4 de maio de 2011

Fila boba

Fila boba era um artifício utilizado por nós – estudantes – em priscas eras, para conquistar e consolidar o direito de pagarmos meia-entrada (50% do custo), nos cinemas.

Funcionava mais ou menos assim. Um grupo grande, cerca de 20 estudantes, formavamos fila diante do guichê do cinema. Aberta e bilheteria, o primeiro da fila perguntava o preço do ingresso; com a resposta, comentava em seguida “está muito caro”. E saia da fila dirigindo-se ao final desta, a fim de que tivéssemos permanentemente uma fila com estudantes.

O segundo da fila cumpria o mesmo ritual: perguntava o preço e dizia que estava caro, indo para o final da fila. E assim sucessivamente, e repetidamente, durante toda a primeira sessão e início da segunda.

Este fato provocava dois aborrecimentos para a gerência do cinema. O primeiro é que filas afugentavam outras pessoas que pretendiam ver o filme. E o outro problema era a bilheteira ficar atendendo estudantes, respondendo a mesma coisa e não vendendo ingressos. Até a exaustão.

Vez ou outra o gerente acionava a polícia, mas nem sempre esta comparecia, até porque não praticávamos nenhum delito.

Mas esta conotação política não é o objeto central deste post. O cerne do texto são os cinemas da cidade.

Tanta gente já escreveu sobre os cinemas de sua cidade, evocando recordações da infância, que provavelmente muito já foi dito sobre os cinemas existentes em Niterói, nas décadas de 1940 até 1960.

Este tema ganhou força principalmente partir do filme Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso), de 1988, dirigido por Giuseppe Tornatore.

O roteiro, sumarizado, conta que nos anos que antecederam a chegada da televisão (logo depois do final da Segunda Guerra Mundial), em uma pequena cidade da Sicília o garoto Toto (Salvatore Cascio) ficou hipnotizado pelo cinema local e procurou travar amizade com Alfredo (Philippe Noiret), o projecionista que se irritava com certa facilidade, mas paralelamente tinha um enorme coração. Todos estes acontecimentos chegam em forma de lembrança, quando agora Toto (Jacques Perrin) cresceu e se tornou um cineasta de sucesso, que recorda-se da sua infância quando recebe a notícia de que Alfredo tinha falecido

No outro dia, falando de minhas pescas de carapicus, mencionei que havia uma prainha, curta e estreita, bem defronte ao cine Eden, antes do aterro que fizeram na orla, contornada pela Rua Visconde Rio Branco.

O Eden foi um dos primeiros a fechar suas portas. Pouco a pouco, porém, este foi o destino de vários outros existentes na cidade, no centro e em alguns bairros.

No Fonseca, por exemplo havia dois cinemas na Alameda São Boaventura, o São Jorge e o Alameda. Em Santa Rosa, havia o Mandaro, no Largo do Marrão e um outro no Viradouro, cujo nome não me ocorre até porque nunca o freqüentei. Mas até a Esther Bittencourt que morava próximo não lembra o nome do dito cinema.

No Centro da cidade, na Rua Visconde de Rio Branco, que chamávamos de rua da praia, no sentido da Vila Pereira Carneiro para a estação das barcas, ponto central da cidade (onde se encontra a estatua do Araribóia), tínhamos o cine Rio Branco, o citado Eden, o Odeon , o Central (já na praça Araribóia) e o Imperial, na direção do Gragoatá.

Ainda no centro, mas na praça denominada Rink, havia um cinema com o mesmo nome da praça.

Em Icaraí estavam localizados, o cine do mesmo nome da praia e o São Bento. E, ainda, os dois cinemas que funcionavam no antigo Cassino Icaraí, cujos nomes eram Grill e Casino.

Cada um tinha suas características, peculiaridades e história.

Por exemplo, nestes dois cinemas – Grill e Casino -assistia filmes franceses que me permitiram desfrutar dos “seios de fora” da Martine Carol e da Françoise Arnoux. Vocês não imaginam o que esta visão, dos seios desnudos, à mostra, rendia.

No cine Central, os homens só podiam entrar de paletó (ou blazer), dispensada a gravata, pois era só o que faltava. Nele assisti aos primeiros filmes em Cinemascope e uma fita em especial, parte de minha história com minha mulher, chamado Candelabro Italiano. Nâo por outra razão, há poucos anos ganhamos, de um dos filhos, o DVD deste filme.

O Odeon era o único que fazia as chamadas pré-estréias, sessões realizadas aos domingos, às 10 horas da manhã. Dependendo do filme, as filas eram imensas e lotava a sala de exibição que era bastante grande, além de ter um mezanino com muitos assentos.

O Campo de São Bento inovou no quesito cadeiras, que eram deslizantes (reclináveis), com percurso curto, mas suficiente para que ficassemos refestelados. E eram bem estufadas e, por isso, macias.

O Imperial, na minha infância, já era um poeirinha ou pulgueiro, como chamávamos os cinemas mais decadentes e mal conservados. Mas este cine tinha história e conheceu tempos gloriosos, possuindo até mesmo frisas e camarotes.

Quando o freqüentava ele só exibia farostes tipop "B", em geral aqueles filmes com o Audie Murphy, por sinal herói de guerra americano, não obstante sua baixa estatura.

O Rio Branco, o mais próximo de minha casa, eis que morava na Ponta D’Areia, exibia dois filmes por sessão e, as vezes, seriados. A programação era de segunda a quarta e de quinta a domingo. Ou seja, havendo dinheiro, era possível ir ao mesmo cinema duas vezes na semana, sem repetir os filmes. Antes pelo contrário, geralmente assistíamos a 4 filmes na semana. O ingresso, além de tudo, era barato.

Bem, os mais jovens dirão que esqueci de mencionar o Center Icaraí e o Windsor, localizados em centros comerciais, que surgiram muito depois e que tiveram duração efêmera, não alcançando a condição de tradicionais, como o cine Icaraí, por exemplo.

Este, localizado na Praia de Icaraí, na Praça Pedro Alvares Cabral, embora fechado como sala de exibição cinematográfica, até o hoje gera polêmicas na cidade. Tombado, menos pelo valor arquitetônico, mas pelo da tradição, encontram-se os atuais proprietários do prédio impedidos de ali construírem, como pretendiam, um edifício residencial.

A Universidade Federal Fluminense pretende a compra, para ali instalar centro cultural. A população quer o cinema de volta. Esta disputa se arrasta há bom tempo e enquanto isto o prédio vai sendo pichado e depredado por vândalos e moradores de rua.

Como a área do cinema é bastante grande, ali poderiam funcionar duas salas de tamanho menor, como é a tendência hoje em dia.

Estes cinemas fazem parte da minha história, por isso ou por aquilo. The end

3 comentários:

esther disse...

carrano , não é que havia esquecido destes vários cinemas que você enumerou? do eden nem se fala, creio que nunca fui.nem lembro exatamente onde ficava. no odeon fui já bem crescida, ou seja, independente das vontades paterna. amei o passeio pela niterói antiga. beijo e obrigada.

sabe o irmão do ivon curi que entrevistei, ele trabalhou na rádio federal logo após nossa saída. foi substituir o marques meu patrão da silva na discoteca e conviveu com o povo todo de lá. eita mundo pequeno, não?

Carrano disse...

Pois é Esther, alguém já disse que o mundo é uma aldeia global.
Obrigado pela visita e pelo carinhoso comentário.
Beijo.

Jorge Carrano disse...

Uma retificação: o nome da praça defronte ao Cine Icarai, que efetivamente foi comprado pela UFF, é Getúlio Vargas, e não Pedro Alvares Cabral.
Tem uns errinhos de grafia que peço relevar.