28 de setembro de 2011

Experiência II

Quando você compra um medicamento popular, fitoterápico, seja porque é uma tradição que passa de mãe para filha, seja porque a vizinha tomou e recomendou, seja porque ouviu uma propaganda no radio, algumas coisas equivocadas passam pela sua cabeça: a primeiera é que não tem efeitos colaterais – não fará mal; a segunda é que a fabricação é simples e por isso o produto tem que ser barato.

As duas premissa são falsas, a julgar por minha experiência como gerente geral e, mais tarde, diretor (eleito em assembléia geral de acionistas), de um laboratório nacional, com tradição e respeitabilidade, que até os anos 1980 fabricava um produto campeão de vendas entre as mulheres, em todo o país, e que embora com vendas mais modestas ainda está no mercado.

Os fitoterápicos podem fazer mal sim, podem intoxicar e oferecem certos riscos. E não podem ser muito baratos, porque os custos de elaboração, envase e expedição são elevados.

E a concorrência é selvagem. Quantos laboratórios fabricam, por exemplo, xarope de mel com agrião? Quantos protetores hepáticos existem a base de alcachofra e jurubeba? São muitos.

Os custos de fabricação, se é para trabalhar com ética e respeito ao consumidor, e dentro dos padrões exigidos pela ANVISA, tornam as margens de lucro muito apertadas, porque de um lado há controle no preço de venda do produto, mas não dos insumos que precisam ser comprados.

Ruibarbo (flôr)
 
Comecemos pela água, vital na fabricação de fitoterápicos, porque os princípios ativos das plantas são extraídos em solução hidro-alcoólica. A água custa cada vez mais cara porque a captação é feita cada vez mais longe, e precisa ser tratada. Além disso, não pode ser utilizada no estado natural em que é entregue ao consumidor industrial. É preciso purificar e retirar os minerais pesados, através de destilação, ou deionização ou, ainda, através de osmose reversa.


Arruda
 
O álcool especial também custa caro.

E as ervas, as plantas medicinais? Não são fáceis de encontrar em fontes de suprimento idôneas e em algumas ocasiões até somem do mercado.



     Bem, para colocar no mercado, são necessários frascos (no nosso caso de vidro),  tampas de plástico e aneis de aluminio para cravação e vedação segura, ou tampas de rosca.

Precisa de cartucho, que vem a ser a caixinha na qual é colocado o frasco de vidro.

É muito material gráfico. Rótulos para os vidros, bulas, impressão dos cartuchos (caixinhas) e da embalagem de expedição, que no nosso caso era uma caixa de papelão reforçada, para acondicionar doze dúzias, o equivalente a 144 unidades do medicamento, que vinha a ser a unidade de venda aos distribuidores e farmácias.

Por falar em distribuidor, é necessário ter uma enorme rede para poder cobrir todo o pais. A maioria das farmácias não compra grandes quantidades. Fazem compra picada. Assim sendo, são os distribuidores, que comprarm as grandes embalagens (com 144 unidades) é que fazem a venda fracionada, de poucos frascos, para as farmácias.


Manacapuru
 
Imaginem vender em Manacapuru, no Amazonas. A entrega, depois de uma longa viagem, ainda depende de nível de rio.



Bem, falei de insumos, matérias primas e materiais de embalagem, mas ainda falta falar do elemento mais importante que é a mão-de-obra, e as mentes de obra. Além de operadores de máquinas e ajudantes na área de fabricação, o laboratório, precisa ter farmacêutico e, eventualmente, um químico.

Todo o material recebido tem que passar por rígido controle de qualidade. Em especial as matérias primas, que precisam ser analisadas para garantia de que obedecem as especificações e estão em perfeitas condições de uso, sem contaminações indesejáveis.

Os ajudantes, em geral mulheres, precisam utilizar toucas e máscaras; eventualmente também luvas. E jalecos ou aventais. Tudo isto custa caro.

É imprescindível ter pessoal administrativo, para compras, para emissão de notas fiscais, para controle bancário, etc.

E vigias e porteiros. Se o laboratório tiver pequena frota para entregas rápidas, tem a manutenção dos veículos e o salário de motoristas.

Você provavelmente cansou de ler. Alguns sequer chegaram a este ponto do texto, para saber o que ainda acrescentarei: os impostos, que são uma barbaridade.

Guaco

Quebra-pedra
Agumas universidades têm centros de pesquisa e já validaram cientificamente a eficácia de algumas plantas cujo consumo a cultura popular consagrou. Não mencionarei aqui, em primeiro lugar porque não tenho formação profissional para tanto e, em segundo lugar porque estaria induzindo o uso deste ou daquele produto como tendo garantia científica de resultado.

Uma coisa confesso para vocês. Minha função era fascinante. Embora exerça, hoje, uma atividade que me dá prazer, por vezes sinto saudades do ritmo industrial, do ver as coisas surgirem pela combinação de matérias primas, máquinas e mão-de-obra. Desde os armazéns de estoque de insumos até os depósitos do produto acabado é uma trajetória cheia dificuldades, surpresas, perdas, e que também exige muito planejamento, muita previsão.

A partir de uma boa previsão, feita pela equipe de marketing e vendas, é que se compra as matérias primas e embalagens necessárias para a produção correspondente. E previsões falham, nas duas pontas. Seja a de vendas, seja a de produção: greves, falta no mercado de uma matéria prima essencial (que não comporta alternativa), enfim é um trabalho lúdico, nada rotineiro.
Manacapuru - AM

Tudo deságua no banco, onde você precisa descontar suas duplicatas para poder fazer capital de giro, ou para colocar os títulos em cobrança, eis que da mesma maneira que havia dificuldade de vender em Manacapuru, imaginem cobrar a fatura.



Fotos: Google

2 comentários:

Gusmão disse...

Este produto que aparece no post - Regulador Xavier - fazia muita propaganda em rádio.
Lembro que tinha uma musiquinha. Na mesma época, anunciavam o Rhum Creosotado (xarope), a Emulsão de Scott (óleo de figado de bacalhau),o Colirio Moura Brasil (olhos) e outros populares.
Não sei se sairam do mercado ou apenas pararam de anunciar.
Gusmão

Jorge Carrano disse...

O Regulador Xavier é um dos produtos fabricados no laboratório que mencionei.Está no mercado, sim, embora com volume de vendas menor do que no passado. Destina-se a "regular" o fluxo menstrual.
Sua avó, sua mãe e suas tias (se tem) com certeza ou conhecem.
Abraço