade são relativas, e temos que aceitar tal situação visto que também falhamos em algum momento.
O que pensam seus amigos sobre você?

Jorge Carrano disse...

Você conheceu o Bill. Por bem, foi amigo incondicional. Esteve junto de mim em todos os momentos, bons e ruins. Não havia relatividade na amizade dele. Identificava meus sentimentos e se amoldava. Só tinha um, digamos, defeito, era ciumento, mas um ciúme que aos meus olhos era positivo.

Quanto ao julgamento que de mim podem fazer, tomo os vereditos como elogios: sou um chato de galocha, ortodoxo, quadrado, sistemático, (julgamento de minha sogra), retrógrado, etc.

Em outros termos: invejoso, traidor, mau caráter, desrespeitoso, irresponsável, ganancioso, dissimulado, desonesto (lato sensu) e coisas que tais, jamais!

Estou sempre vigiado pelo meu santo protetor que, rigoroso, se prevarico ele me pune de uma maneira ou outra. Para não perder a inspiração e a proteção dele mantenho-me na linha.
Sei que o ócio, por exemplo, é tentador, mas estou sempre reagindo porque a gente só tem ajuda se esgotamos todas as NOSSAS possibilidades de solução por iniciativa própria.

Sou bom caráter, pelo menos, ad argumentandum, por conveniência. Mas já é alguma coisa, ou não?

Jorge Carrano disse...

Ana Maria,
Ei avisei que foi uma recaída. É que muito me incomoda ver pessoas falando coisas nas quais não acreditam. Representando um papel com o qual não se identificam. Mentindo para elas mesmas, porque são tão primárias que até os mensos atentos percebem a falsidade contida nas palavras ou nos gestos.
Não "perdoo as Carolinas" que ficam vendo o tempo passar na janela... e se queixam da vida.
Sou conservador sim. Também no caráter, na lealdade, sou fiel aos meus princípios.
Mas amanhã passa minha ira, porque a tolerância entre desiguais é inerente a vida em sociedade.
É que com a catarse sinto-me um pouco reconfortado. Pronto para tocar a vida como ela é.

Riva disse...

Ana Maria resumiu. Somos seres humanos .....

Quem pode saber como vai se comportar em determinada situação que põe à prova todo o seu ser ? Uma coisa é o dia a dia, outra são situações extraordinárias, de várias naturezas, e que compõem o nosso quadro como humanos.

So, that´s it. Carrano está precisando de um vinho hoje ....

Jorge Carrano disse...

Riva,
Passei o sábado em Teresópolis de onde acabo de chegar. Fui de carona com meu primogênito. Reunimo-nos lá com minha irmã - Ana Maria - a Alessandra e seu filho João, almoçamos juntos e ... tomamos vinho. Duas garrafas para os 4 que bebemos. Os outros ficaram na Coca diet.

Já vejo a vida com outros olhos. Se o Vasco vencer amanhã (o que é fundamental para suas aspirações), acabarei por dizer que a felicidade até existe. Que a vida é bela. Que o mundo me sorri. E que os amigos são fundamentais.

Riva disse...

kkkkkkkkkkkkkk

Torcendo muito pelo seu Vasco e da Matriarca !!

Abrs

Riva disse...

Ihh !! caiu a ficha !!! Alessandra e João ??

Mas ela não mora em São Paulo ?

Jorge Carrano disse...

Alessandra tem um forte sotaque gaúcho, morou em São Paulo muito tempo, mas há dois ou três anos reside em Teresópolis.

Alessandra Tappes disse...

Olá meninos!

Lendo seu post sobre lealdade e fidelidade, passou um filme na mha memória. Fiz uma boa reflexão de tudo que já chamei de "amizade", juras eternas de melhores amigas e as altas confidências que só trocamos com quem realmente merece nossa lealdade. Mas, nem tudo são flores... você foi claro quando disse que estava num momento "recaída", o que nos faz aceitar as questões levantadas no seu texto, embora eu e a maioria das pessoas de plantão no universo sejamos suscetíveis a erros, ou seja: decepcionamos na mesma escala em que fomos decepcionados. Se um amigo acha que foi traído, certamente a outra parte revidará achando o mesmo, e as vezes a tal traição nem aconteceu...

Como você citou, morei muito tempo em SP.25 anos pra ser mais exata. Foi do começo de minha adolescência até antes de ontem. O que fez com que eu criasse muitos amigos, aqueles lá de cima com juras eternas de amizade, pacto de sangue e coisa e tal, e hoje, sei de um e outro através do face. Vejo filhos dos amigos crescendo sem ao menos eu saber o nome deles. O contato existe ( mesmo que seja virtual) mas cada um no seu quadrado, em suas novas amizades, na mobilia nova da vida.

O tempo veio e firmou morada em mim. da mesma forma que esse mesmo tempo passou e fez novos rumos, trouxe novos amigos, aposentou os antigos. Sou grata a todo instante por todas as pessoas que passaram em minha vida, mesmo as que me decepcionaram depois de ouvir as mais profundas confidências minhas!!! Aprendendo a não agir como essas pessoas, já é um grande feito.

E, por falar em novos amigos, o meu dia foi preenchido com a presença de "Seu" Jorge (como diz João), sua encantadora esposa e seu filho e nora pra lá de simpáticos. Fizeram enriquecer nosso dia além de um quiche maravilhoso de alho poró,regado a vinho e bons dedos de prosa.

A vida é bela sim! Um brinde aos novos amigos!!!

Jorge Carrano disse...

Tim tim, Alessandra.
Acabei não agradecendo as esfihas. Quando chegamos foi só botar no forninho uns instantes e pronto. Deliciosas.
Bom domingo para você e o João.