21 de setembro de 2011

Experiência


 De todos os segmentos da economia, o único onde não atuei foi o rural. Nas demais áreas, indústria, comércio e prestação de serviços, trabalhei em empresas importantes, nas quais adquiri experiência bem diversificada.

Fabricão de fósforos, por exemplo. Duvido que você que me lê, saiba o que significa um palito de fósforos com chama maçaricante, ou com chama retardada. Pois eu sei, isto porque estagiei por um período no laboratório central de controle de qualidade naquela que era a maior indústria do setor no Brasil, dominando 80% do mercado, por opção, a fim de não correr risco de ser enquadrada como trust. Havia em vigor uma legislação anti-trust bem rigorosa.

Embora fosse líder destacada do mercado, havia na empresa uma imensa preocupação com a qualidade do produto. Filosofia das empresas multinacionais, tão duramente criticadas pela esquerda festiva e nacionalistas tacanhos.
Lixa com falha,
produto descartado

Um teste de qualidade e eficiência do produto, era conseguir riscar num centímetro quadrado, da lixa da caixinha, todo o conteúdo de palitos desta (em média 45) e, ainda, vários outros avulsos. Com isto era testada a maciez da lixa existente na lateral da caixinha, e da massa da cabeça do palito, que se inflama por fricção com o calor então produzido. Esse mesmo teste permitia apurar se no ato de riscar o fósforos, era obtida a chama naturalmente, serena, como uma lamparina, sem que espirrassem fragmentos da cabeça do palito ou que a chama não aparecesse por igual, surgindo mais forte num pequeno pedaço da cabeça do palito e com mais intensidade, como se fora um pequeno maçarico.Daí chamar-se maçaricante.  Ou chamado de espirrante se soltava chispas que podiam queimar o usuário.
Pacote com
10 caixinhas

Da fabricação de fósforos acompanhei todo processo, até mesmo o de impressão dos pequenos rótulos que na época eram colados nas caixinhas que eram fabricadas em madeira e não em papelão como hoje. Passei pelo setor de litografia, que imprimia os rótulos das caixinhas e também dos pacotes que por sua vez continham 10 caixinhas, constituindo uma unidade de venda em supermercados.


Pinus elliottii

Visitei reservas florestais da própria empresa, onde eram cultivados os pinus elliottii, tipo de madeira indicado para fabricação dos palitos, por ter características especiais de porosidade e comprimento das fibras, o que permitia melhor fixação da massa e com resistência suficiente para que os palitos não quebrassem no ato de riscar na lixa da caixinha.

Pinus


Acompanhei o beneficiamento da madeira, que era transformada em lâminas para fabricação da caixinha e da gavetinha onde são acondicionados os palitos, e também fabricação dos próprios palitos.

Por circunstâncias acompanhei também a processo seletivo de madeiras nativas na região norte, em especial no estado do Pará, onde a empresa inaugurou fábrica. Evidentemente que transportar as toras de pinus, espécie não existente na região, ou mesmo levar a madeira já tratada e beneficiada para utilização no fabrico de fósforos ficava muito caro. Seria transportar do Paraná para o Pará. Além do que era preciso economizar o pinus, também já não muito abundante no sul do país.

Foram pesquisadas dezenas de tipos de madeira nativa ou cultivável no norte, como Morototó, Amapá e outras.

Bem, conheci as matérias primas utilizadas na fabricação da massa colada na cabeça dos palitos e que em última análise inflamam produzindo a chama, em razão do contato com a lixa aderida à caixinha, que também tinha componentes específicos.

Tudo era segredo (como a fórmula da Coca-Cola), e mesmo as pessoas que trabalhavam no setor, não sabiam o nome técnico/científico das produtos químicos, conhecendo-os por um nome fantasia. Também a quantidade de cada elemento na fórmula era segredo, daí que as balanças não tinham um mostrador completo para pesagem. O produto era colocado nos pratos até que o ponteiro da balança atingisse uma marca predeterminada no mostrador, sem que o operador soubesse a quantos quilos ou gramas correspondia aquela quantidade. Eram segredos industriais; havia muito receio com espionagem e vazamento de informações confidenciais.

Até que, num determinado dia, um colega nosso passeando pelos Estados Unidos, adquiriu numa banca de jornal uma revistinha chamada Matches Making. Pronto, gargalhada geral com relação ao mistério que fazíamos. Estava nas bancas. Mas com uma diferença fundamental. O fósforo fabricado no Brasil (safety matches) apregoado como “de segurança”  - alerta contido na embalagem do produto - era fabricado com fósforo amorfo, rosado, que não entra em combustão espontânea no mero contato com o ar, diferentemente do americano feito com fósforo (elemento químico) branco. Lembram que o cowboy acendia o seu palito de fósforos friccionando-o no solado da bota ou na madeira de sustentação do teto da varanda do Saloom ?

A propósito, na verdade, o elemento químico fósforo* está contido na lixa, e não na cabeça do palito. Nesta o elemento principal é o clorato de potássio.

Pois é, tudo isto aprendi em 10 anos de trabalho na maior indústria brasileira deste produto, de capital sueco/inglês, na década de 1960. Foi uma excelente escola e que me deu oportunidades de crescimento.

Depois de passar pelo departamento jurídico, gerente de recursos humanos, ou, como éramos chamados na época, gerente de relações industriais, por decorrência da importação (até do nome) de modelo americano de administração de pessoal, de forma amigável rescindimos o contrato de trabalho, ao cabo de 10 anos como disse.

Jovem executivo

Estão admirados com meus conhecimentos em ralação aos fósforos? Pois não perdem por esperar. Idêntico conhecimento, bem abrangente, tenho de fabricação de tecidos de algodão, de aço especial e de remédios fitoterápicos. Falarei a respeito futuramente.



* O fósforo (em grego, portador de luz) é um elemento químico de símbolo P

Fotos Google, onde, a propósito, é possível encontrar a fórmula de fabricação e os métodos para fazê-los.

3 comentários:

Freddy disse...

Aguardarei ansioso o dos remédios fitoterápicos!
Abraço
Carlos

Helga Maria disse...

Eu, por outro lado, aguardo Meissen, prometido em comentário no post sobre Leipzig.
Eu conheço, mas é sempre bom ler e rever coisas sobre a terra de meus antepassados.
Aliás, gostei dos elogios feitos sobre o país.
Helga

Jorge Carrano disse...

Carlos,
Acho que você irá se decepcionar. Aguarde e verá.
Helga,
Meissen está no prelo, provavelmente publicarei amanhã. Como não poderia deixar de ser, a ênfase será na fabricação da famosa porcelana, embora a cidade seja charmosinha. Não publiquei hoje porque precisava escanear fotos antigas e encaixar no texto.
Abraços para ambos.