19 de junho de 2011

Época de degustações - parte II

Por
Carlos Frederico Marques Barroso March
Friburgo - RJ - BR


Terminamos o post anterior definindo que íamos falar sobre vinhos, não sobre cervejas, whiskies, etc, e comentamos sobre os dois formatos de degustação: às claras e às cegas. Eu acho preferível os grupos iniciarem com degustações às claras e só quando o entendimento for se aprofundando passarem ao formato às cegas, que temos de admitir dá resultados deveras surpreendentes.

A figura do sommelier pode ser exercida pelo que chamo de “rei em terra de cego”, ou seja, aquele que entende um pouco mais que os outros. O objetivo final é que o grupo cresça homogêneo e que todos adquiram visão. Quem sabe algum participante se anime o suficiente para fazer o curso de sommelier?

Para que uma reunião de degustação resulte proveitosa, há que ter um equipamento mínimo. O item mais importante é a TAÇA. Como sabemos, cada vinho, licor, whisky, vodka, long drink, suco, água, enfim, cada líquido tem seu copo certo, aquele que nos dá o maior prazer sensorial ao se sorver a bebida.

Variedade de taças
Loucura total querer fazer degustação desse jeito... Então os experts se reuniram e definiram a TAÇA ISO, que tem tamanho e formato ideais para as chamadas degustações técnicas de vinhos. A dose usada em degustação tem cerca de 60 ml, o que numa taça ISO a preenche mais ou menos até 1/4 da altura. A seguir, o vinho é observado contra a luz, balançado, cheirado, tomado em pequenos goles que serão jogados de um lado para o outro dentro da boca, para dar azo a se utilizar todas as sensações visuais, olfativas e gustativas de que o ser humano é dotado. 
Taça ISO


Fator essencial numa degustação de vinhos: ÁGUA! Na mesa há que existir garrafas ou jarras de água, com ou sem gás a gosto de cada conviva. Entre cada troca de rótulo, deve-se beber água por dois motivos: hidratar, pois o álcool resseca o organismo (provoca ressaca), e para limpar a boca, preparando-a para o próximo exemplar.



Deve-se comer o que durante a degustação guiada? Idealmente NADA, mas umas torradinhas secas podem ser ingeridas. Se a turma teme ficar bêbada por estar de estômago vazio, admite-se uma ingestão prévia de alguns acepipes para forrar. Contudo, durante os trabalhos, água e torradinhas simples!

Quantos rótulos (tipos diferentes) de vinho devemos apresentar numa reunião? A quantidade usual costuma variar entre 4 e 6. Mais que isso é um exagero, perde-se a noção do que se está a estudar.

Quantas garrafas de cada rótulo comprar? Depende do número de participantes.

Vejamos: a dose recomendada de degustação tem 60ml, que é um tico mais que aquele dosador de whisky que todo mundo conhece. Uma garrafa normal tem 750ml, de sorte que mais de 12 pessoas (12 x 60 = 720) implica em mais de uma garrafa para cada rótulo. Portanto, o número de pessoas a participar da degustação influencia a quantidade de garrafas a serem adquiridas para o evento.

No caso de menos de 12 pessoas, que se coloque um pouco mais de 60ml em cada taça, sem traumas. No entanto, há que se cuidar para os convivas não ficarem meio... altos... antes da última garrafa! Para os “pinguços de plantão”, sem problemas: terminada a degustação guiada, todos estarão "liberados" para dar andamento à noite, abrindo tantas garrafas quanto se desejar, mas já sem a obrigação de cheirar, balançar, rolar língua, essas coisas todas...

Bom, dissemos que serão mostrados diversos rótulos numa reunião. Uma prática é dar uma lavada na taça antes de cada troca de rótulo, mas quando a turma é mais radical, costuma-se colocar tantas taças ISO quantos serão os vinhos servidos, para que ao longo dos trabalhos consiga-se comparar sabores e aromas entre os diversos rótulos apresentados. Basta deixar um pouquinho no fundo de cada taça, já é suficiente para muito debate.

Um bom conjunto para
degustação de 4 rótulos de vinho

QUE VINHOS ESCOLHER? Depende do bolso, mas considero que vinhos a serem degustados pelo cidadão médio podem custar de 20 até 100 reais por garrafa, sendo que vez por outra algum rótulo mais caro deve ser considerado aproveitando o fato de que são vários convivas a repartir a conta... É a oportunidade de se ter contato com vinhos que não teríamos "coragem" de comprar sozinhos...

No post anterior, falamos sobre diversas maneiras de se montar uma reunião de degustação, e isso vale para vinhos, cervejas, whiskies, etc. Apresentarei a seguir algumas sugestões para degustações de vinhos. Na oportunidade, permitam-me desculpar-me por nomear vinícolas no texto, o farei apenas como maneira de clarear as idéias. Sintam-se à vontade para desdobrar as sugestões apresentadas com quaisquer vinícolas que atendam aos requisitos.
DEGUSTAÇÃO TIPO 1

Escolhe-se uma vinícola, uma uva e se percorre o portfólio da mesma. O objetivo desse tipo de degustação é mostrar que uma vinícola pode atender à estratificação do mercado (padrão financeiro de consumo) fazendo vinhos diferentes com o mesmo tipo de uva, através de seleção por qualidade do seus vinhedos, por vezes até adquirindo lotes de fornecedores credenciados externos, e usando de técnicas diferenciadas de produção para cada patamar pretendido.

Exemplificarei escolhendo a CONCHA Y TORO, chilena que atende tanto ao mercado de massa como ao de nível mais elevado. Escolhi como exemplo a uva CABERNET SAUVIGNON que é a mais conhecida e mais difundida no mercado mundial. 
Alguns rótulos da vinicula
Conha y Toro


 Concha Y Toro com essa uva faz diversas linhas, que descrevo brevemente a seguir. Os preços informados são médios por garrafa em mercados do RJ em 2011:

RESERVADO (R$17) - demi-sec "chão de fábrica"; usualmente encontrado em cartas de vinhos de restaurantes medianos, agrada a paladares iniciantes.

FRONTERA (R$23) - demi-sec, um ponto acima do Reservado em termos de qualidade, mas também feito para atender à parcela do mercado de massa que aprecia vinhos menos secos.

SUNRISE (R$25) - é classificado como vinho de mesa (acompanha refeições), em patamar de preço similar ao Frontera; é o vinho seco mais barato da Concha Y Toro.

SENDERO (R$30) - digamos que é o demi-sec mais elaborado da Concha Y Toro (não está na foto); apesar do mercado mundial estar atualmente polarizado para vinhos secos, os demi-sec ainda têm seus seguidores e o Sendero pretende atendê-los em um patamar um pouco mais elevado.

CASILLERO DEL DIABLO (R$30) – é seco e terá sido talvez o maior divulgador dessa vinícola chilena. Hoje em dia é produzido com uma gama extensa de uvas.

TRIO (R$45) - como o nome indica, é uma assemblage de uvas e foge ao nosso tema de comparar Cabernet Sauvignon varietal (não está na foto).

GRAN RESERVA (R$56) - seco, tem uma fabricação bem mais esmerada, acima do consumidor de massa. É uma série relativamente nova na vinícola.

MARQUÉS DE CASA CONCHA (R$80) - linha tradicional de vinhos secos, séria, homenageia o patriarca da vinícola.

TERRUNYO (R$150) - faz parte do segmento top da vinícola, seguindo métodos modernos de elaboração de vinhos de classe (não está na foto).

Há linhas especiais top na Concha Y Toro, mas fogem ao meu nível de apreciação. O importante é ter em mente que na maioria das linhas acima descritas poder-se-á escolher, para atingir o objetivo traçado no tipo de degustação sugerido, uvas Carmenère, Merlot, Shiraz e alguns brancos.

DEGUSTAÇÃO TIPO 2

Escolhe-se uma vinícola e varre-se o leque de uvas por ela utilizado para elaboração de seus rótulos. Se a vinícola tem várias linhas (como o caso da Concha Y Toro no exemplo acima), é recomendado escolher os rótulos de uma mesma linha. Se não, paciência... É o tipo de degustação que permite a melhor experiência em termos de percepção das diferenças entre cada uma das uvas, que é uma das motivações mais populares para degustação.

Hoje em dia muitas vinícolas, no Brasil e no exterior, dão chance a uma degustação dessa natureza. Cito a nacionais Miolo, Casa Valduga, Don Laurindo, Don Cândido, Amadeu, Salton, entre muitas outras de qualidade do Rio Grande do Sul. Idealmente deveríamos escolher rótulos da mesma safra, mas é na maioria das vezes muito difícil.

Don Laurindo Ancellotta

Uma sugestão de degustação de 5 tintos com Don Laurindo poderia incluir (preços médios no Rio Grande do Sul):

Merlot leve safra 2010 (R$36)

Cabernet Sauvignon safra 2007 (R$36)

Malbec safra 2006 (R$42)

Ancellotta safra 2006 (R$42)

Tannat safra 2007 (R$42)

Ou opcionalmente:

Tannat safra 2005, série especial 10 anos (R$96)

Não por acaso a seleção sugerida seguiu uma ordem pré-determinada. É padrão começarmos com o vinho mais leve e ir apresentando aos poucos os mais encorpados, estruturados.

A leveza ou estrutura de Malbec e Ancellotta frente a Cabernet Sauvignon é meio incerta, mas na produção da Don Laurindo eu sugeriria a sequência acima. Para quem produz Shiraz (ou Syrah, como alguns a denominam) eu a colocaria entre Merlot e Cabernet.

DEGUSTAÇÃO TIPO 3

É a chamada degustação vertical, onde se escolhe uma vinícola, um rótulo em especial e varre-se esse vinho nas diversas safras em que ele foi produzido. Caso geral, só conseguimos juntar rótulos dessa natureza com vinhos mais requintados, de guarda, de modo que as safras existentes no mercado são de alta qualidade apesar da idade.

O que seria um vinho de guarda? Seria um vinho cuja estrutura é forte o suficiente para permanecer na garrafa por anos, muitas vezes amadurecendo nesse período e não raro só podendo ser degustado alguns anos após o engarrafamento. Os vinhos mais simples e baratos não suportam tanto tempo guardados. Muitos devem ser tomados assim que são produzidos, outros até uns 5 ou 6 anos e apenas aqueles especiais podem ficar descansando nas adegas para apreciação posterior.

Miolo Lote 43


 Aqui no Brasil, que não tem histórico de qualidade suficiente para produção de vinhos realmente de guarda como os grandes franceses, uma sugestão é fazer isso com o Lote 43 da Miolo, um corte de Cabernet Sauvignon com Merlot que só foi fabricado em anos em que a safra foi, a critério da Miolo, especial. São elas 1999 (não encontrei), 2002, 2004, 2005 e agora saiu a 2008. Espere pagar entre R$ 80 e R$ 105 por cada garrafa, dependendo da safra.

Para não ser tendencioso, cabe comentar que muitos especialistas declararam que o Lote 43 é de fato um bom vinho, no entanto está posicionado num patamar de preço acima do que ele realmente vale...

O mesmo tem sido dito de vinhos top recentemente produzidos em outras vinícolas nacionais, pretendendo ser séries comemorativas de eventos, datas, nascimentos e mortes de celebridades ligadas ou não às vinícolas. Como em toda atividade de livre mercado, aos poucos os preços se alinharão com a realidade.

DEGUSTAÇÃO TIPO 4

É uma degustação adequada à harmonização: vinhos com gastronomia. Em geral envolve um espumante como aperitivo, um branco encorpado ou tinto leve para acompanhar o prato de entrada, um tinto mais encorpado junto com o prato principal, um licoroso (como o branco francês tipo Sauternes ou um vinho fortificado, como Porto ou Madeira) para a sobremesa e quem sabe um brandy para arrematar.

Não farei sugestão sobre esse tipo de degustação por absoluta incompetência. O tema é extremamente amplo e os vinhos dependerão obviamente do cardápio escolhido. Deixo essa parte para experts em harmonização.


Post anterior sobre o tema em http://jorgecarrano.blogspot.com/2011/06/epoca-de-degustacoes-parte-i.html

9 comentários:

Jorge Carrano disse...

Você não mencionou o Don Melchor, que também é da Conha y Toro, porque ele estaria enquadrado na degustação tipo 4, não é isso, Carlos Frederico?
Abraço

Anônimo disse...

Não tem vinícola brasileira com linha parecida com a da Concha y Toro? Presisamos recorrer aos chilenos?
Obrigado.

Carlos Frederico disse...

Carrano,
as linhas superiores da Concha Y Toro, no topo das quais se encontra o Don Melchor, não foram especificadas porque se situam num patamar de preços acima do que a média das pessoas está disposta a pagar por um vinho. Ele está na ordem de R$ 300 a garrafa.
Decerto já o provei e passei alguns dias sem conseguir tomar outra coisa... (rs rs rs)

Carlos Frederico disse...

Carrano, não sei se partilha dessa opinião, mas o Brasil não tem solo que preste para a produção de uvas que possam competir com outros países na fabricação de vinhos tintos.
É reconhecimento internacional que podemos (e agora estamos fazendo) espumantes de grande qualidade, mas infelizmente tintos não dá para competir. Um ou outro rótulo se destaca, mas são as exceções que confirmam a regra.

Jorge Carrano disse...

Caro (a) Anônimo (a),
Espero que o Carlos Frederico tenha respondido sua indagação, no comentário acima.
Aproveito para sugerir que se identifique, pois não implica maiores compromissos e é gratis. (rsrsrs)
Abraço e, de novo, continue nos acompanhando e opinando, para enriquecer o conteúdo do blog.

Jorge Carrano disse...

Prezado Carlos Frederico,
Na Revista dominical, que circula com O Globo, há uma matéria indicando lojas e rótulos de vinhos de preços acessíveis: até R$ 50,00.
Você leu?
Abraço

Paulo March disse...

Show de matéria.
Aguardamos agora algo sobre a estada em uma vinícola, em detalhes.

Jorge Carrano disse...

Olhá aí, Carlos Frederico, uma ótima sugestão para um próximo post.
Fica o desafio.
Abraço

Jorge Carrano disse...


Doze anos passados.

Saudade de meus 71 anos, era um menino rsrsrs

Saudade do Freddy, até para confrontos de ideias, porque ele tinha cultura, fôlego e coragem.

Tínhamos em comum mais do que torcer para o Vasco. Embora questionadas ... as afinidades.

R.I.P