Corria o ano de 1963. Eu, aos 23 anos de idade, era estagiário no Departamento Jurídico, da Companhia Fiat Lux, de Fósforos de Segurança, cuja sede, à época, ficava na Rua Visconde de Inhaúma, 134, num prédio bem próximo do Largo de Santa Rita, no Centro do Rio de Janeiro.
No lado oposto ao prédio onde funcionava a Fiat Lux, existia um bar e café, praticamente pegado à igreja da santa que dá nome ao largo: Santa Rita.
Certo dia, por volta das 7:30 ou 7:40 da manhã (o expediente começava às 8:00h) fui tomar um cafezinho no tal bar, coisa que não fazia diariamente, mas com certa frequência.
Neste citado dia, ao entrar - de paletó e gravata - fui abordado por um mulato, baixo, blusão para fora da calça, o que lhe conferia uma estatura menor do que a real, abraçado a um violão aparentemente grande, considerada sua altura.
A pergunta veio de chofre e exatamente como reproduzirei a seguir: - “Vai pagar um trago para o poeta?”
Passada a surpresa, respondi cheio de moralismo e conservadorismo atávico: - não é muito cedo para começar a beber? Pago um cafezinho, serve?
O homem não respondeu e afastou-se, deixando o bar.
O balconista ao vir me servir o café na xicrinha comentou: - “ele não está começando, está terminando a noite dele; deve ter passado por vários bares desde ontem.”
- E quem é, ainda que mal pergunte? Indago pedante (pela locução prepositiva) e ignorante (desconhecedor) a um só tempo.
- É o Nelson Cavaquinho*.
- Ah! Já ouvi falar, respondi e tomei meu cafezinho sem qualquer remorso ou vergonha, o que só veio a ocorrer muito tempo depois.
Quando, mais bem informado, tomei conhecimento da obra do “poeta”, como ele mesmo se intitulara, fui tomado de um grande remorso, que ainda hoje me acomete - sempre que lembro do episódio - e morro de vergonha pela ignorância do estudante e estagiário de Direito alienado em relação a cultura popular.
O destino não me deu outra oportunidade de encontro redentor.
Passados tantos anos (48, precisamente), ao invés de estar aqui, agora, arrostando minha falta de informação e meu remorso por não ter pago a pinga para Nelson Cavaquinho, poderia estar apregoando que paguei o último trago daquela noite que terminava às 7:40h, para o autor dos preciosos versos abaixo transcritos:
“Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca flor
Eu só errei quando juntei minh´alma à sua
O sol não pode viver perto lua”
* Wikipédia - Nelson Cavaquinho, nome artístico de Nelson Antônio da Silva, (Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1911[1] — Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1986) foi um importante músico brasileiro. Sambista carioca, compositor e cavaquinista na juventude, na maturidade optou pelo violão, desenvolvendo um estilo inimitável de tocá-lo, utilizando apenas dois dedos da mão direita.
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