7 de abril de 2013

Higgs x Venter





Por
Carlos Frederico March
(Freddy)






Pode parecer confronto em algum tipo de esporte, mas na verdade parece que Peter Higgs e John Craig Venter estão empenhados em ver quem é o primeiro cientista a explicar fatos que todos aqueles que professam alguma religião atribuem a um Ser Superior, que nós chamamos de Deus: criar matéria a partir do nada (Higgs) e vida a partir da matéria (Venter).

Desculpe-me quem for um expert em mecânica quântica e/ou biologia sintética, tecerei apenas ligeiros comentários abordando esses dois complexos campos do conhecimento que vêm sendo criteriosamente estudados pela comunidade científica.

Falemos primeiro sobre Peter Higgs.

Peter Higgs
Físico teórico britânico, nascido em 1929, ficou conhecido pelo estudo de um mecanismo que exige a existência de uma partícula que seria capaz de catalisar a transformação do nada (na verdade energia contida no vácuo) em matéria. O meio científico a cunhou de Bóson de Higgs, apesar dele ter trabalhado em paralelo com outros teóricos.

Gente, é extremamente complicado entender física quântica. Enquanto eram prótons, nêutrons e elétrons, mais uns fótons e neutrinos, a coisa ainda dava até pra explicar aos leigos. Mas agora, com teoria das cordas, múltiplas dimensões além das conhecidas 3 de espaço mais tempo, partículas excêntricas como bósons, férmions, quarks, léptons e outras mais, fica incompreensível pra mim, imagina tentar explicar...

Atualmente os físicos aceitam que o que a gente vê no Universo, matéria consistente, que tem massa e interage gravitacionalmente, é apenas 4% do todo. 23% é constituído de um tipo de massa invisível mas perceptível nas observações astrofísicas: a matéria escura, mas ainda assim matéria. O restante, cerca de 73% do Universo que é percebido pelos estudiosos, é algo mais inacreditável ainda: a energia escura => distensão cerebral (risos
amarelos).

O que nos interessa no momento é que Higgs trabalhou conceitos de outros físicos e definiu que a matéria como nós a conhecemos só apareceu no Universo porque uma determinada partícula deveria existir, uma espécie de catalisadora. Com massa quântica
inacreditavelmente grande para uma partícula e um tempo de vida infinitesimal, este bóson é que seria o responsável pela transformação da energia que permeia o vácuo em massa e daí nós, e tudo o mais que vemos e em que tocamos (matéria comum), poderia existir.

Nada que Deus não pudesse fazer com um gesto rápido e casual... Daí o Bóson de Higgs foi apelidado por sensacionalistas de “God particle”, a “partícula-Deus”. Tornou-se a partícula mais procurada na física moderna.

O problema é que chegar a níveis de energia grandes o suficiente para permitir a observação do referido bóson em experimentos controlados e confiáveis não era viável na época em que Higgs o definiu, por volta de 1964. Aceleradores de partículas cada vez maiores foram sendo construídos e nada... Até que recentemente, num investimento de mais de 3 bilhões de euros, foi construído o LHC (Large Hadron Collider = Grande Colisor de Hádrons ) que entrou em funcionamento em 2008.

Higgs visitando uma seção do LHC

O LHC pertence ao CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire - em Genebra, Suíça) e é um acelerador em anel de 27km de perímetro enterrado a 175m de profundidade perto da fronteira da Suíça com a França. Sua capacidade de acelerar partíiculas e fazerem-nas colidir frente à frente é assustadora - para padrões atuais.

Houve grande expectativa acerca da possibilidade dele provocar a destruição da Terra pela chance desse tipo de experimento criar um buraco negro infinitesimal que, por sua natureza física aos poucos engoliria todo o planeta, mas foi intriga científica, como quando detonaram a primeira bomba atômica. Também havia receio da reação em cadeia disparada não cessar e destruir tudo.

Finalmente, em 4 de julho de 2012 foi anunciado pelo CERN que o Bóson de Higgs havia sido detetado. Mas havia que confirmar, envolvendo um exaustivo procedimento científico de comprovação. Mais testes, e praticamente uma horda de físicos em cima dos dados do LHC, finalmente concluíram em 14 de março deste ano de 2013: ele existe!

Será que a criação da matéria da qual somos feitos não precisa mais da mão de Deus?

Falemos agora de John Craig Venter.

Bioquímico e empresário americano nascido em 1946, Venter vem trabalhando há anos em mapeamento genético, produção de bio-
combustíveis, pesquisas na área de biologia sintética. Sua mais recente meta é criar vida a partir de matéria inanimada. Pilheriando, Craig Venter também quer brincar de ser Deus.

Faz bastante tempo os genomas vêm sendo pesquisados, DNA de milhões de células vem sendo mapeados e estudados com finalidades diversas, a mais ética delas virada para a identificação e cura de muitas doenças. Há controvérsias sobre o uso desse conhecimento, não serão assunto deste texto.

O mapeamento genético dos milhares de genes do corpo humano foi meta do Projeto Genoma Humano, um empreendimento internacional iniciado em 1990 e que tinha previsão de duração de 15 anos. Craig Venter, no entanto, desenvolveu o que denominou método BET para encontrar genes. Fundou a empresa Celera Genomics, divisão da PE Biosystems, que fabrica máquinas para sequenciamento genético. Usando essas máquinas e um dos maiores supercomputadores disponíveis, Venter concluiu a montagem do genoma humano em apenas 3 anos.

Em 2005, Craig Venter foi co-fundador da Synthetics Genomics, que usa microorganismos modificados para produzir bioquímicos e combustíveis ecologicamente limpos. Em 2007 e 2008 o nome de Craig Venter fez parte de lista das pessoas mais influentes do mundo pela revista Time. Em 2009 a Synthetics Genomics fez parceria com uma empresa petrolífera para desenvolver bio-combustíveis.

Venter finalmente fundou o J. Craig Venter Institute, onde desenvolve pesquisas especificamente voltadas para a criação de organismos sintéticos. Matéria publicada no site do Globo (http://oglobo.globo.com/ciencia/criacao-de-vida-artificial-pode-estar- cada-vez-mais-perto-7828494) revela que em 2010 Venter anunciou (sic) “ter trazido à vida uma versão quase completamente sintética da bactéria Mycoplasma mycoides, transplantando-a na concha vazia de outra bactéria”.

Ainda segundo o artigo, Venter criou o que ele próprio apelidou de “genoma Ave Maria”, a partir do qual pretende usar genes especialmente escolhidos para produzir células auto-replicantes, o que pode ser traduzido livremente como “criar vida a partir de matéria inanimada”.

Em resumo:

Chegamos simultaneamente a duas descobertas que focam o mesmo objetivo: provar que existem mecanismos científicos que conseguem (1) explicar a criação da matéria a partir do “nada” e (2) criar vida a partir de matéria inanimada. Duas, digamos, atividades que são consideradas pelos religiosos como privilégio divino.

Será que chegamos a um ponto de inflexão na interpretação da existência do Universo e do aparecimento da vida? Confirmados os experimentos e seus desdobramentos científicos, como as sociedades seguidoras de religiões diversas reagirão? Aguardemos os próximos capítulos!

Créditos das fotos:
Peter Higgs: www.ph.ed.ac.uk
Higgs visitando LHC: www.bbc.co.uk
J. Craig Venter: Wikipedia (a enciclopédia livre)

14 comentários:

Jorge Carrano disse...

INFORMAÇÃO: estou desde cedo a postos para receber comentários e exercendo o papel que me cabe de moderador, liberar, ou não, a publicação dos mesmos. Nenhum até agora chegou ao blog. Acho que o assunto é árido. E além de tudo é domingo.

EXPLICAÇÃO: este post, que o Freddy mandou já há alguns dias, estava programado para o meio da próxima semana. Mas a revista VEJA, edição 2316, que está chegando as bancas, publicou uma entrevista, nas páginas amarelas, com a física Fabiola Gianotti, que liderou as pesquisas com o LHC, maior acelerador de partículas do mundo, que resultaram na comprovação da existência do bóson.Esta italiana de 51 anos é a gerente do Cern, sigla em inglês para a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, que é a sede do LHC. Dita entrevista tornou imperiosa a publicação do post paras não perdermos a direta interligação.

CONFISSÃO:não tenho a menor condição de comentar o tema, sou totalmente ignorante e tenho enorme dificuldade de entender o que está acontecendo e, pior, o que acontecerá depois de concluídas as pesquisas científicas.

Obrigado, Freddy, pelo post, que coloca o blog atualizadíssimo com a ciência.

Riva disse...

Carrano, faço da sua a minha confissão .... e não estou nem interessado nisso, mas reconheço a profundidade do assunto.

Só que para mim, prioridade mesmo são as M...... que estão acontecendo no Brasil, socialmente falando.

Cada vez mais me sinto impotente diante de tudo, e embora não seja minha característica, estou meio que deixando rolar, para não infartar (enfartar) ou passar mal com qqer outra coisa ..... estou realmente cuidando de mim, ou seja, me alienando, sem perder a capacidade de me indignar.

Não tenho condições de comentar o post .....

#prontofalei

Jorge Carrano disse...

Riva,
Em 2011, também por sugestão de uma amiga, tentei um encontro. Não logrei êxito, por algumas razões.
Irei consultar aos demais possíveis participantes para viabilizar, partindo do princípio de que os irmãos March estariam dentro.
Lembro o seguinte: os mais próximos, mais participativos, estão espalhados:
Teresópolis, Nova Petrópolis, Friburgo, Greenville (SC, USA), Jacareí. Sem contar antigos amigos da juventude e de trabalho que já passaram aqui no blog, e que estão no Espirito Santo, Caxambu (MG), Rio de Janeiro.
Vamos ver as reações. E o pior, Riva, é harmonizar gostos, credos, posições políticas, áreas de interesse.
Deixa eu te relembrar, pois acho que já contei: quando fizemos 40 anos de casados, os filhos planejaram um encontro surpresa, na acasa do caçula (Ricardo) em Piratininga. Compraram tendas, contrataram bufê, bolo, etc. e partiram para os convidados. Você estava na lista, como representante dos "clientes" na época, segundo soube depois. Havia uma dificuldade da data, mas ainda assim faltou um pouco de disposição, de motivação. Conclusão: só puderem comparecer 4 casais e alguns poucos familiares. E na hora de sentar em torno das mesas, como posicionar?
Em suma, alguns gostarão, outros irão se decepcionar, pois esperariam outra coisa.
Complicado, amigo.

Riva disse...

Honestamente não me lembro desse evento seu.

De qqer forma, acredito que se vc marcar um dia X numa hora boa tipo 20h, alguns aparecerão. E será o pontapé inicial de muitos outros encontros do blog, sem pauta !

Jorge Carrano disse...

Pois é, Riva, só para arrematar a história que comentei, isto ocorreu em dezembro de 2004. Foi com a Roseli, alás uma das convidadas que compareceu, que meu filho Jorge obteve seu telefone. Mas, segundo contou depois, não conseguiu contato.
Bem, lamento mas passou e nada há a fazer.
Quanto ao nosso encontro, como mencionei, vou fazer uma prévia, sabendo que, em Niterói, estaremos eu e você (talvez o Freddy se estiver na cidade).

Freddy disse...

- Porque um post sobre física quântica de altíssima complexidade? Confesso que já estudei rudimentos (era uma das matérias na PUC), segui enquanto pude a evolução em meus estudos leigos de astrofísica e cosmologia mas a evolução do conhecimento tornou o assunto simplesmente incompreensível pra mim.
- Porque abordar bio-síntese de organismos auto-replicantes, assunto sobre o qual sei "bulufas"?

A coisa nasceu espontaneamente, sem que me desse conta. Querendo ou não, ambas as linhas de investigação científica estão caminhando na direção de tentar explorar porque existimos (nós e o Universo), quem criou a vida, será que ela depende de um sopro Divino ou será que um Craig Venter junta 2 com 3 e dá 5?

Percebam que a comunidade científica já gastou Muitos Bilhões de dólares/euros tentando chegar lá. Por quê? Pra que saber se um bóson que tem o poder de catalisar a criação de matéria no espaço vazio é importante para a Humanidade, a não ser para contestar Deus? Pra que um Craig Venter quer mostrar ao mundo que pode criar vida a partir de matéria inanimada?

Eu, como disse, não vou debater física quântica nem genética de última geração. Simplesmente não sei fazê-lo. Abri apenas espaço para tentarmos debater o "porque" dessa busca incessante, que consome recursos exorbitantes, tanto em ciências físicas como biológicas.

O que mais temo é chegarmos a um resultado positivo. Como as sociedades majoritárias no globo terrestre lidarão com uma realidade que simplesmente apaga tudo sobre o que baseou a moral e os costumes (cada uma tendo eleito seu Ente Supremo e seu Representante na Terra), exceção feita aos ateus - para quem essa condição já é real, mas falta-lhes a comprovação científica?

É sobre isso o post.
Abraços
Freddy

Jorge Carrano disse...

Segundo a entrevista supracitada em comentário anterior, a pesquisa durou 4 anos e custou 10 bilhões de dólares.
É muito dinheiro, se não for extremamente importante obter as respostas buscadas.
Segundo a Dra. Fabiola, a comprovação prática do bóson explica apenas 5% do cosmo, a parte composta pela matéria que é possível detectar por ser organizada na forma de estrelas, planetas e seres vivos na Terra. Mas restam os 95% feitos principalmente de matéria e energia escuras sobre as quais pouco se sabe.E essa porção escura é que explicaria as leis fundamentais da natureza.

Freddy disse...

Divergimos em apenas 1%, o que eu escrevi e o que a Dra. Fabiola declarou. Na maioria dos textos que eu consulto fala-se que a matéria comum - aquela que seria criada "a partir do nada" através do mecanismo de Higgs - constitui cerca de 4% do Universo.

A partir de agora, outros bilhões de dólares começam a ser investidos para tentar entender a matéria escura (23% do todo) e o restante, meus amigos, é mera teoria: 73% é energia escura. Nunca vista, nunca detetada, apenas sugerida matematicamente como TENDO de existir.

Quem sabe investir na erradicação da fome e da miséria na África não daria melhores resultados para a Humanidade?

Boa semana a todos!
Freddy

Ana Maria disse...

Embora não entenda nada sobre o tema, li com atenção. Continuo na mesma, mas certamente alguns dados me serão úteis ao jogar o Trivia Brasil no facebook. rs

Freddy disse...

Hoje, 19/04/2013, li na atualização semanal do site da revista Astronomy que os cientistas acabam de ter vislumbres de uma nova partícula da classe WIMP que pode pertencer à desconhecida matéria escura (23% do Universo).
WIMP significa partícula pesada de fraquíssima interação - matéria escura não interage facilmente com a matéria vulgar da qual somos feitos.
O local do experimento científico é a cerca de 800m debaixo do solo, dentro de uma mina em Minnesota e gerenciado por órgão do Departamento de Energia dos EUA. O orçamento é de 30 milhões de dólares, uma ninharia.
Abraços
Freddy

Jorge Carrano disse...

Boa, Freddy, vá atualizando o assunto, informando novas experiências e descobertas significativas.

Freddy disse...

Notícia do Globo de hoje (07/10/2013):
ESTOCOLMO - O prêmio Nobel de Física de 2013, anunciado na manhã desta terça-feira na Suécia, foi concedido ao belga François Englert e ao britânico Peter Higgs, um dos físicos mais conhecidos do mundo. Em trabalhos independentes, eles propuseram em 1964 a teoria que explica como as partículas adquirem massa, num processo que pode ser explicado por uma partícula: o chamado bóson de Higgs.
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Apesar de descaso da maioria dos leitores, na época, em acolher o tema por mim abordado, alguns por considerarem-no teórico demais, outros incompreensível, outros porque foge ao cotidiano, a verdade é que mais uma vez assuntos de ponta são abordados com certa antecedência neste maravilhoso espaço de debates.
A concessão de um Prêmio Nobel não é um fato desprezível e Peter Higgs foi um dos personagens abordados neste post.
Eu, pessoalmente, me sinto gratificado por ter sido o autor e agradeço ao Carrano por tê-lo postado no blog.
Abraços
Freddy

Jorge Carrano disse...

Freddy,
Tirante o exagero "deste maravilhoso espaço de debates", concordo que temos suscitado boas discussões e comentado assuntos relevantes.
Parabéns pelo post e antevisão do que se concretizou.

Jorge Carrano disse...

Morre Stephen Hawking:


https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/o-que-fez-de-stephen-hawking-um-dos-cientistas-mais-influentes-da-historia.ghtml