13 de abril de 2013

Fernando Carrano


 Há 50 anos morreu meu pai. Foi em junho de 1963. Mas como ele nasceu em 13 de abril de 1906, hoje, se vivo fosse, estaria atingindo  a idade de 107 anos.

Impossível de alcançar?  Não, absolutamente. Não para quem está nascendo hoje, segundo a medicina e os cientistas do ramo.

Mas na época em que nasceu e viveu, não existiam os recursos da medicina hoje disponíveis e não havia a consciência e informação acerca de vida saudável. Sobretudo alimentação e exercícios físicos.

Acho que somente os recursos da medicina não seriam suficientes para faze-lo viver mais do que os 57 anos vividos.

Foi fumante inveterado, de cigarros fortes, sem filtros. Era amante  da gordurinha em torno do contrafilé e da alcatra.  E das peles das coxas de galinha bem tostadinhas. Adorava cupim (gorduroso) no churrasco. Hipertenso, tomava litros diários de cafezinho.

O enfarte, não anunciado, foi fulminante. Quando chegaram os médicos, o da ambulância chamada e o que morava próximo e que fomos buscar em casa (eu e minha irmã), já não havia o que fazer, senão emitir o atestado de óbito.

Hoje soa estranho e curioso, mas no dia nem chamou minha atenção, a cerimônia entre os médicos, sobre qual deles atestaria o óbito. O que veio com a  ambulância chegou um pouco antes, mas o outro, quase vizinho, era médico da família.

Meu pai não foi meu herói. Não tenho lembrança de estarmos juntos, brincando, na minha infância. Não existem registros fotográficos de flagrantes dele comigo no colo, ou passeando.

A foto ao lado revela um filho admirando o pai discursando, uma das coisas das quais mais gostava de fazer, fosse qual fosse o evento, o momento e o tema.

Não tenho a menor dúvida de que nos amava, a mim e minhas irmãs. E tinha de nós um imenso orgulho.No meu caso até um pouco exagerado em relação aos méritos que eu pudesse ter, e dos feitos que o levassem a se orgulhar.

O exemplo de correção foi o que de mais significativo me legou. Mais do que palavras ou conselhos.

Honestidade e lealdade eram marcas de sua personalidade. Acho que herdei um pouco disto.

Quando faleceu senti muito e fiquei um bom tempo meio sem prumo. Mas com o passar do tempo sua ausência foi ainda mais sentida. Não era saudade, se me entendem. Era a falta do amigo, que certamente seria nos momentos mais inseguros.

E senti muito não poder propiciar a ele o prazer, que seria desmedido, de me ver formado e constituindo família.

Seria, por certo, um avô babão, mesmo não tendo sido um pai presente,  pelas circunstâncias da vida.

Onde estiver, há de estar testemunhando meu respeito, meu amor.



Fotos: do acervo da família. Notem que em todas está discursando.

Nota: Mais sobre o personagem se encontra em 

10 comentários:

Ana Maria disse...

Meu pai foi meu herói. Pela sua inteligência, seu carisma e sua correção. Diferentemente também, tenho lembranças de momentos agradáveis. Nas faltas de luz, comuns naquela época, ele cantava serestas e nos incentivava a fazer o mesmo. Nas manhãs de domingo, colocava óperas na vitrola e bebia seu whiskey com guaraná sempre comigo a segui-lo, nos papos e no whiskey.
Como workaholic, lhe sobrava pouco tempo para lazer, mas tenho inúmeras lembranças de piqueniques, de férias em Maricá, em Miguel Pereira, em Muriqui...
Ele foi e é meu modelo de ser humano, com defeitos e qualidades.
Por incrível que pareça, este é o mesmo pai do blogger. rs

Freddy disse...

Carrano, li mas não tenho como comentar. Posso, sim, compartilhar sua emoção.
Quanto ao comentário da Ana Maria, posso testemunhar que minha relação com meu pai foi diametralmente oposta da que teve meu irmão, codinome Riva. Portanto, nada a estranhar.
Abraços
Freddy

Jorge Carrano disse...

A Ana Maria era a caçula e sempre soube negociar. Por isso era a companheira de idas a Confeitaria Colombo para comer empadinhas e camarões empanados.
E tem o seguinte: herdou, geneticamente, talentos, inspirações, espiritualidade e vocações, que a colocam muito mais próxima em termos de personalidades.
Mas não tive ciúmes.

Riva disse...

...
Amigo, Artur da Távola escrevia diariamente ( se não me engano) para O GLOBO, quando meu pai faleceu bem cedo no dia 2 de novembro de 1982.E incrivelmente, foi essa a crônica que ele escreveu nesse dia.

A PERDA DO PAI

A perda do pai: quem sabe vivenciá-la? Como aceitar mortal e falível aquela pessoa grande, capaz de conseguir o universo, logo ele, o provedor, abridor de caminhos pelos quais começamos a passar medrosos?

A perda do pai é a retirada da rede protetora no momento do salto. E há que saltar. É o roubo feito no exato momento em que estávamos a descobrir o melhor do mundo.

A perda do pai é a entrada no lugar-comum, é começar a ser igual a todos os que a sofrem, a ter os mesmos medos, as mesmas frases. É voltar a se emocionar com o que se desprezava: datas, pequenas lembranças, objetos, palavras e até com as manias dele que nos irritavam.

A perda do pai é o começo do balanço da própria vida, porque, enquanto vivia, era mais fácil nele descarregar alguns fracassos e culpas.

A perda do pai é o início da significação. As palavras começam a fazer um estranho e novo sentido.

A perda do pai começa a nos ensinar o valor do tempo: o que não fizemos, a visita deixada para depois, o gosto adiado, a advertência desdenhada, o convite abandonado sem resposta, o interesse desinteressado...tudo isso volta, massacrante, cobrando-nos o egoísmo. Nosso primeiro exame de consciência verdadeiro começa quando o pai morre. Nosso encontro com a morte inaugura-se com a dele. Nossa primeira noite sem proteção consciente, dá-se quando ele já não está. E nunca somos mais sós que na primeira noite em que já não o temos. O pai é o mistério enquanto vida e a revelação depois de morto. Num segundo, entendemos tudo o que, durante a vida, nele nos parecia uma gruta de mistérios. Seus objetos ganham vida, suas comidas preferidas passam a ter mais gosto, suas frases adquirem o sentido que só o tempo e a repetição outorgam às coisas.

A perda do pai dói muito! Isso é tudo. Para que querer saber por quê? O pai é o eu no outro. É dois em um, santíssima dualidade a proclamar o mistério e a glória de existir, dívida que com ele temos, sem nunca conseguir pagar, o que o faz por isso mesmo, sempre, muito melhor do que nós...

Abração Riva

Jorge Carrano disse...

Caro Riva,
Você tirou do fundo do baú uma das melhores crônicas, senão a melhor, que já li sobre a figura do pai. É antológica. Li quando foi publicada, há anos.
Interessante é que acompanhava o Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros, seu verdadeiro nome, nos veículos por onde escreveu. Além de O Globo escreveu um período também na Ultima Hora. E, mais interessante é que ele escrevia o mais das vezes sobre televisão, uma coisa menor sob o ponto de vista cultural (na época então mais ainda)e, sempre, diga-se, elogiando artistas e obras televisivas, o que demonstra uma pessoa do bem, positiva.
Minha surpresa maior foi quando se meteu na política. Foi decepcionante e o abandonei. Não tolero políticos por definição. A política corrompe.
Mas este texto que você resgatou oportunamente é sensacional.
Obrigado.

Riva disse...

Tivemos a oportunidade de conhecê-lo em pessoa no restaurante de um amigo em Friburgo, o Crescente, um pouco antes da sua morte.

Esse texto me marcou muito, muito mesmo.

Gde abraço !

Anônimo disse...

Meu Amigo,

Acho que vi seu pai uma ou duas vezes. Nâo posso dizer que o conheci.
Tomei conhecimento da aura de correção que o cercava.
Vi sua tristeza quando ele se foi e sei o quanto esse tipo de ausência doi e preenche ao mesmo tempo.
abração
castelar

Jorge Carrano disse...

Obrigado Castelar.
Lembro que também você tem o dom da oratória, que comprovou em pelo menos dois concursos que acompanhei.
Fora o talento para palestras e apresentações de trabalhos publicitários.
Abração

Ricardo disse...

Big Jorge,
Meu pai Hamilce de Macedo Carrano foi-se tb muito cedo aos 60 anos de idade em 13 de Abril de 1998. Mas ele de certa forma viveu como o tb tio Fernando quanto ao pouco cuidado com a saude, e tenho que confessar que de certa forma tb eu faco o mesmo, mas sei que preciso me cuidar mais. E tb emocionante quando me vejo em voce quando vc menciona o legado de honestidade de seu pai que alias e' o mesmo deixado pelo meu , o que eu acredito que e' a coisa mais importante a se ensinar a um filho. Lembro que eu ainda era jovem, mas, ficava ouvindo de meu pai que era contador, como recusava e por vezes tinha que provar que nao participou de alguma fraude em empresas que trabalhou, sempre cercando-se de documentacao. Eu tenho que concordar com a prima Ana Maria, porque alguem como tio Fernando e meu proprio pai, sao os veradderios herois deste mundo cheio de desonestidade. Um abracao e que tio Fernando, homem bom e honrado estaja sempre perto de Deus e Sao Jorge. Ricardo W Carrano, filho de Hamilce Macedo Carrano (20/05/1937, 13/04/1998)

Jorge Carrano disse...

Obrigado primo.
Abração