6 de junho de 2012

Falta de educação


Minha mãe, assim como muitas outras daquela geração, tinha uma tarefa importante, além de cuidar da casa, da roupa e da alimentação da família. Era a educação dos filhos.

Eram coisas básicas, nada que se aproximasse ao protocolo diplomático ou ritual monárquico, mas o suficiente para que não a deixássemos envergonhada ou que virássemos um empecilho para que a família pudesse se relacionar socialmente, ou mesmo fossemos criticados por vizinhos por comportamento inadequado.


Sentados à mesa de refeição, ainda crianças, eu e minhas irmãs não podíamos apoiar os cotovelos sobre a mesa, mastigar de boca aberta  e muito menos -  pecado imperdoável - falar com a boca cheia.

Sabíamos que o pão se parte com as mãos e que não se deve soprar nem tampouco sorver a sopa fazendo barulho. E que a colher é levada à boca pela lateral.

Como disse não havia exagero ritualístico, até pela relativa pobreza  em que vivíamos. Por isso a mesa era arrumada com simplicidade, um prato, um copo, e garfo, faca e colher para cada um, sobre uma toalha alvejada que assim deveria permanecer, pois era exigido cuidado para não derramar bebida, ou deixar cair comida sobre ela.

Essa coisa de mesa arrumada comme il faut, para refeições de cerimônia, que exige maior traquejo, como identificar os copos e suas destinações, espumante, água, vinho branco,vinho tinto, cognac e licor e os talheres para salada, peixe, etc., tudo arrumado ordenadamente só viemos a aprender mais tarde. Mas o básico já trazíamos da primeira infância.


Tanto foi assim que, nos anos 1950, hospedados no Quitandinha, então um hotel de alguma classe, que acabara de perder a condição de Cassino, meu pai arriscou nos deixar  com eles na mesa do restaurante principal, com serviço à francesa, declinando do oferecimento do Maitre de que fossemos para o anexo restaurante das crianças.

Nós sabíamos a utilidade da lavanda (pequena tijela com água perfumada, colocada à esquerda sobre uma toalinha) para lavar as pontas dos dedos, e sabíamos tomar o consumé ou o suco de tomate servido como ante-pasto. E comportávamo-nos bem. Ao final da refeição não havia comida caída no chão em torno da mesa, não havia bebida derramada na toalha.

E falávamos baixo, sem algazarra. Ah! Você deve estar pensando com seus botões, “coitados, não foram crianças, não tiveram infância”. Ledo engano, fomos crianças normais, praticando toda sorte de brincadeiras infantis com outras crianças da vizinhança.  Moravamos em casa de vila e eram muitas as crianças que residiam nas redondesas.  Além dos colegas de escola.

Hoje, lamentavelmente, o que mais vemos são crianças violentando algumas regras elementares, como por exemplo   interromper um adulto enquanto este está falando com outra pessoa. Intrometer-se em conversa de adulto sem ser chamado ao assunto era proibido no passado.

Hoje as crianças, como regra geral, não têm limites e nem responsabilidades.  Comportam-se com total liberdade de ação, gestos e palavras. Palavras? Palavrões e gírias, pontuam as conversas das crianças. Quando eu tinha meus 10, 12 anos, falar sacanagem , refiro-me a própria palavra “sacanagem”, era inconcebível diante de meus pais ou pessoas mais velhas.

Obscenidades custavam pimenta na boca ou um tabefe bem aplicado.

As coisas mudaram muito nos últimos anos. No outro dia fiquei envergonhado, provavelmente ruborizei, ouvindo, inevitavelmente, como outros passageiros, a conversa de duas menininhas, que não teriam mais do que 13, 14 anos, dentro do ônibus. P#@§*#;%orra era virgula e c#*%;$§aralho era exclamação.

Não faz muito tempo atendi no escritório um cliente que apareceu com três filhos pequenos. Para que nós pudessemos conversar, pois o assunto era sério (ele queria ser exonerado de pagar pensão a um filho do primeiro leito, já emancipado), ofereci as crianças uns biscoitos que a Wanda mantém num pote para que eu engane  o estomago quando necessário.

P’ra quê! Se arrependimento matasse, eu já seria pó. As crianças fizeram uma lambança geral, espalhando migalhas no carpete (na época eu tinha, hoje não mais), que pisavam sem nenhum cuidado, pois não paravam quietas. Queriam olhar pela janela, queriam abrir gavetas, um horror.

E o pai ali, sereno e impassível.

Toda esta digressão foi para chegar aos adultos que temos agora. Marmanjos com suas enormes mochilas, em alguns casos seria mais adequado chamar de cangalhas (carregada por jumentos), entram nos elevadores e ônibus esbarrando nas pessoas sem qualquer cuidado.

Motoqueiros aproveitam as rampas feitas nas calçadas, rebaixando o meio-fio para facilitar o acesso de cadeirantes, são usadas como por alguns destes adultos, sem princípios e respeito pelo próximo, que sobem montados em suas motos, com motor em funcionamento, obrigando a que ao transeuntes se afastem mesmo estando na calçada sob pena de atropelamento.

Custa, antes de subir para a calçada (onde estacionar já seria um erro), desligar a moto, apear da moto e empurra-la vagarosamente até o local onde será estacionada? Sem se transformar numa ameaça a integridade das demais pessoas?

E os marmanjos que entram nos coletivos tomando refresco em copo plástico que com o sacolejo acabam por entornar, molhando o passageiro próximo?

E comem biscoitos deixando migalhas no piso do veículo, e as embalagens abandonadas embaixo dos bancos ou, como vi no outro dia, colocadas atrás da cortina da janela.

Será que é necessário mesmo sair da lanchonete ainda comendo o sanduiche e bebendo o refrigerante pelo caminho? Que urgência é esta? Que falta de educação é esta?

Mas o que me levou a escrever este post foi a cena hoje presenciada, defronte ao restaurante que tem no térreo do prédio onde trabalho. Duas senhoras, presumivelmente entre 50 e 60 anos, conversavam, recém saídas e ainda segurando seus copinhos plásticos com o chá servido no estabelecimento. Uma delas está se despedindo e se aproxima do meio-fio onde solta o copinho no chão.

Diga-se que há espaço interno, axatamente onde fica a mesinha com os diferentes tipos de chá pra que se possa ali mesmo toma-lo (conheço o restaurante onde eventualmente almoço).

Gente, uma senhora de cerca de 50 anos, cabelos grisalhos, atira ao chão, na rua, o copinho que trazia desde o interior do restaurante.

Definitivamente a mãe dela  não se chamava Edith.
  
Imagens obtidas no Google.

7 comentários:

Freddy disse...

É isso, Carrano. Hoje em dia os pais estão criando tiranos, crianças que não conhecem limites e têm o mundo literalmente na palma da mão.
Como é procedimento generalizado, receio em minha velhice ter de viver num ambiente social distorcido, populado por gente dessa nova laia.

Falando de coisas boas, chamou-me de volta lembrança do Quitandinha, que frequentei anualmente de 1959 a 1963. Passávamos de 15 a 30 dias na época do Carnaval, fez parte de minha vida. Estive lá recentemente para revê-lo e mostrá-lo a minhas filhas, servindo de cicerone (rs rs). Parece que hoje em dia a visita está meio restrita...
Abraço
Freddy

Jorge Carrano disse...

"É de cedo que se torce o pepino", dizia minha sábia avó de Trás-os-montes.
Se não, teremos adultos incivilizados. Liberdade não é ilimitada, porque tangencia a do próximo.
O episódio relatado, no Quitandinha, data de 1952, quando lá estivemos hospedados alguns poucos dias. Eu tinha 12 e minhas irmãs, 9 e 7 anos respectivamente.
Abraço

Riva Sexagenário disse...

não é só com as crianças ...

É parte do procedimento/educação dos passageiros, na era dos "fingers" em aeroportos, quando o avião pára, as pessoas vão saindo aos poucos, os das primeiras poltronas primeiro, até o último assento.

Ontem me aborreci com um cidadão grisalho, de terno, que devia estar na poltrona 22, atrás da minha.

O cara insistiu em tentar passar a minha frente, empurrando, sem pedir licença, sem nada, com uma dessas malas com rodinhas que mal cabem no corredor do avião.

Perguntem se ele passou ? Não só não passou, como ouviu poucas e boas da minha parte ; terminei com um sonoro : da próxima vez compra poltrona na fileira 1 , C........ !!!!

Lá fora ficou me encarando com uma cara estranha .... perguntei a ele se estava com fome, se não comeu o cachorro quente (ótimo por sinal) distribuído no voo ?

Não respondeu .....

FLUi .... está realmente difícil o convívio, cada vez mais.

Boas notícias do SEXagenário .... já posso entrar na barca por uma entrada lateral, para idosos. Não sou mais tratado como gado !! hehehe

Jorge Carrano disse...

Bem-vindo sexagenário. Você agora está protegido pelo Estatuto do Idoso. Compre nas bancas de jornais o seu exemplar.
A propósito, em princípio a gratuidade nos transportes coletivos seria a partir do 65 anos, pois prevalece a norma municipal.
O que você já garantiu foi a fila dos idosos nos bancos (rs).
Abraço

Luvanor Belga, MS disse...

Srs do Blog, as apreciações sobre a educação são corretas e oportunas. Mas existem pessoas grosseiras de todas as idades, inclusive algumas bem provectas. Não as desculpo, mesmo que aleguem estar num tempo de permissividade e que acompanham essa distorcida modernidade de seus sobrinhos e netos. Nem pobreza, nem riqueza justificam tal comportamento. Mas a "vara da correção" quando criança está hoje vedada aos pais, acho que por lei.
Quando da minha infância, determinados corretivos que recebi de meu avô, avó, pai e mãe tiveram resultados eficazes e nem por isso fiquei - e meus irmãos também - traumatizado. Tomamos, sim, bom rumo na vida. Graças a Deus!

Freddy disse...

Outro dia entrei na área de idosos do estacionamento do Aeroporto Santos Dumont. É para maiores de 60, fica bem perto do portão de entrada - bom.
Também em Friburgo faço isso.
Ainda não sei o que pode e o que não pode, acho que tenho mesmo de comprar o estatuto - rs rs.
Abraços
Freddy

Ricardo dos Anjos disse...

Tudo isso é faca de dois legumes, pois o autoritarismo, a repressão imposta pela educação formal, tradicional, faz com que a criança tenha "duas caras". Uma dentro de casa, bem-educada, no lar, e outra destrambelhada, desabrida, "lá fora"... E o perigo é se mostrar, se comportar assim, amoral, na idade adulta.