4 de setembro de 2011

As amendoeiras

Praia de Icarai

 Hoje está um lindo domingo de sol. Dia típico de outono – um dos últimos da temporada - claro, com céu limpo, azulzinho, temperatura amena – friozinho na sombra e quentinho ao sol - uma lindeza. Nem mesmo o nevoeiro, comum nesta época do ano, se fez presente para atrapalhar a visão do Rio de Janeiro, do outro lado da baía, que se descortina desde o calçadão de Icaraí, onde fui, como sempre, fazer uma caminhada. Desta forma era possível avistar o Cristo Redentor “de braços abertos, sobre a Guanabara” (Tom Jobim).

Mas o que mais me chamou a atenção foram as amendoeiras, em sua fase de troca de folhas. No momento, depois de não mais do que duas semanas, tempo em que dura a mutação da cor da folhagem, que vai do verde ao vinho, passando pelo amarelo e o laranja, eis que estão rebrotando.

No dizer poético de Paulo Alberto Monteiro de Barros (Artur da Távola), nesta fase outonal as amendoeiras oferecem um espetáculo deslumbrante “com suas folhas desfalecentes, na eterna reencarnação”, e acrescenta, “ou será refolhagem vegetal”.

Refolhagem é original e tem tudo a ver, digo eu.

Mas as folhas avermelhadas, que já foram alaranjadas e, segundo Rubem Braga, cor de tacho, despencam indo ao chão suavemente, ao soprar a brisa mais amena.

Praia das Flechas

Mas o curioso é que nem todas as árvores – e são muitas ao longo das praias de Icaraí e Flechas – estão exatamente na mesma fase. A explicação, ainda segundo o cronista Rubem Braga, é porque “as amendoeiras são árvores desentoadas. Nunca estão de acordo entre si. Não se vestem e nem se despem por igual”. E lecionava o cronista, que elas são como gente: “cada uma envelhece conforme a idade, conforme o dia de nascimento”.



Ora bolas! Porque ao invés de aborrecer os eventuais leitores com a pobreza de forma e conteúdo de meu texto, não reproduzo, de vez, o que já disseram os renomados escritores profissionais, cronistas laureados: Rubem Braga, Zuenir Ventura e Artur da Távola.

Amêndoas ainda verdes

Com a palavra o Artur, porque numa crônica de sua lavra aprendi que a amêndoa, desta mesma amendoeira que ameniza o calor tropical e serve de pousada dos sanhaços que encantam meus ouvidos nas matinais caminhadas, entra (a amêndoa) na composição do licor marasquino.

“A beleza da folha é a agonia da mesma, cansada, sem o verde do oxigênio. Ela morre sem respiração, edema pulmonar, e, nesse afã, vai ficando linda, linda, uma infinidade de tons na mesma árvore”

E escreveu o Artur da Távola, mais adiante, em sua bela crônica “Logo virão os brotos das novas folhas e o processo milenar se repetirá. “EMBELEZAR-SE PARA MORRER, EIS A LIÇÃO DAS FOLHAS DA AMENDOEIRA” (grifei porque achei linda e poética imagem).

Pulando de Artur da Távola para Rubem Braga, descrevendo as amendoeiras de sua rua: “... antes da esquina há uma que está bojuda de verde como um repolho; logo vêm duas ou três que deixam cair levemente grandes folhas cor de tacho; outras só agora estão ficando ruivas...”

Você descreveria melhor? Acho difícil.

E o Zuenir Ventura, também descrevendo as amendoeiras que avistava do alto, desde o apartamento onde morava, foi extremamente feliz : “A da esquina ainda está frondosa, cheia de viço, mas a sua vizinha vestiu-se de verde e amarelo, parecendo decoração de Copa do Mundo.De cima posso jurar que alguém as arrumou assim, pregando nos galhos folha por folha.”

Amendoeira
folha e  fruto
E vejam agora que trecho bonito do Zuenir: “A de cá, que fica bem em frente ao meu prédio, essa está radiosa. Quando bate o sol, ela não absorve os raios, como é próprio dos vegetais, mas os devolve, como se toda a folhagem fosse feita de cobre. A do lado, porém, já cobriu o chão de suas folhas mortas, as “feuilles mortes”, de Jacques Prévert, o poeta.”

A natureza é sábia e, a meu juízo, nada comprovaria melhor a existência de Deus, se existe um.





4 comentários:

Freddy disse...

Carrano,
é interessante como a grama do vizinho é mais verde. Essa e outras fotos da orla de Icaraí, se mandadas para o exterior (como eu fiz no meu curso no New York Institute of Photography), dão a impressão de morarmos num quase paraíso tropical. Os caras ficam doidos.
Nós, os moradores, às vezes não percebemos que Niterói é extremamente fotogênica. Com um pouco de trabalho das áreas competentes poderíamos atrair muitos turistas. Vamos ver se o Caminho Niemeyer ajuda, quando estiver pronto.

Juliana Carrano disse...

Vovô, a paisagem fica, muitas vezes, esquecida quando passamos por um mesmo lugar, todos os dias. Seria este o trabalho do cronista, não? Observar aquilo que para muitos passa desapercebido. Bjs

Jorge Carrano disse...

Ju,
Adorei sua interpretação do "trabalho" do cronista.
Estou cada dia mais orgulhoso, se isto é possível.
A propósito, há muito não publico obra sua (poesia ou prosa)neste blog.
Beijo do Vô corujão

Jorge Carrano disse...

Li recentemente que também Carlos Drummond de Andrade, festejado poeta e cronista, produziu uma ode à esta árvore tão comum no litoral do Rio de Janeiro. Foi publicada no Correio da Manhã, em 1956.