15 de abril de 2011

Carapicus e canhanhas

As pessoas de minha geração até hoje se referem a Rua Visconde Rio Branco, que vai do Bairro Ponta D’Areia até o Centro da cidade de Niterói, como sendo a “rua da praia”.Na minha infância, com efeito, antes do aterramento que fizeram, havia um pequeno trecho de praia. Um não, na verdade eram dois. Um deles, realmente praia, embora pequena e estreita ficava na altura da Rua Silva Jardim. A outra, também estreita, que fivaca mais para o centro da cidade, diante do antigo cinema Eden, tinha destinação específica.

Esta praia mais para o centro, defronte ao cinema, era utilizada pelos pescadores que ali estacionavam seus barcos e construíam barracas rústicas, onde guardavam apetrechos de pesca. O mercado de peixe ficava bem próximo. Logo, nunca poderia ser utilizada para banhos de mar. Com isso o trecho era ignorado como praia.

Entre estas duas faixas de areia, que com boa vontade chamavamos de praias, o mar avançava até o paredão da calçada, sendo que as ondas, antes de se chocarem com o aludido paredão, eram amortecidas por enormes pedras empilhadas e alí colocadas para tal fim.

Duas coisas precisam ser esclarecidas. Ao contrário da Rua da Praia de Porto Alegre, que termina no Rio Guaíba, a “rua da praia” de Niterói está localizada na orla marítima.

A segunda coisa que precisa ser dita, é que esta praia (aquela diante da Rua Silva Jardim) era muito suja, poluída e, logo, imprópria para banho, embora muita gente nela se banhasse: os que não podiam ir para Icarai, Boa Viagem, Charitas, ou São Francisco.

Onde entram os carapicus e as canhanhas, devem estar se perguntando. Em primeiro lugar o distinto leitor sabe do que estou falando (escrevendo)? Já ouviram falar de carapicu?

Estou me referindo a dois tipos de peixe, pequenos, abundantes naquele trecho de mar, costeiro a rua da praia. Abaixo, nas notas explicativas, mais detalhes sobre os mesmos.

Os carapicus, quando tirados d’água,  fisgados pelos anzóis denominados mosquitinhos, reluziam à luz do sol, em virtude de sua cor prateada.

Eram pescados com facilidade, porque em geral os cardumes eram enormes. Bastava jogar o anzol e puxar a linha, levantando o caniço e lá vinha um carapicu pendurado.

Como disse, antes do aterro, o mar vinha até a calçada oposta aquela onde se localizavam os cinemas e ainda hoje funciona o Colégio Plinio Leite. E até da calçada era possível pescar carapicus, embora o ideal fosse descer até as pedras que funcionavam como quebra-mar.

Já as canhanhas só eram fisgadas no quebra-mar localizado mais mar a dentro, e era preciso transitar por dependência da Marinha, para chegar até lá.

As canhanhas, ardilosas, quando inexoravelmente fisgadas, nadavam rapidamente para debaixo das pedras, onde se refugiavam, dificultando a puxada delas. Em alguns casos a linha chegava a se romper.

Lá, em mar um pouco mais profundo, instalados sobre as pedras que visavam abrandar a fúria do mar na maré alta, era possível pescar, também,  as famosas e populares cocorocas, cuja característica da qual me recordo, passados tantos anos, sessenta precisamente, era que as mesmas emitiam um som, um ronrosnado, ao serem tiradas d’água.

Nenhum destes peixes era considerado nobre. Mas eram devidamente degustados.

Certa feita, chegando em casa com uma fieira de carapicus .Abro parênteses para explicar o que vem a ser uma fieira de peixes, pois certamente meus netos nunca ouviram falar disso : para guardar e manter os peixes pequenos frescos, pois expostos ao sol secariam, o processo consistia em pegar um pedaço de barbante ( + ou – 50 cm) e nas extremidades amarrar um pedacinho de bambú, sendo um deles pontudo. Enfiava-se este pedacinho de bambu pontudo pelas guelras do peixe até que saisse pela boca. Pronto puxava-se até o final do barbante, onde o outro pedaço de bambu impedia que o peixe caísse. E asssim sucessivamente até que ao final da pescaria, tínhamos um grande fieira de peixes. Para conserva-los frescos, este barbante era mantido dentro d’água e a outra extremidade presa nas pedras.

Voltando à “certa feita” onde parei lá em cima, minha avó Etelvina, que estava conosco alguns dias, ao me ver chegar com a fieira de reluzentes carapicus ficou impressionada. E adorou come-los bem fritinhos.

Enfiei minha avó paterna na narrativa, porque a reação dela, moradora de São Gonçalo, que nunca vira peixes, senão os namorados comprados no tal mercado de peixe, que vez ou outra, num domingo, meu pai levava para comermos na casa dela, jamais esqueci. Fiquei orgulhoso com minha demonstração, ressaltada por ela, de bom pescador.

Aos 10, 12  anos de idade até mesmo uma fieira de carapicus, pescados facilmente, enchem-nos de orgulho, principalmente se a façanha foi alvo de encômios da avó.

Notas explicativas, extraídas do Aurélio:

Carapicu - Bras. Zool. Peixe actinopterígio, teleósteo, perciforme, gerrídeo (Eucinostomus gula), do Atlântico, desde a América do Norte à BA, de coloração prateada, dorso esverdeado, comprimento de até 0,14m e pequeno valor comercial; carapicupeba, acarapicu, carapicu-branco. [Cf., nesta acepç., carapicuaçu.]

Canhanha - Bras. Zool. Peixe, actinopterígio, teleósteo, perciforme, esparídeo (Archosargus unimaculatus), do Atlântico, de coloração esverdeada tirante ao plúmbeo no dorso e prateada no abdome, várias estrias no dorso, e uma placa circular negra na região escapular. Comprimento: até 0,33m. Alimenta-se de outros peixes. [Sin.: frade, guatucupajuba, mercador, salema, sambuio, sambulho, sargo.]

Cocoroca - Peixe teleósteo, perciforme, pomadasídeo (H. plumiere) de cor bronzeada, com listas azuis apenas na cabeça e parte anterior do corpo. [Sin. (nas acepç. 1 e 2): abiquara ou biquara, arrebenta-panela, boca-de-fogo, boca-de-velha, cambuba, capiúna, cocoroca, corocoroca, corocoroca-boca-de-fogo, corocoroca-mulata, crocoroca, macaca, negra-mina, pirambu, sapuruna, uribaco, xira.]

4 comentários:

Jorge Carrano disse...

À guisa de esclarecimentos, comento:
- minha fieira era feita com fio de nylon, o mesmo usado na pesca, e não barbante;
- além do cine Eden, na mesma rua da praia existiam outros dois: Rio Branco e Odeon. Nenhum dos 3 existe mais.
- as pescas que mencionei eram com caniço comum (sem molinete),linha de nylon fina, anzol mosquitinho -os peixes mencionados, principalmente a canhanha - têm boca pequena, e uma chumbada, para que o anzol afundasse um pouco.
- para pesca de carapicu, quando o cardume era muito grande e eles ficavam borbulhando praticamente na superfície, reluzindo seu prateado aos raios de sol, a chumbada era praticamente desnecesária.
Exagerando, daria para captura-los com um balde.
- cardumes maiores, só mesmo de manjubinhas, mas aí já era necessária uma rede.

blog do Pimentel disse...

Olá Jorge,
Cheguei ao seu blogue por acaso, mas detive-me porque o assunto era "canhanha". Nasci (1939) e me criei na Villa Pereira Carneiro e de lá saí já casado somente em 1974. Tenho diversas histórias do entorno da Villa que tenho certeza vai apreciar. Publiquei o livro Villa Pereira Carneiro (400 pág.) que trata das pescarias que realizávamos quando crianças. Infelizmente, está esgotada e penso reeditar. Caso esteja interessado, avise-me. Independentemente, se quiser conversar sobre o assunto, marquemos um chope. Resido em Icaraí.
Abraço e avise-me.
roberto_pimentel@terra.com.br
www.procrie.com.br/

Jorge Carrano disse...

Caro Roberto Pimentel,
Mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, tive informações a seu respeito, passadas pelo Ricardo dos Anjos.
Se você quiser, tendo tempo e paciência, acesse o post cujo link coloco abaixo e leia os comentários (selecione e cole na barra do navegador).

http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2011/07/baixa-classe-media.html

Você está citado, assim como o livro que escreveu sobre a Vila Pereira Carneiro.
Sua visita ao blog muito me alegrou. Obrigado. Visitarei seu website (procrie.com.br)
Abraço
Carrano

ET: tentei enviar um e-mail mas sua caixa de entrada estava cheia e a mensagem voltou.

Jorge Carrano disse...

Acessar:
http://colunadogilson.com.br/niteroi-de-papa-goiaba-a-papa-melancia/

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