8 de outubro de 2015

FAMÍLIA 4

A família cresce e vai se dispersando. Não sei se é sempre assim. No nosso caso foi.

Leio e assisto matérias sobre encontro  de famílias, com numerosos membros, muitos dos quais nem se conhecem pessoalmente. Até usam crachás identificadores. Acho bacana. Mas difícil de organizar. E precisa de forte motivação. Acho.

Quando o clube da família era ativo, meu pai decidia nossos programas, meu e de minhas irmãs. Ou seja, nós acompanhávamos nossos pais obedientemente. Sem relutância.

Mas nem sempre era assim com os demais membros da família.

As ausências, explicadas, mas injustificadas, começaram a ser mais frequentes nos encontros mensais. Chamo de injustificadas porque as opções dos ausentes eram por outros programas ou atividades. Não por impedimento de saúde, ou obrigação intransferível. 

As reuniões familiares deixaram de ser prioridade.

Mesmo meu pai, envolvido em política, tinha compromissos em finais de semana.

Ademais alguns fatos provocaram desentendimentos, mágoas, e por via de consequência afastamentos. Começou pela dificuldade de incorporar meu único tio. Casou e meio que se afastou, ou foi afastado pela família.

Uma das filhas mais novas foi morar na zona sul da cidade, num novo conceito de residência: apartamento em condomínio. Era grande, bem localizado, num prédio novo, enfim diferenciado.

A maioria dos demais, como já mencionei, morava na zona norte, nos bairros próximos a Tijuca. Nós já morávamos em Niterói, mas atravessávamos a baia de barca da Cantareira  e na Praça XV pegávamos um táxi. Nosso primeiro automóvel foi comprado muito tempo depois, quando o clube estava extinto.

Se bem me lembro a última reunião do “clube da família” foi realizada em nossa casa, em Niterói. A ata sequer foi transcrita no livro próprio, tendo ficado só o draft, sem aprovação do colegiado.

E pernoitaram. Homens num cômodo e mulheres em outro, todos dormindo no chão, em sacos de campanha (sleeping bags), emprestados.

Claro que ninguém dormiu. As mulheres matracavam aos sussurros, e os homens roncavam desbragadamente, depois das piadas prontas. O ronco de um era identificado pela mulher, que gritava de lá: vira o Lino! Uma farra! Pelo menos para mim, pre-adolescente, entrando na puberdade.

Os netos de Ana cresceram, começaram a namorar e a ter programas próprios, independentemente dos pais. Casaram e passaram a ter compromissos com as famílias de suas esposas. A terceira geração, bisnetos de Ana, começou a nascer.

Ademais, uma separação de um casal aqui, uma transferência acolá (um primo militar foi parar em Santa Maria – RS), ajudaram a reduzir o grupo.

Bem, a cota que me cabe neste latifúndio é ter quebrado tradição da família, quase lei. Não convidei, como era esperado, nenhuma das tias para madrinha de meu casamento. E muito menos ainda para batizar meus filhos (que de resto nunca foram batizados).

Depois que me casei apenas em caso de doença fui visitar alguma tia. E a última vez que encontrei com quase todos reunidos foi no sepultamento de minha avó.

Ana Matria, minha irmã, manteve-se fiel as raízes. Até hoje ainda conversa com um ou outro, por telefone ou correio eletrônico.

Vó Ana
A portuguesa que deu origem a tudo, nos últimos anos de vida já não tinha sua casa. O que para ela era motivo de tristeza. Mas as filhas tinham razão. Estava já bastante idosa para morar sozinha. 

Era hígida, mas a casa onde morava exigia um certo esforço físico. Para começar eram dois grandes lances de escada. E ficava isolada.

Passou a peregrinar morando com as filhas alternadamente, até se aborrecer com a rotina da casa. E ia morar com outra. Todas davam uns trocadinhos para seu pó-de-arroz, seu cineminha, e cortes de tecido para confeccionar seus vestidos (o modelo era sempre o mesmo, só mudava a estamparia e o tipo do tecido).

Esta minha avó gostava muito de cinema. E fomos algumas vezes, os dois, quando ela passava temporada em nossa casa aqui em Niterói. Niterói tinha vários cinema na "rua da praia", como chamávamos a rua Visconde do Rio Branco.


Vovó num aniversário de Ana Maria - ano de 1960
O cinema era a melhor diversão. Falo das décadas de 1940 e 1950. Ela não conseguia ler as legendas, mas entendia todo o enredo do filme. Com um ou outro detalhe não entendido, pouco relevante para o enredo, era capaz de contar para minha mãe, quando retornávamos, a história todinha. E tinha seus atores e atrizes de preferência.

Faleceu quase aos noventa anos, não por falência de órgãos, algum tipo de doença. Mas por queda no quintal, batendo com a cabeça numa pedra ou no calçamento, não lembro. Entrou em coma e dele não saiu.

Sua partida acabou por oxidar de vez os elos da corrente que unia a família. 

Um comentário:

Ana Maria disse...

Nosso pai, meu e do Jorge, era um festeiro. Adorava a casa cheia de gente, em geral comendo, para desespero de nossa mãe que executava sózinha todas as etapas da festa.
Por isso a ideia de clube de família e das comemorações de aniversários. Em uma dessas chegou ao cúmulo de colocar um conjunto musical (hoje chamados de bandas) no quarto do Jorge. Música ao vivo da melhor qualidade num apartamento no centro de Niterói.