31 de março de 2015

As amizades- III

Já informo que seu nome não  é uma homenagem ao deus grego, filho de Zeus e um dos doze habitantes do Panteão, no monte Olimpo.  Até poderia ser, mas não é.

Até porque, na verdade, seu nome é Florihermes, porque seus pais pretendiam homenagear Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca, generais e ex-presidentes.

Lógico que é mais conhecido pela parte inicial do nome, simplesmente Hermes.

Conhecemo-nos, como a muitos de meus amigos, nas lides estudantis, fora e dentro das salas de aula. Também ele foi diretor de esportes da Federação de Estudantes Secundário de Niterói. Hoje pode parecer uma entidade sem importância, mas na época era de extrema relevância.

Para inicio de conversa só a FESN podia vender os passes estudantis, para que os estudantes pudessem pagar apenas 50% do preço. A partir de certo ponto também os cinemas, para o mesmo fim de meia-entrada, só aceitavam a carteirinha de estudante e não mais a caderneta do colégio.

Bem, foi na FESN que nos conhecemos e fui seu sucessor como diretor de esportes. Como o post não é  exatamente a meu respeito, aproveito o ensejo (falar da FESN) para fazer meu comercial: fui chefe de delegação e  técnico do futebol-de-salão, na competição estadual realizada em Volta Redonda. Em 1959.

Eu prestava o serviço militar, ainda no 3º RI, vide 
(http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2015/03/refratario-sim-insubmisso-nao.html) e só consegui a licença para viajar e me ausentar em licença por três dias porque o goleiro reserva do time era filho do subcomandante do regimento.  A vida é assim mesmo. O QI é muito importante.

Voltando ao Hermes. Ele conseguiu para mim o primeiro emprego: chefe de contas correntes no Banco Metropolitano. Espera ai, indagarão os mais atentos, como assim primeiro emprego já como chefe?

Explico. Ele – Hermes – era o chefe das contas correntes. Mas estava de saco cheio porque o trabalho, mecânico, repetitivo, puramente burocrático, ainda exigia habilidades que ele não possuía.

Ademais, já estudante de psicologia, queria fazer alguma coisa relacionada com esta ciência.

Conversou com o comendador Clarimar Fernandes Maia, dono do banco,  e disse que queria sair, mas deixaria uma pessoa de confiança em seu lugar. Bastaria um mês de treinamento, com ele, durante o aviso prévio. Dito e feito. Fui admitido.



Conta-corrente, naquela época, era muito diferente do que é hoje. Não existia o caixa-executivo; eles limitavam-se a pagar e receber, sem quaisquer outras atribuições.

Se você queria descontar um cheque, ia até o balcão, entregava o cheque que era levado para o setor de contas correntes, onde era conferida a assinatura (havia os cartões de autógrafos) e verificada a existência de saldo. O chefe colocava um carimbo, pequeno e redondo e rubricava.

Então o cheque ia para o “caixa” que só fazia pagar o valor.

À tarde, cabia ainda ao chefe do setor fechar as contas e apresentar um balancete. O saldo da conta “conta corrente” do dia anterior, acrescida dos depósitos do dia, e deduzidos os cheques que pagou e/ou os administrativos, naquele dia, tinha que espelhar o total dos saldos de todos os clientes. Ou seja, demonstrar quanto o banco tinha em seu poder, dos diversos clientes. E isso era feito numa máquina contábil, eletro-mecânica horrorosa.

E mais duas curiosidades, que somente os mais idosos sabem, se é que lembram. Os bancos funcionavam aos sábados, até o meio-dia. E remuneravam o saldo da conta-corrente (não tinha a poupança nos moldes atuais), com juros de 6% ao ano.

Também não aguentei muito tempo lá no banco, e uma vez mais foi o Hermes quem me conseguiu outro emprego.

Ele já trabalhava no setor de seleção da Fiat Lux, aplicando testes psicotécnicos. A empresa estava recrutando rapazes com nível secundário, mesmo sem experiência,  para trabalhar na fábrica em São Gonçalo.

Foi assim que deixei o banco e fui parar na Fiat Lux, onde, ao longo de 10 anos, fiz uma carreira até a gerência de recursos humanos, no escritório central.

Na semana passada encontrei o Hermes na rua da Conceição. Depois de alguns comentários sobre amigos nossos que já morreram: Vantelfo, Castelar, Salvatore, Bazhuni, Hudson, Cacau, Sergio (Buda), muitos deles mais  novos do que nós (Hermes está chegando aos 80), ele me disse que inda conserva o caderno no qual  anotava as partidas de biriba. Durante dois anos fizemos uma dupla, disputando inclusive competições e só perdemos três partidas ao longo deste período (mais de 100 jogos). E sem trapaça, podem acreditar. Num jogo em que o componente sorte influi bastante.

E mesmo quando os adversários trapaceavam fazíamos pilhéria. Não vou entregar aqui os pais, figuras respeitáveis, de amigos nossos que, jogando em dupla roubaram descaradamente no jogo, e ainda assim perderam. Jogando na casa de um deles, professor.

O Hermes tem uma coisa que não tenho, nunca tive: coragem, destemor. Enfrentava qualquer situação com muita disposição. Sou mais negociador, transigente, até o limite da falta de espaço para recuo. Mas ai até gato reage não é mesmo?

Para não parecer fanfarrice não contarei os dois episódios nos quais tivemos que enfrentar situação de risco, mas bancamos e saímos ilesos.

Hermes lia muito. De tudo. Aventuras de capa e espada, histórias de detetives particulares (Shell Scott, p.e) e os clássicos. Tinha uma estante abarrotada de livros. E por causa disso eu lia bastante nesta época.

Quando ele me recomendou e  emprestou “Chapadão do Bugre” desconfiei e achei que era uma roubada. Afinal nunca ouvira falar de Mario Palmério. Mas peguei o livro e levei para casa sem muito ânimo.

Quando ele me emprestou “O coronel e o lobisomem” já não pestanejei. Ele – Hermes - realmente, tem bom gosto literário. Palmério e José Candido de Carvalho não são autores de muitas obras comerciais, mas estes dois livros são muito bons.

Hoje já não lê tanto, prefere ver TV. Futebol (é tricolor roxo) e noticiário. E pouco vai a cinema que era uma de suas distrações preferidas.

Além de me emprestar, presenteou- me com vários livros. Vajam, entre muitos outros:











Por  meu intermédio Hermes e Castelar viraram amigos. E foram até sócios num colégio,  conforme já relatei.

Hermes tem livros publicados, com contos e poesia.

Hoje, procurador aposentado da câmara de vereadores, atua na área criminal. Defende bandidos. Ninguém é perfeito. Como disse Caetano, “de perto ninguém é normal”. 

30 de março de 2015

As amizades – II

Castelar tinha uma memória prodigiosa. E era muito bom de argumentação.

Foi professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo. Foi professor da Bruna Lombardi, por exemplo. Como eu na minha primeira incursão na cidade não tinha amigos fiquei muito dependente dele.

Ele já estava casado com a Francisca e, vez ou outra, era convidado para o jantar na casa deles, então na Rua Frei Caneca. Uma noite ou outra eu saia do trabalho, no Banco Português do Brasil, e ia direto para a ESPM assistir a aula dele para depois sairmos para um chopinho.Depois caminhávamos eu para o meu hotel e ele para a casa dele.

Vale registrar que meus primeiros treze meses em São Paulo (um ano e um mês), morei num hotel  próximo ao Largo do Arouche (e, para quem conhece a cidade, perto da boca do lixo  - rsrsrs).  Nos dias sem garoa e até para relaxar, eu caminhava a pé desde  a Av. Paulista, esquina com Bela Cintra (sede do banco), até  a Av. São João. Jantava e ia dormir.

Por economia, muitas noites jantava no “Gato que Ri”, restaurante de comida italiana, no Largo do Arouche, que servia meia porção (caneloni, espagueti, ravióli, estas coisas mais simples), que era mais do suficiente para o jantar. No almoço eu comia lá pelas bandas do Av.Paulista,  porque havia uma enorme quantidade de opções.

Para fugir da rotina da comida italiana e sair um pouco do “Gato que Ri” algumas vezes eu ia até o Frevinho para comer Beirute (na rua Frei Caneca), um fantástico sanduiche nutritivo e gostoso. Ou a um restaurante próximo do hotel e comia “filé a cubana”. Barato e farto (o bife, claro, um ovo frito, linguiça, banana (a milanesa) e batatas fritas.

Bem, voltando às aulas do Castelar e a Bruna Lombardi, afirmo que ela era (e é) charmosa, mas muito baixinha (o que não lhe desmerece em nada). Apenas só não poderia ser modelo de passarela, por exemplo, apenas fotográfica.

Uma baiana, muito amiga dela, de nome Maria (simplesmente Maria), ao contrário era alta, de olhos verdes, cabelos encaracolados, um mulherão. Não sei porque nunca fez sucesso nas telas de TV, cinema ou passarelas.

No outro dia falei, ou melhor, escrevi, e até coloquei uma foto, de um jantar na casa da filha do presidente da Laboratório Hepacholan. Pois bem, também era aluna do Castelar nesta mesma turma.

Notem as interligações as quais já me referi em post aqui no blog.

Responsável pelas áreas de propaganda e marketing do Laboratório (era também acionista, com participação acionária pequena), e tendo sido aluna do Castelar, quando resolveu dar uma sacolejada no marketing do laboratório, procurou e contratou o ex-professor para fazer um free (frila), desenvolvendo um projeto.

Ficou conhecendo o laboratório e suas deficiências na área administrativa. Que fez o amigo? Disse que tinha uma migo no Rio (Niterói) que seria talhado para organizar a área administrativa. Adivinharam quem seria o amigo? Isso mesmo, o escriba.

Fui, e não fiz feio. Como Cesar, poderia afirmar veni, vidi, vici (vim, vi, venci). Tanto é assim que em dois anos e pouco já era diretor eleito em assembleia de acionistas (como diria o Ibrahim, sorry periferia).

Autêntico e espontâneo, um dia Castelar apareceu com um Landau. E foi alertando: é só pra “desrecalcar”, não ficarei com ele muito tempo. Compreensível para quem teve uma infância (alias não teve) e juventude sofridas, com muito trabalho e pouco dinheiro.

Bem, na mesma linha, tive por um curto período, quando morei em Ribeirão Preto, um Dodge Charger, cor de vinho com teto de vinil preto.

Castelar foi muito amigo do Hermes Santos, o terceiro de meus melhores amigos como já mencionei em “As Amizades”. Os dois foram sócios no Colégio São Paulo, em São Gonçalo. Mas compraram não uma escola, mas sim um saco de problemas. Em pouco tempo eram tantos os processos de cobrança, debandada de professores, prédio em precárias condições, que tiveram que vendar. Ainda bem que conseguiram um comprador.

Mas foi-se o sonho dos dois de criar uma escola modelo, não convencional.
Um dos processos consegui resolver para eles, era uma reclamatória do professor de educação física, um sargento que eu conhecia. Negociei um acordo e ficou tudo resolvido.

Ufa! Vou parar um pouco, não sem antes perguntar (mim mesmo) vivi ou não vivi? Estou apenas passando sem deixar rastro ou vestígio de vida?

Último parágrafo: conheci e conversei bastante com o ator Antonio Fagundes antes dele virar astro global (Fagundes e Castelar tinham muita semelhança física). Foi na casa de um tio da Chica, no Guarujá, São Paulo. Fagundes era namorado da Clarice Abujanra, prima da Francisca. Estive num almoço lá, convidado pelo casal, no aniversário do dono da casa, que havia sido eleito o “empresário têxtil do ano”. Fagundes e Clarice casaram e depois descasaram.

29 de março de 2015

As amizades

Acho que fiz bem em aguardar que a emoção baixasse de intensidade para falar (um pouco mais) do Castelar, amigo que faleceu em julho do ano passado.

Todo mundo já leu a respeito ou ouviu falar de casos de escalada social/profissional de algumas pessoas que começaram bem por baixo, e lograram sucesso pessoal. Eu também li. Mas há um caso que pude acompanhar bem de perto. E o personagem, para meu orgulho e alegria, foi um dos meus três melhores amigos, até seus últimos dias neste mundo.

O pai, lavrador e analfabeto; a mãe lavadeira e cozinheira em pensão. Ele entregador de marmita, desde novinho e, aos doze anos, com carteira profissional com data adulterada, foi empregado como   “office boy” numa seguradora no Rio de Janeiro.

Desde seu nascimento, em Rio Bonito, até sua mudança para São Paulo, onde alcançou uma vice-presidência, na multinacional Nestlé, foram muitos entraves, lutas e conquistas. Foi muita estrada.

A partir de um certo ponto de sua vida ficamos amigos, parceiros e confidentes. Sonhamos e planejamos mil coisas, que fortaleciam nossos laços mas não eram concretizados.

Numa destas ocasiões, planejado o que faríamos, ele resolveu consultar o I Ching. Com moedas. O resultado foi, sinteticamente, o seguinte: quando dois lagos se intercomunicam, nunca um estará vazio e o outro cheio.

Antes de dar início às circunstâncias em que nos conhecemos, preciso explicar um de meus critérios para eleição, conceituação e colocação como amigo. Um deles é que os filhos estão excluídos desta categoria. Eles pertencem ao nicho dos... filhos. Um nível acima.

Mario Castelar está no rol dos três amigos de verdade, que poderíamos brincar dizendo que com carteirinha profissional. Os outros dois seriam, o também falecido, há três anos, João Jorge Bazhuni, já homenageado aqui no blog, com um post em http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2010/07/tipo-inesquecivel-joao-jorge-elias.html , e o terceiro, Hermes Santos, de quem estarei falando mais para afrente. Hermes é um pouco mais velho, e está ainda na ativa. Foi professor (psicologia), editor de jornal, poeta (com livros publicados) e advoga na área criminal.

Quando publiquei o post sobre as tribos que frequentei, mencionei que elas não eram estanques, e alguns dos companheiros transitavam em algumas delas. Eis um caso concreto.

Bazhuni tinha que fazer uma viagem até Juiz de Fora, para fazer compras para a loja de seu pai, que ficava no centro de Niterói. Desde cedo ele ajudava o pai na loja, que vendia basicamente tecidos, mas também outros artigos correlatos, e os chamados aviamentos (zíperes, f itas, etc).

Juiz de Fora tinha (tem ?) muitas indústrias têxteis, em especial malharia. E ele queria comprar meias para abastecer o loja, que se chamava “Ao Leão de Ouro”.

Como ele viajaria numa sexta-feira à noite, para estar cedo na cidade no sábado, com tempo para visitar algumas fábricas e/ou distribuidores, acabou por convidar alguns amigos de escola e de outras atividades. Para farra.

Assim, na rodoviária do Rio de Janeiro fomos apresentados, porque ele  - Castelar - era um dos nove rapazes convidados para esta viagem, misto de negócios e lazer. Um de seus irmão, Francisco (Chicão) era outro convidado. E mais o Senna, o Bira e outros cujos nomes não lembrarei porque perdemos o contato depois. Não conhecia nenhum deles, exceto, claro, o Bazhuni que era o amigo comum.

Naquela sexta-feira sentamos-nos em torno de uma mesa, de um modesto bar na “manchester mineira”. Eu e Castelar nos identificamos logo de cara. Seria "amor a primeira vista" se fossemos um casal, hetero ou homo, tanto faria.

As afinidades eram muitas. E meu respeito pela inteligência dele, a agilidade mental e a criatividade, foi um ato imediato. Ele, por seu turno, deve ter identificado em mim algumas coisas que aspirava conseguir. Vivia, ainda, não mais na extrema pobreza, mas com muitas carências.

Nunca mais nos separamos, a não ser geograficamente, em certos momentos de nossas vidas. Ele foi para São Paulo primeiro do que eu. Depois retornou ao Rio, mas aí eu estava em São Paulo. Morei em Ribeirão Preto e em São José dos Campos, ele morando em São Paulo – capital.

A seguir, fotos que estão num mesmo álbum, dos muitos que tenho. Neste dia, na década de 1980, em uma das casas em que morei e ele frequentou ao longo do tempo, ele exercitou um hobbie que adorava: cozinhar. Antes da boia tomamos um cervejinha. Na mesa de refeições estão também meu filho Ricardo e Wanda, de costas.  E o melhor de tudo, lavava a louça (rsrsrs).




















Ambos vascaínos e devotos de São Jorge, acabamos por fazer, na mesma época, vestibular para Direito; e formamo-nos na mesma turma, embora ele jamais tenha exercido a profissão. Ele obteve sucesso mesmo foi nas áreas de marketing e comunicação.

Foi com ele que fui pela vez primeira ao estádio do Morumbi para assistir a um Vasco e Corinthians debaixo de um temporal de deixar as cuecas ensopadas. Foi 1X1, mas sacaneamos muitos gambás. Nas inúmeras vezes em que fomos ao Maracanã, antes de nossas mudanças para São Paulo, em algumas delas ficamos em meio a brigas, tapas e bofetões, em geral dentro da própria torcida vascaína.

Casamos, eu primeiro e ele logo em seguida, e nossas mulheres ficaram meio amigas. Saíamos juntos os casais, com outros, e jogávamos biriba ora em minha casa ora na dele.

Ele foi o responsável pela minha mudança profissional para São Paulo, indicando-me para o Banco Português do Brasil, que era cliente da agência de publicidade na qual ele trabalhava. Anos mais tarde, de novo, foi responsável por minha volta para São Paulo porque por sua recomendação, fui contratado pelo Laboratório Hepacholan.

De minha parte, quando estava na indústria têxtil do Grupo Matarazzo, na gerência da área de recursos humanos, indiquei-o para o setor de marketing. Ele trabalhava na  Rhodia, e os olhos de Ermelino Matarazzo (um dos filhos do conde) encheram-se de luz ante a possibilidade de tirar alguém da Rhodia. O normal era o oposto.

Ele ficou pouco tempo no Matarazzo. Encheu o saco, e voltou para a publicidade, na mesma agência na qual já trabalhara – Norton. Geraldo Alonso, fundador, dono e presidente gostava muito dele.

Ele se separou da primeira mulher, antes de ir para São Paulo numa aventura meio arriscada. Em São Paulo, pouco depois, casou de novo. Com esta segunda mulher dele, Francisca,  Wanda, a minha, tinha mais afinidades e ficaram amigas quando nós mudamos para a capital paulista. Mas este casamento também foi desfeito.

Francisca (Chica) trabalhou em pesquisa de mercado. Tenho que aproveitar o fato de estar falando da Chica, pois não sei se ela voltará a esta narrativa, para contar duas passagens: uma foi que nós dois acertamos os treze jogos da loteria esportiva (anos 1970). Como ela não entendia coisa alguma de futebol e eu não tinha coragem de marcar zebras nos cartões, sugeri que fizéssemos um jogo em conjunto. Eu marcaria os resultados conforme a lógica e ela colocaria dois ou três resultados, nos palpites duplos, segundo sua inocência e ignorância de futebol.

Não deu outra: treze pontos. Na segunda eu cheguei a tremer um pouco ao conferir os resultados dos jogos. Imaginei que pudéssemos ter ganho um bom dinheiro. Telefonei para o Castelar e falando baixinho anunciei: fizemos os treze pontos. Ele não entendeu ou não escutou porque eu estava sussurrando, na minha sala no Banco Português.

Quando saiu o número de acertadores veio a decepção.  Uma multidão de ganhadores. Pelo menos não fiz como um deles que fretou um avião para ir receber o prêmio na CEF. Com meus 50% do prêmio comprei um relógio para Wanda (o dela havia quebrado ou arrebentado a corrente) e acabou o prêmio.

A outra aventura que tive com a Chica (ou Xica, acho que era assim que eles grafavam), foi quando ela me selecionou para um painel de discussão no pré-lançamento do cigarro “Ascot”. Esse grupo de discussão deveria ter a participação de fumantes e com perfis do público alvo na visão da Souza Cruz. Coube a Francisca a tarefa de identificar e convidar um grupo de 10 pessoas, para esta etapa de pré-lançamento. Na época eu fumava e era um jovem executivo em ascensão (era gerente de RH,  na Fiat Lux). Ah! Este recrutamento e a reunião do grupo foram aqui no Rio de Janeiro.

O curioso deste episódio, é que no dia aprazado minha posição na mesa (o moderador do debate na cabeceira) era na primeira cadeira a sua direita e o giro das perguntas seria naquele sentido (anti-horário).

Primeira pergunta dele para mim segurando dois maços de cigarro. Qual destas duas cores você acha mais bacana, mais condizente, mais elegante? Minha resposta, para espanto geral foi: ué eles não são da mesma cor?

O moderador passou a palavra para o debatedor seguinte, fazendo cara de contrariado pensando que eu fizera uma piada sem graça. A resposta do segundo membro do grupo foi a de que a embalagem verde na opinião dele era mais bonita.

Aqui explico que, sendo portador de discromatopsia não identifiquei que um dos maços era verde bem escuro, e o outro um marrom meio suave.

Pedi a palavra, assim que o outro falou da cor verde ser mais bonita do que a marrom, e esclareci que era daltônico e não fizera piadinha. Mas a partir daquele episódio minha opinião no grupo foi relegada a segundo plano. Talvez pensassem o que mais eu não identificaria além da cor.

Também a marca não deu certo. Parece, salvo armadilha da memória, que lançada no mercado/teste de Curitiba, que sempre era usado para lançamento de produtos, a marca não emplacou. Alguém aí, com mais de 65 anos fumou  “Ascot” ou lembra da marca?

Chica é uma pessoa legal, mãe de dois dos filhos do Castelar, mas perdemos, eu e Wanda, o contato com ela por conta de havermos voltado para Niterói, e Castelar ter contraído uma terceira união. Como ele era o meu amigo, a terceira mulher dele passou a ser a que frequentava nossa casa e nós a deles.

Vou parar aqui e retomarei outro dia. Para falar do milésimo gol do Pelé. Eu estava na casa dele naquela noite. Para falar que quando roubaram meu carro no estacionamento de um hipermercado, na Marginal Pinheiros, em São Paulo, ele me emprestou durante uma semana o Maverick dele. Quando o pai dele faleceu ele estava na Europa, retornando exatamente naquele dia. Recebeu a notícia no desembarque, no Galeão. Trouxe-o para casa e depois fomos para o sepultamento.  Falarei das nossas idas, os casais, a teatros e cinemas. E shows musicais. Com a três mulheres (oficiais) da vida dele tivemos bom convívio.


Só para encerrar, hoje, Castelar faleceu em julho de 2014, deixando 4 filhos, 6 netos e 1 bisneto, aos 72 anos de idade, em São Paulo. R.I.P irmão.

28 de março de 2015

Refratário, sim; insubmisso, não

Para quem não sabe do que estou falando explico que fui refratário, não porque não me queimo (racho ou quebro) quando levado ao forno ou fogão. Não sou pirex. 

Fui considerado refratário porque não me alistei para o serviço militar na época em que deveria. Junto com a minha classe, que era a de 1940. E paguei multa.


E já explicarei porquê.

Antes dou uma dica para quem quiser saber a diferença entre refratário e insubmisso. Consultem a Lei do Serviço Militar, para facilidade coloco o link abaixo. Vá aos artigos 24 e seguintes.

Eu já cursava o científico, portanto poderia, pela norma vigente, fazer o CPOR ao invés de servir na tropa. Esta corporação preparava “oficiais da reserva”, ou seja, oficiais que, não sendo militares de carreira, poderiam em tempo de guerra (ou outras especialíssimas) fazer papel de oficiais, e não soldado, cabo ou sargento.

Claro, se eram jovens com melhor escolaridade. Um período de adestramento de dois anos os qualificava como segundos-tenentes. E não iriam além disso na hierarquia.

Só que este período de adestramento era cumprido durante as férias escolares, alguns sábados e domingos, se não estou sendo traído pela memória.

Bem, como refratário não poderia fazer o CPOR, teria que ser incorporado numa unidade militar (em Niterói poderia ser o 3º RI, ou os Fortes Imbui e Santa Cruz), como soldado raso. E aí é que entrou em cena o famoso QI.

3º Regimento de Infantaria
Tenho um primo, hoje reformado, que com a patente de capitão, na época, era “ajudante de ordens” de um general. Com uma recomendação deste general fui classificado para servir em unidade burocrática, quase funcionário público, com expediente das 11 às 17 horas, de segunda à sexta, na 2ª Circunscrição de Serviço Militar.

Nunca soube quais seriam  os critérios de seleção para esta moleza, mas a julgar pelos meus colegas de farda, na 2ª CR, o critério principal era mesmo indicação, pedido, parentesco. O famoso QI (Quem Indica) do candidato. Privilégio para poucos, eis que a contingente de burocratas soldados era pequeno.

E ganhava uma graninha melhor. Pouco, mas dava para o cigarro e o cinema. Era dinheiro vivo, colocado em envelopes, pontualmente no último dia útil do mês.

Envelopes de pagamento, no 3º RI

Porém, e sempre há um porém, os soldados destinados a prestarem serviço na Circunscrição de Recrutamento, precisavam passar, primeiro, por um período de aproximadamente três meses num quartel, para aprenderem o básico: entrar em forma por altura, responder a chamada diária matinal com o nome de guerra (em voz alta, como se vê nos filmes americanos) marchar com o passo correto, fazer os movimentos sob comando (direita, esquerda, meia-volta, estas coisas e, certamente, manejar (e limpar) o mosquetão, ensarilhar armas (coloca-las no chão, apoiadas umas nas outras pelas baionetas ou pelos canos.

Armas ensarilhadas  (foto Google)

Este período cumpri no 3º Regimento de Infantaria, hoje desativado, mas que se compunha de dois batalhões, cada um deles com várias companhias. Eu, por exemplo, fui incorporado na CCAC, que vem a ser a “Companhia de canhões anti carro”.

Canhão anti-carro  (foto Google)

Meu amigo Ney (falecido), de quem muito falarei em momentos futuros, pois foi companheiro em várias tribos, serviu na CPP1, que significava Companhia de petrechos pesados do 1º batalhão.

Bem, não vou relacionar aqui todas as companhias que compunham os dois batalhões. Irei me limitar a contar algumas curiosidades, impressões e emoções pessoais.

Como curiosidade lembro do sargento Nazareth, mítico responsável pelos serviços de limpeza do regimento. Ele sacaneava os incautos e os metidos a espertos na hora de distribuir atribuições, que incluía limpar as privadas.

Claro que todos os soldados queriam pegar moleza, coisas menos cansativas, menos repugnantes. Aí Nazareth perguntava para a tropa perfilada: quem tem carteira de motorista? Alguns gritavam a levantavam as mãos, pensando que iriam pegar um jipe ou coisa que o valha. Então o sargento comandava – “então você aí, pega aquele carrinho e vai coletando o lixo” (era um carrinho como aqueles usados por pedreiros em obras).

O sargento, corpulento e de voz grave,  ia fazendo piada e sacaneando todo mundo, tipo: “vocês dois irão varrer o varandão, tanto faz de lá para cá, como daqui, para lá, é a mesma coisa”. Era a grande varanda do prédio do comando.

Emocionava (lembrem que eu queria ser militar, como já relatei em outros posts) pela manha, todo o regimento formado (todas as companhias dos dois batalhões) para ouvir a “ordem do dia”, o hino nacional e, vez ou outra, o hino da infantaria. E o arremate do oficial que dirigia a cerimônia: “lembram-se de que os melhores são apenas bons para a infantaria”, ou  “o infante morre de pé”.

E, atendendo ao comando, em movimento sincronizado, todos obedeciam: “em continência ao terreno, apresentar armas!”

Muito interessante, o exercício de guerra realizado num morro, desabitado, deserto, com alguma mata preservada. Até chegarmos lá, local de acampamento, foi uma marcha de, sei lá, mais de dez quilômetros, com mochila nas costas, mosquetão no ombro, cantil na cintura e debaixo de sol.

À noite, nos exercícios, entre duas elevações, a teatralização para treinamento de cuidados e precauções em zona de combate. Primeiro o silêncio que tem que ser absoluto ao se deslocar. Depois atitudes que podem denunciar sua presença para o inimigo.

E aí eu gostei bastante porque bem ensaiada, a demonstração dos riscos, foi empolgante e didática. O cenário, como mencionei, era um pequeno vale entre duas elevações. Escuro total pela ausência de iluminação artificial. No céu algumas estrelas, nós postados numa das elevações atentos ao que aconteceria.

De repente, lá embaixo, vê-se um fósforo sendo riscado. Ato continuo, rajadas de metralhadoras. E gritos.

A imprudência do soldado, acendendo cigarro, denunciou sua presença e sua localização. Era tudo que o inimigo queria. Foi “fuzilado”.

Fomos apanhados de surpresa, naquela escuridão, um silêncio sepulcral, um fósforo é riscado e em seguida uma rajada de tiros. Foi uma lição inesquecível.

Está bem, para nada serve este tipo de treinamento considerando as novas formas combate e os armamentos atuais. Mesmo naquela época já estava defasado, mas vale é o conceito.

Nós mesmos armamos nossas barracas que seriam ocupadas aos pares. Assim, cada soldado, durante a marcha, levava uma parte do material necessário para montagem das barracas de lona. A água era racionada e limitada a que estava no cantil. E os sacos de dormir agasalhavam o corpo porque naquele moro fazia era fio à noite.

Foram três meses duros, com uma rotina cansativa, Acordar de madrugada, fazer ginástica, depois exercícios de marcha batida e manobras.  A comida aquela gororoba braba. Os pratos corriqueiros tinham apelidos, como por exemplo “picadinho ponto trinta” relacionando com o calibre de uma das metralhadoras utilizadas.

E a famosa linguiça de mergulho, ou seja, brincávamos que sobre o caldeirão no qual era preparado o feijão (servido raramente) havia uma roldana, uma carretilha, na qual girava uma cordinha; na ponta da cordinha um pedaço de linguiça. O cozinheiro abaixava a corda que girava na carretilha e a linguiça descia até dentro do caldeirão, e depois puxava o embutido  de volta. Para ser reaproveitada no outro dia, só no mergulho.

E à noite, tinha o famoso chá, feito com cevada, que a par de conter vitaminas e sais minerais, também servia para dar uma broxada (acalmada) nos jovens soldados. Já imaginaram um bando de homens, por vezes retidos durante dias?

Acho que o serviço militar, nos moldes e com os propósitos de então, era bom para o país, para as famílias (sobretudo as mais carentes) e para a juventude. Tirava das ruas e da vagabundagem os rapazes de 18/19 anos, mantinha-os sob disciplina rígida, e com experiências importantes relacionadas à igualdade (todos faziam tudo), ao respeito às patentes (mais velhos), a organização (os armários passavam por revistas aleatórias), ao companheirismo (muitas vezes um dependia do outro), a rotina de higiene (banhos diários matinais, com água fria) e limpeza (os uniformes precisavam estar limpos, sapatos engraxados, cabelo cortado à moda militar, em suma, aprendiam a ser cidadãos, homens de bem.

Como muitas outras coisas lamentavelmente acabou. Não vejo mais soldados. Na época a que me refiro, era comum encontra-los nas estribos dos bondes, onde não pagavam passagem e até nas escolas nos cursos noturnos.


Concluído este período de adestramento/treinamento, fui liberado para me apresentar na 2ª CR,  que era na Rua Dr. Celestino, continuação da Rua da Conceição, no centro de Niterói.

Vida mansa, trabalho burocrático, datilografia, arrumação de arquivos, rodar boletim em mimeógrafo, estas coisas de funcionário. A disciplina era menos rígida e tinha uma cantina onde se poderia comer um pouco melhor (pagando).

Foi na 2ª CR que conhecí o Alódio Moledo dos Santos, também soldado (hoje defensor público, aposentado) e o Oswaldo Czertock, que ara cabo engajado, ou seja, militar de carreira (mas estudava odontologia). Voltei a encontra-lo já clinicando no Fonseca, anos mais tarde.

Nós três, e mais o Eugenio Lamy e a Esther Lucio Bittencourt, graças às boas relações da família do Alódio, produzimos e presentamos um programa de rádio. Mas isto será objeto de outro post.


Nota do editor: além de insubmisso e refratário, existem as categorias de voluntário e, a mais vergonhosa, desertor.

27 de março de 2015

Cidadania italiana




Tudo ia bem até meu bisavô. Na Itália, por correspondência (foto acima), foi tudo bem. E de graça. Mas quando chegamos ao Brasil a partir de meu avô paterno, a porca torceu o rabo.

O ponto de partida seria um ascendente italiano. E isso foi fácil, com a documentação de meu bisavô. Mas a chegada dele ao Brasil, com um filho menor de idade (?), desacompanhado de esposa, já deu um nó.  Quem seria este filho? Seria meu avô Jose? E onde teria nascido o José? Em Tramutola não foi. Teria sido na Espanha, já que a mãe era espanhola (Tereza de Segovia)? Ou foi na Argentina de onde veio com o pai? Se o apelido de meu avô fosse Pepe, teríamos uma pista.

Então tínhamos dois complicadores: a divergência de nome, pois meu avô ora era José Carrano y Segovia (com o sobrenome da mãe), ora era só José Carrano. Mas não foi só a divergência de nome que complicou. Foi também quanto a nacionalidade. Meu bisavô casou-se com uma espanhola, de nome Tereza. Onde?

Pesquisamos na cidade de Segovia, por causa do nome da Tereza, mas foram infrutíferas as tentativas. E buscar em toda a Espanha seria um dos treze trabalhos de Hercules.

Na maioria de seus documentos (em especial certidão de óbito), meu avô figura apenas como José Carrano; assim como nas placas da rua que leva seu nome em São Gonçalo, no bairro do Paraíso. Ele era congregado mariano e por causa de obras assistenciais foi homenageado com nome de rua na cidade em que viveu muitos anos,  até sua morte.

Então faltou-nos a certidão de casamento do Carlo Micheli. E, também, a do nascimento do José.  Efetuamos buscas na Candelária e na Catedral, que possuem arquivos de casamentos e  batizados antigos. E nada, embora admita  não haver examinado todos os imensos livros empoeirados. Faltou pesquisar também em São Gonçalo (onde ele viveu durante anos), mas na altura em que nos encontrávamos nas buscas, isto já não era relevante. Outros problemas surgiram.

Nos Cartórios das diferentes circunscrições também não logramos êxito.

Deste modo, o elo entre meu bisavô e meu  avô desapareceu. Nas certidões de casamento de meu pai, assim como em seus demais documentos, inclusive os militares, consta filiação direitinho.

Se bem lembro, meu avô tinha mais sotaque espanhol do que italiano. E, para desespero geral, descobrimos que haveria uma remota possibilidade dele ser argentino, ou ter passado com o pai pela Argentina antes de chegar ao Brasil. Melhor não mexer muito nisto.

Um primo de outro ramo Carrano, de nome Pedro Henrique, a partir do mesmo bisavô, gastou tempo e dinheiro pesquisando a história da família, no Brasil e na Itália. Utilizou inclusive seus conhecimentos de heráldica para falar de nosso brasão familiar e sua origem. Está em:
http://www.pedrohalbuquerque.net/carrano/index.html


As pesquisas resultaram num livro, publicado sob o título de "Encontro com os Ancestrais" e tem trechos na internet, via Google.



Eu desisti, meus filhos esfriaram o interesse e meus netos podem, de maneira mais fácil, querendo um dia, obter a cidadania portuguesa, o  que lhes conferirá a condição de cidadãos da união europeia, porque o avô materno é português e transmitiu para as filhas a cidadania.

É que o investimento ainda não compensou. Não fica barato. É preciso ter um ganho, na relação custo-benefício.

Meu bisavô, Carlo Micheli Carrano, como já dito ad nauseam, nasceu em Tramutola, em 8 de maio de 1845. Vejam abaixo o seu registro de nascimento, o tal que obtivemos pelo Correio.




Morreu em Piraí, município fluminense, na condição de capitalista (meu Deus, tive um bisavô capitalista e vivo sem grana), mas nos autos do processo de inventário nada consta sobre meu avô, que seria herdeiro, juntamente com seu irmão Jesus. E a repartição dos seus bens, seu espólio, basicamente antigos títulos do tesouro, foi para as calendas.

Pelo visto nem meu avô e nem meu pai deram pelota para os bens do "capitalista" que morreu aos 82 anos de idade.


Atentem para a profissão e para o nome já em português, como costume
Este inventário, todo ele manuscrito, com aquela caligrafia de monge copista, está arquivado na prefeitura do município como peça histórica.

Pelo ramo da Wanda, que também tem ancestrais italianos, também não há documentação completa, como já narrei em
http://jorgecarrano.blogspot.com/2011/02/potenza-basilicata-italia.html

O avô de Wanda - Felice Campagna -  nasceu na comuna de Picerni, na província de Potenza, capital da Basilicata.


Por outro lado, meu bisavô, Carlo Michele Carrano, como já visto, nasceu na comuna de Tramutola, na mesma província de Potenza, na região da Basilicata.



Ambos migraram para o Brasil, e não se conheceram nem lá na Itália e nem no Brasil.

Algumas gerações depois, eu e Wanda, descendentes destes dois carcamanos (latachos) de Potenza, nos conhecemos em Cachoeiro de Itapemirim e viemos a nos casar, já lá se vão 50 anos.

Coincidência remota, a origem dos ancestrais em Potenza. Mais em 
Tirante alguns casos de imigrantes italianos que vieram para a lavoura em substituição a mão-de-obra escrava, que chagavam em bandos e entravam no pais por São Paulo, onde existem registros do antigo setor de migração (imigração e emigração), os que vieram isolados, chamados por parentes ou em aventura individual mesmo, os documentos de ingresso no Brasil, fixação em território brasileiro, ocupação e descendência ficaram perdidos nas brumas do tempo.

Quem tinha preocupação de regularizar? De colocar em ordem a papelada? Ainda mais quando sobreveio a guerra e os italianos foram perseguidos e ameaçados. O "Palestra Itália" virou "Sociedade Esportiva Palmeiras", por exemplo.

Mais tarde, bem mais tarde, a presença de estrangeiros no Brasil, no mercado de trabalho, passou a ser controlada. Houve a lei, conhecida como a “de dois terços” , que pode ser vista em
http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto.lei:1939-12-07;1843, e que limita a presença de estrangeiros nas empresas.

Os Matarazzo, por exemplo, importavam muitos conterrâneos para suas empresas.

De uns tempos a esta parte, com controles mais eficientes, com polícia de fronteira, polícia federal e os diferentes órgãos governamentais que controlam entrada de estrangeiros, ficou mais fácil montar uma árvore genealógica.

Aliás que ficou muito mais fácil ingressar no Brasil. Que o digam os cubanos (médico ou não), os haitianos e os venezuelanos.

Por outro lado, como há sempre há algo positivo em todas as coisas,  escapei, embora sem querer, de ser concidadão do Cesare Battisti. 

Para satisfazer a curiosidade do Paulo March (Riva), manifestada via comentário em post anterior, informo que tive muito pouca influência carcamana, pois convivi muito mais com as lusitanas e lusitanos parentes de minha mãe.

Minha avó materna nasceu em Viseu onde viveu até casar em primeiras núpcias.Veio para o Brasil com duas filhas nascidas na mesma cidade. Enviuvou aqui, tornou a casar e seus outros 5 filhos (inclusive minha mãe) já nasceram no Rio de Janeiro.

Daí que os hábitos familiares estão muito mais ligados as tradições portugueses: bacalhau, castanhas, rabanadas.

Fui apresentado a pizza na "Gruta de Capri", mas isto será objeto de outro capítulo. Quem sabe com o titulo "Brotinho de presunto e um chopp na pressão".

Na década de 1950 (desconheço a menina da foto, obtida via Google)

26 de março de 2015

Ainda os professores

Segundo o remetente o autor é desconhecido. Mas o exercício de futurologia é bem verossímil. Daí que repercuto aqui, pedindo identificação do autor, para os devidos créditos, se alguém conhecer.

O FIM DOS PROFESSORES
(autor não conhecido)

O ano é 2209 DC, ou seja, daqui a 200 anos. Uma conversa entre avô e neto tem início a partir da seguinte interpelação:

- Vovô, por que o mundo está acabando?

A calma da pergunta revela a inocência da alma infante. E, no mesmo tom, vem a resposta:

- Porque não existem mais professores, meu anjo.

- Professores? Mas o que é isso? O que fazia um professor?

O velho responde, então, que professores eram homens e mulheres dedicados, que se expressavam sempre de maneira muito culta e que, muitos anos atrás,  transmitiam conhecimentos e ensinavam as pessoas a ler, falar, escrever, se comportar, localizar-se no mundo e na História, entre muitas outras coisas. Principalmente, ensinavam as pessoas a pensar.

- Eles ensinavam tudo isso? Mas eles eram sábios?

- Sim, ensinavam, mas não eram todos sábios. Apenas alguns, os grandes professores, que ensinavam outros professores, e eram amados pelos alunos.

- E como foi que eles desapareceram, vovô?

- Ah, foi tudo parte de um plano secreto e genial, que foi executado aos poucos por alguns vilões da sociedade. O vovô não se lembra direito do que veio primeiro mas, sem dúvida, os políticos ajudaram muito. Eles acabaram com todas as formas de avaliação de alunos, apenas para mostrar estatísticas de aprovação. Assim, sabendo ou não sabendo alguma coisa, os alunos eram aprovados. Isso liquidou o estímulo para o estudo e apenas os alunos mais interessados conseguiam aprender alguma coisa.

Depois, muitos familiares estimularam a falta de respeito pelos professores, que passaram a ser vistos como empregados de seus filhos. Estes foram ensinados a dizer: “Eu estou pagando e você tem que me ensinar” ou “para quê estudar se meu pai não estudou e ganha muito mais do que você?”, ou ainda, “meu pai me dá mais de mesada do que você ganha”. Isso quando não iam os próprios pais gritar com os professores nas escolas.

Para isso, muito ajudou a multiplicação de escolas particulares, as quais, mais interessadas nas mensalidades do que na qualidade do ensino, quando recebiam reclamações dos pais, pressionavam os professores, dizendo que eles não estavam conseguindo “gerenciar a relação com o aluno”. Os professores eram vítimas de violência – física, verbal e moral – que lhes era destinada por pobres e ricos.

Viraram sacos de pancada de todo mundo. Além disso, qualquer proposta de ensino sério e inovador sempre esbarrava na obsessão dos pais com a aprovação de seus filhos no vestibular, para qualquer faculdade que fosse: “Ah, eu quero saber se isso que vocês estão ensinando vai fazer meu filho passar no vestibular”, diziam os pais na reunião com as escolas. E assim, praticamente todo o ensino foi orientado para os alunos passarem no vestibular. Lá se foi toda a aprendizagem de conceitos, as discussões de idéias, tudo, enfim, virou decoração de fórmulas.

Com a Internet, os trabalhos escolares e as fórmulas ficaram acessíveis a todos e nunca mais ninguém precisou ir à escola para estudar a sério. Em seguida, os professores foram desmoralizados. Seus salários foram gradativamente sendo esquecidos e ninguém mais queria se dedicar à profissão. Quando alguém criticava a qualidade do ensino, sempre vinha algum tonto dizer que a culpa era do professor.

As pessoas também se tornaram descrentes da educação, pois viam que as pessoas “bem sucedidas”, eram políticos e empresários que os financiavam: modelos, jogadores de futebol, artistas de novelas de televisão, sindicalistas – enfim, pessoas sem nenhuma formação ou contribuição real para a sociedade. Ah, mas teve um fator-chave nessa história toda. Teve uma época longa chamada “ditadura”, quando os milicos colocaram os professores na alça de mira e quase acabaram com eles, que foram perseguidos, aposentados, expulsos do país, em nome do combate aos subversivos e à instalação de uma república sindical no país. Eles fracassaram porque a tal república sindical se instalou, os tais subversivos tomaram o poder, implantaram uma tal de “educação libertadora” que ninguém nunca soube o que é, fizeram a aprovação automática dos alunos com o apoio dos políticos... foi o tiro de misericórdia nos professores. Não sei o que foi pior: os milicos ou os tais dos subversivos.

- Não conheço essa palavra, vovô. O que é um milico?

- Era, meu neto, era, não é. Também não existem mais.    

Nota do editor: Embora encimado como de autoria desconhecida, o texto é da lavra do professor Ricardo  Vieira, conforme alerta do Paulo Bouhid, em comentário.