13 de maio de 2012

Políticas afirmativas


Cobraram-me porque em geral comento aqui no blog as decisões do Supremo Tribunal Federal, que são de grande alcance social ou que repercutem em todas as mídias, em alguns casos até internacionais, como no caso Battisti, de triste e vergonhosa lembrança, e silenciei quanto ao julgamento da constitucionalidade do critério de cotas raciais para ingresso em universidades públicas. 


Com efeito, não me manifestei porque eu estaria procedendo na direção contrária do que acredito ser o caminho correto para acabarmos com discriminação racial no país, que está longe de ser um problemão, como foi (é) nos Estados Unidos e na África do Sul.

Já escrevi muito, muito mesmo, para jornais e revistas, como também no meu website profissional (em fase de reformulação) e aqui mesmo neste blog. Sempre que o assunto ganhou as manchetes manifestei minha opinião.

Como hoje se comemora a assinatura da Lei Áurea, pela derradeira vez abordarei o tema.

SEMPRE  me posicionei contra sistema de cotas raciais, porque me filio à corrente que só acredita na meritocracia como forma de ascensão social e profissional. Se leis e decreto acabassem com preconceito, o Afonso Arinos já teria resolvido a questão.

Com minhas opiniões contrárias, acabei por atrair a antipatia de pessoas muito próximas que as interpretam como sendo preconceituosas. Que minha falta de simpatia pela “causa” dos negros implicaria recismo. Quanta bobagem!

Estava, como estou agora, alimentando a fogueira em que se transforma o debate em torno do tema discriminação racial. O caminho para acabar com a discriminação é ignora-la.

A propósito, lembro de um sábio conselho de um pai de colega de banco escolar primário. O menino, de tez muito clara e sardento, ganhou por apelido “Ferrugem”. Inevitável.

Queixando-se de que não tinha sossego no colégio onde só era chamado de “Ferrugem”, disse-lhe o pai: “Filho, a melhor coisa é ignorar. Se você reage aí é que não irão te dar trégua. Quanto mais você se sentir atingido, mais provocarão”.

Verdade, com o tempo o “Ferrugem” assumiu o apodo, que com o passar do tempo foi sendo abandonado. O menino foi se impondo como bom aluno, participativo e brincalhão. Terminou o ginásio como Manoelzinho (era pequeno).

Os mais maldosos, que o chamavam de “Ferrugem” menos por causa da pele pintadinha (e só) e mais com caráter pejorativo, injurioso, depreciativo, aos poucos foram mudando de comportamento.

Alimentar discussão é um equívoco. Da discussão nasce a luz é mero aforismo. Muitas vezes resulta em rompimento.

Estabelecer política afirmativa discriminativa é um absurdo. Não existe discriminação boa, toda discriminação, por definição,  é odiosa. Logo, condenável.

Se toda forma de amor vale a pena, toda forma de discriminação é intolerável. Mesmo que chamada de afirmativa.

Fico estarrecido com a falta de informação de pessoas que afirmam estarem os brancos em débito com os negros, por causa do regime de escravidão a que foram submetidos os primeiros africanos trazidos para as Américas.

Alguém acha que alguns brancos desembarcavam na África para caçar negros?  Que construíam armadilhas (grandes buracos cobertos na superfície com relva), a fim de capturar alguns nativos? Armadilhas mecânica que prendiam os transeuntes pelos pés, como  fazem ainda hoje com elefantes?

Nada disso, os escravos eram vendidos por negros, mais fortes ou pertencentes a tribos vencedoras nos combates sangrentos que ocorrem até hoje, entre as diferentes nações  naquele continente.

Eram exibidos nos grandes mercados, como mercadorias, pelos seus iguais em matéria racial. Apenas mais fortes, vencedores.

Havia sim o comércio, ilegal e imoral como é o de pássaros e animais exóticos. Mas os mercadores os transportavam nos navios, tendo-os adquirido ao preço cobrado pelos capturadores, também negros.

Na Roma antiga também os perdedores, brancos ou negros, viravam escravos. E realizavam trabalho duro, pesado, em regime de escravidão. Os povos subjugados e os descendentes daqueles escravos se sentem discriminados? Pedem ou pediram reparação?

E tem o seguinte. Sob o ponto de vista legal, o preconceito em si, tomado objetivamente, não é crime. O que não se pode é, digamos assim, exercitar preconceito. Posso não tolerar negros, o que não posso é de maneira ofensiva, pejorativa, injuriosa, chamar a pessoa de negra. Assim como não deveria poder chamar de branco azedo.

Em suma, o que não posso é dizer “seu negro”, adjetivando ou não com sem “vergonha”, “ou porco”.

E tem o seguinte, se os negros tivessem orgulho de suas origens e cor de pele, não se sentiriam ofendidos ao serem chamados de negros ou crioulos. O problema é que muitos não têm este orgulho.

Todos temos preconceitos. Contra flamenguistas, contra os americanos imperialistas, contra favelados, contra produtos chineses, contra tatuados, etc.

Alguém acha que os americanos julgam-se ofendidos pelo antiamericanismo que graça no mundo todo. É um preconceito alimentado explicitamente, inclusive no Brasil. Só que eles não estão nem aí. Os cães ladram e a caravana passa.

O sistema aprovado e implantado no Brasil, agora com respaldo do STF,  é absurdo pois privilegia, por exemplo,  o negro rico, de pouco mérito, em detrimento de um branco pobre com melhor curriculo escolar.

Fomenta a acomodação, como vem acontecendo em carta medida  com o bolsa família.

E o pior, reafirma e ressalta a diferença racial. Todo negro será encarado nas universidades e, pior, depois de formados, como privilegiados do sistema de cotas. O mérito será sempre ignorado.

Machado de Assis é respeitado por sua obra literária. Assim como por exemplo João Ubaldo (que a propósito, é contra cotas). Joaquim Barbosa está como ministro do STF por sua cultura jurídica (ou a nomeação foi demagógica ? Cota disfarçada?). E um inesgotável número de negros bem sucedidos por seus esforços, sua perseverança, sua habilidade, sua capacidade intelectual, seu mérito em suma.

O que mais me admira é que alguns negros sejam favoráveis a esta benesse. Este protecionismo.

O racismo ao contrário acabou por desuso, não por decreto ou decisão judicial. Assim é que nos dias de hoje, a gafieira Mimoso Manacá, no centro de Niterói,  não poderia estampar o cartaz na escada de acesso “Branco não Entra”.

E convenhamos, no Brasil, como disse Fernando Henrique, “todos temos um pé na cozinha”. Tem sentido preconceituoso nesta frase?

A miscigenação é um fato e num futuro mais remoto os brasileiros seremos mulatos ou pardos. Acho mesmo que no mundo todo, os chamados arianos, brancos de olhos azuis, ou estarão extintos ou confinados nos países nórdicos, lutando contra o apartheid, porque discriminados pelos mulatos.

Para encerrar quero lamentar a decisão unânime dos ministros que integram a Corte Suprema, que afrontaram a Carta Magna, ferindo-a de morte, ao julgarem legítimo o critério racial para acesso ao ensino universitário público.

Ora, todos sabemos que há um princípio básico, pedra angular de todo o texto constitucional, cláusula pétrea, respeitada em todo o mundo democrático, de que “todos são iguais perante a lei”.

Não pode haver discriminação em razão de credo religioso, raça ou classe social. Mesmo que esta discriminação seja a favor, no caso aos negros.

Data venia, a decisão do Supremo é uma heresia jurídica. O sistema de cotas raciais é inconstitucional, mesmo que a decisão, demagógica e populista, tenha sido no sentido contrário.

8 comentários:

Jorge Carrano disse...

O assunto é sério, sem dúvida, mas não posso perder a piada que recebi hoje via e-mail.
Envolve preconceito ?
"O Papa chegou ao Brasil em missão não oficial. O Negão, o melhor motorista da Sé, o aguardava no aeroporto.
O Papa tinha um compromisso e estava atrasado, mas o Negão não passava dos 80 Km/h nem a pau! Impaciente, Sua Santidade pedia:
- Negón, piú veloce, per favore.
- Santidade, não posso. Dá multa, dá pontos na minha carteira, e desmoraliza a Sé!
E continuava nos 80 km/h. O Papa, desesperado, disse então:
- Negón, passe aqui, per favore. Dammi l'auto.
O Negão foi no banco de trás e o próprio Papa foi dirigindo a limusine, agora a 150 km/h. Lá na frente, um policial rodoviário os interceptou. Quando viu quem era, resolveu passar um rádio pro chefe, sussurrando discretamente:

- Chefe, peguei um cara importante voando na Dutra, e não sei o que fazer!
- Quem é... Um deputado? - Perguntou o chefe.
- Não chefe, é mais importante.
- É um senador?
- Não chefe, é mais importante ainda.
- Então, é um governador de estado? Um juiz do supremo tribunal?
- Que nada chefe, é mais importante ainda...
- O presidente?
- É mais importante que a Dilma, chefe...
- Puta que pariu, então é o Papa!
- Que nada chefe, o Papa é apenas o motorista dele, acho que é São Benedito!..."

Freddy disse...

Caro Carrano, parabéns pelo texto. Disse tudo que eu sempre pensei mas por dificuldade de expressão não conseguia pôr ordenadamente em palavras.
Chego a ter orgasmos mentais de satisfação!
Abraço
Freddy

Gusmão disse...

Comungo do pensamenro e subscrevo as palavra do autor.
Abraços

Riva disse...

Carrano .... simplesmente perfeito.

Obs : eu preferia ser chamado de Ferrugem do que de Manoelzinho !

- Ei, ô Manoelzinho !!!
- VTNC !!! (resposta tradicional muito utilizada no Twitter)

fecha o pano

Anônimo disse...

Sou contra o critério de cota embora não exatamente pelos mesmos motivos. Entendo esta medida como um atestado de incompetência do Estado brasileiro. A atitude correta de um governo democrático seria a criação de condições (boas escolas públicas) para que qualquer cidadão, independente da cor de sua pele, pudesse concorrer em igualdade de condições.
Mas, o que esperar? Fiquei escandalizada ao descobrir que, participantes de programas sociais (quem recebe as bolsas do governo), poderão comprar ingressos subsidiados para a Copa do Mundo. Pão e circo.

Jorge Carrano disse...

Cara Anônima,
O seu fundamento para ser contrária ao sistema de cotas, é uma continuação, um desdobramento, do que eu defendi. Quando disse que este não é o caminho, apontaria exatamente a sua proposição como um dos meios e modos de corrigirmos o quadro odioso.
Ademais tem o seguinte, quem tem dinheiro, e pode pagar bons cursinhos, acaba por ficar com as vagas nas universidade públicas, pois ficam com os primeiros lugares na classificação. Então a condição econômica é mais importante.
Os caminhos seriam muitos. O pior é o escolhido.
Obrigado pelo comentário.

Freddy disse...

Meu comentário é perigoso, porque tem muitos desdobramentos e eu não tenho conhecimento para prosseguir no debate, mas vamos lá...

A classe intelectualizada, pensante, está com um grande problema no Brasil. O sistema é democracia, onde a quantidade é que prevalece. A maioria, infelizmente, é de pessoas manipuláveis. São os alvos dos Bolsas Disso e Daquilo, das Cotas, dos Programas Assistencialistas. São os beneficiários da tolerância com a economia informal, com o crescimento de favelas nas metrópoles, com os "gatos" de energia e com as "catnets".

A cada nova medida populista, o governo garante mais votos e sua continuidade no poder. Nós, que queremos novos caminhos, um Brasil grande, melhor e forte, ficamos à mercê dessa situação. Pagamos impostos e tarifas elevados para manter a massa e suas benesses.

Não me perguntem qual seria a saída, não conheço. Só sei que não estou gostando do sistema atual.

Abraços
Freddy

Jorge Carrano disse...

Pois é, Carlos, segundo uma frase que circula na rede, temos um governo que tira de quem trabalha para dar a quem não trabalha.
Abraço