24 de junho de 2011

Terreno baldio: quaradouro, campo de futebol e arraial junino

Tinha o tal terreno defronte as casas na vila onde morei, que fazia às vezes de quarador (coradouro) de roupas, para as donas de casa e, também, de campo de futebol para garotada.

Nem todas as casas tinham este terreno vago bem defronte, só as 6 última. Isto porque , de um certo ponto para frente, até a entrada da vila, havia uma enorme construção, que ao que tudo indicava, seria um reservatório de água, para abastecer a indústria que ali se instalaria.

Nós aparávamos o capim que insistia em crescer e arrancávamos os pés de caruru invasores, de sorte a podermos jogar futebol, com no máximo seis para cada lado, dadas as dimensões do campo.

Para nivelar um pouco o terreno colocávamos areia da praia, que conforme já comentei em entrada anterior era ali pertinho, antes do aterro e seu conseqüente desaparecimento.
baliza de futebol

 Construímos as balizas, que pelas mesmas óbvias razões (tamanho do campo) não tinham as dimensões oficiais: eram menores.




Certo dia, a arbitrariedade e violência policial se fizeram presentes. Brigaram o Danilson e o Quincas. O primeiro, morador da vila, e o Quincas morador da vizinha Vila Pereira Carneiro, mas que tinha um tio policial que morava numa das casas da nossa vila.

Parece, eu não presenciei, que o Danilson levou a melhor numa briga. Vai daí que no dia seguinte as balizas aparecerem serradas, pondo fim prematuro ao nosso estádio. Violência policial.

Este mesmo policial, conhecidíssimo na cidade, já protaganizara um episódio de violência desnecessária, espancando um pobre coitado que à noite espreitava pelas janelas as pessoas dormindo. Era doente mental. Alguém vira e comentou que um homem espionava pelas vidraças das janelas. O tal policial ficou na espreita, uma noite, e surpreendeu o voyeur aplicando-lhe uma surra monumental. A maioria dos moradores condenou o procedimento achando um exagero.

Este episódio, que tem mais de 60 anos, revela que a truculência da polícia está no DNA da instituição.

Além de servir como campo de futebol, a área disponível foi utiliazada, durante dois anos consecutivos, como arraial de festa junina, com direito a enorme fogueira que queimava a noite toda, e pela manhã do dia seguinte ainda possuía brasas ótimas para assar batata doce, inhame e aimpim, que comíamos com melado de cana.

bandeirinhas

 A vila ficava toda embandeirada (cada família se encarregava de fabricar um determinado número de bandeirinhas) e com lanternas (tipo japonesas).

Arcos de bambu cortados nas touceiras existentes no morro da Penha, decoravam a vila desde sua entrada. A madeira para a fogueira também era oriunda do morro, cortada com alguma antecedência, para secar um pouco. Dentro da fogueira, armada naquele estilo clássico, colocávamos pedaços de tábuas, galhos secos e outro restos de madeira que queimavam facilmente, ajudando a manter a chama que acabava por atingir os troncos da armação da fogueira.
fogueira e balão



fogueira
Sim, soltávamos fogos e balões. Não havia a consciência do perigo representado pelos balões e ninguém reclamava da poluição sonora, e sequer pelo risco de queimadura, provocados pelos fogos. Eram poucos fogos e balões, porque todos pertencíamos a classe média baixa e o dinheiro era curto para estas extravagâncias.


Um ano que não sei precisar, o espaço livre, que era quaradouro e campo de futebol, serviu como circo. Ao ar livre, pois a cabana que fizemos com lençóis e colchas velhas, foi utilizada para os artistas do espetáculo, no caso os meninos e meninas que lá morávamos. Ensaiamos alguns números, basicamente palhaçadas e malabarismos. A barra construída servia como “trapézio” de um único ponto, onde um dos meninos se exibia fazendo acrobacias. Os pais pagavam "ingresso".

Para mim, tudo isto acabou aos 12 anos, porque mudamos dalí, mas para todas as crianças acabou definitivamente com o “progresso”. Rua São Diogo asfaltada, trânsito de ônibus, morro favelizado, vegetação devastada, geração ficou adulta, casou e mudou; e seu filhos não puderam mais jogar pelada na rua como fazíamos nos finais de tarde, antes do banho que precedia a chegada do pai e o jantar.

Partida de 10,  em 5 vira. Se você não tem, hoje, mais de 40 anos não sabe do que estou falando. Azar seu!


Imagens obtidas no Google.

17 comentários:

Gusmão disse...

Morei ali pertinho e fui muitas vezes soltar cafifa sobre aquelas pedras no início do morro.
Lá tinhamos vento e NÃO tinhamos os fios elétricos e árvores grandes, que atrapalhavam nossa diversão.Perdi algumas cafifas que se enroscavam na fiação e nem sempre se conseguia tira-las.
Na subida do morro, o risco era ter a pipa "tosada" , como se dizia, tantas eram as que estavam no ar.
Foi bom enquanto durou.
Abraço e bom final de semana.
Gusmão

Carlos Frederico disse...

Hoje em dia, tarde demais, descubro que minhas intermináveis tardes soltando cafifa, sem camisa e de cara para o sol (porque o vento sempre soprava na direção dele?) acumularam quantidades cavalares de radiação e estão formando perigosas manchas em minha sexagenária pele, além de uma progressiva degeneração macular no olho esquerdo.

Jorge Carrano disse...

É o preço, Carlos Frederico, por termos tido uma infância "saudável".
Hoje a criançada fica reclusa, em casa, com seus micros, tablets, smartphones e outras traquitanas que tais.
Terão outros problemas na velhice. Um deles logo identifico: não terão histórias para contar.
Gusmão, o Carlos Frederico me petrguntou, em outro post, se eu lembrava do termo "olinho", aludindo bola-de-gude. Será que ele lembra da cafifa "tosada"?
Abraços

Jorge Carrano disse...

Realmente havia dias, principalmente nos dias ensolarados durante as férias, que havia muitas cafifas e pipas no ar.
Era uma profusão de formas e cores.
E as monobras conseguidas pelos mais hábeis, eram coreorafias lindas de ver. Os "dibiques", como se dizia.
Bom final de semana

Jorge Carrano disse...

A propósito Gusmão, onde você morou ali perto?

Carlos Frederico disse...

Carrano, o termo "tosada" eu não lembro. A gente usava cruzar (o jogo de tentar cortar a outra), cortar (quem ganhava a disputa), voar (quem perdia), cortar e aparar (conseguir trazer até a mão a cafifa cortada), dibique, tontear ou tentear (valia para cafifas com rabo), entrar na mão (ser atacado rente ao chão, longe da pipa, onde geralmente não tinha cerol... manobra aniti-ética...).

Jorge Carrano disse...

Nossa!!!!
Que memória.Cortar e aparar. Isto mesmo. Só era possível aparar as cafifas com rabada, rabo ou rabiola (o nome varia de lugar para lugar).
Precisava muita habilidade no dibique, pois por vezes a cafifa cortada ficava à deriva, flutuando no espaço sem rumo praciso e era necessário alcança-la, dando linha e dibiques.
É, Carlos Ferderico, já vi que você era do ramo.
Abraço
Carrano

Jorge Carrano disse...

Carlos,
Fui ao Aurélio ver a origem e significado de "dibique".
Não encontrei. Fui ao Google, com o mesmo fim, e olhe o que achei. Chama a atenção o fato de ser de meninas (mulheres):

A danada da rabiola
Quando desce pro
dibique
Tem som do rabo de gato
Que corre fazendo trique,
Tem som do rabo de gato
Que corre fazendo trique

Vou enlaçar no pião,
E torcer este coitado
Pra descer na contra-mão!
Lá no céu
Vou dar o bote
Quem subiu
Segure o short
Porque tem cafifa avoada
Que desceu aqui no chão...

Vou ganhar na cortadeira
Êh cafifa !, Éh brincadeira!
Se eu vencer não chore não...
Vou tomar, mas eu devolvo,
Sou criança e me comovo,
Com quem fica sem sorrir

Toma de volta, ela aí...
Toma de volta ela aí...
E vamos soltar pipa...
Que é pra todo o povo rir...

Nina Araújo & Ana Lucia Timótheo da Costa

A íntegra está em:
http://www.overmundo.com.br/banco/pandorga-papagaio-e-pipa

Gusmão disse...

Pois é, nunca haviamos falado a respeito porque não sabia que você havia morado na São Diogo.
Eu morei na Fróes da Cruz, lá pelo ano de 1954, quando eu tinha 8 anos de idade. Por detrás do Raul Vidal, onde as vezes, do pátio, soltava minha cafifa.
Gusmão

Carlos Frederico disse...

A canção usa um termo que eu ia comentar, mas achei exagero: cortadeira. As cafifas (de rabo) podiam apresentar uma variante em que a parte normalmente descoberta da vareta central recebia um acabamento em forma de A bem fino, encapado junto com restante. Ficava bonito! Era a cortadeira! Esse acabamento poderia teoricamente ser usado no morcego, mas simplesmente destruía a aerodinâmica que o fazia estável sem rabada.
Ah, sim, tanto a cafifa como o morcego podiam receber uma pecinha de papel chamada bandeirinha na linha que ficava desencapada.
E alguém lembra do "cabresto de força"?

Carlos Frederico disse...

Sobre balões não quero falar muito, primeiro por ser politicamente incorreto, segundo porque me traz lembranças nostálgicas em excesso, baloeiro que eu era.
No entanto, vale lembrar que naquela época eu duvido que, fosse a hora que fosse, um balão caísse sem uma turma inteira atrás dele. Isso tornava difícil a ocorrência de acidentes por ter sempre gente por perto. Segundo os balões não eram tão grandes. Terceiro, não havia tantos carros e refinarias para serem atingidos, acho até que a mata era mais úmida...
Mesmo assim a gente volta e meia tinha de pagar uma telha do vizinho caso um balão pegasse fogo e a bucha caísse no telhado... Ou uma turma tinha de subir o morro para apagar um princípio de incêndio eventual.

Jorge Carrano disse...

Carlos, está conferido a você o título honorífico "gran mestre das cafifas".
Lembro sim dos bicos em forma de A.
e das bandeirinhas nas linhas superiores. Sabe como chamavamos lá na Ponta D'Areia? Estilão.
E lembro que alguns meninos colocavam uma lâmina de barbear na ponta da rabada, como elemento complementar ao cerol.
Abraço

Carlos Frederico disse...

Boa memória, Carrano.
Estilão, mas só quando era realmente bonita. Digamos que cortadeira seria o nome genérico (rsrs).

Jorge Carrano disse...

Atenção netos: é o vovô mesmo trocando idéias com um amigo. Aqui mesmo no planeta. O idioma, embora voces não conheçam o vocabulário, é o português.
Ou voces pensam que é privilégio de voces criarem dialetos initeligíveis?
Beijos

esther disse...

carrano, era apaixonada por cafifas. via meu irmão com uma feita com papel de caderno pautado. sabe a piaçava da vassoura? ele arrancava e fazia uma cruz com elas nas pipas. seguia-se uma rabiola toda trabalhada. um dia ele deixou a cafifa improvisada no chão. escondida, pois devia estar estudando, peguei e tal cafifa e corri de costas para o muro para que ela levantasse vôo. a cisterna estava aberta e lá caí. mãe que sempre ouve tudo, pressentiu que eu estava lá e , com muita dificuldade, com ajuda de alguns trabalhadores e uma comprida escada me resgatou.
mais tarde, acompanhava o campeonato de pipas, cada uma mais trabalhado do que a outra, o que acabou em briga séria e até morte, em niterói. a gente sabia que precisava tomar cuidado com a linha cortante, pois nos contaram, crianças ainda , de mortes estúpidas de meninos degolados pelo cerol. um veio de bicicleta, não viu a linha e perdeu a cabeça... onde a realidade dava lugar a imaginação para nos colocar em estado de medo ainda não sei.
sei que este post e os comentários estão deliciosos. abraços

Jorge Carrano disse...

Que alegria, Esther, te-la aqui dando um depoimento.
Sua experiência com cafifa, entretanto, foi desagradável. Que bom que mãe está sempre de antena ligada, não é?
Beijo

Ana Maria disse...

Lembro do Carioca sim. Morava umas duas casas abaixo da nossa. Tinha um filho chamado Ivani que, numa festinha de aniversário se recusou a entregar a primeira fatia do bolo, alegando que estava com fome e iria comê-la. Cada coisa que a gente guarda na memória... O Carioca era conhecido passarinheiro, mas naquela época isso não era ilegal. Quase todas as famílias criavam passarinhos. Seu padrinho (tio João) tb tinha vários .
Quanto ao episódio do “voyeur”, a vizinhança cobrava do Carioca uma providência. O referido senhor espiava as pessoas durante a madrugada e assustava mulheres e crianças. Lembro que nosso pai trabalhava à noite e mamãe ficava preocupada com o “vigia”. Na verdade, temiam que o rapaz pudesse atacar alguém.
Beijo