6 de março de 2015

Despreocupado


O autor/blogueiro, é Antonio Cavalcanti, juiz do trabalho e professor universitário. Tem formação em direitos humanos, letras e teologia, e é autor de vários livros de direito. Seu perfil completo é encontrável no endereço do blog cuja URL está acima. 

Conheço este palácio, que visitei quando em Berlim, a passeio, em 2004. Fizemos, eu e minha mulher, as fotos abaixo:



Blogueiro diante do moinho
Jorge e Wanda diante da fachada do jardim





















Agora vamos ao texto de Antonio Cavalcanti:

"Ainda há juízes em Berlim"

Foto parte integrante do post original
Frederico II, rei da Prússia, passou para a história como símbolo de déspota esclarecido. Amigo de Voltaire, com este compartilhava a ceia no castelo de verão em Postdam, nas cercanias de Berlim. O castelo, construído pelo monarca na encosta da colina, foi batizado com um nome curioso: sans-souci, termo francês que quer dizer sem-preocupação. Sans-souci também era o nome de um moinho da região, e de seu dono, imortalizados nos versos de François Andrieux, cujo título é Le meunier de sans-souci, ou seja, o moleiro de sans-souci.

Começa o poema dizendo que o homem é um estranho problema, e indagando: quem de nós é fiel a si mesmo o tempo todo? Com base nesse mote, passa a narrar o episódio. O rei resolveu construir para si um refúgio agradável, onde mais do que beber e caçar, pudesse degustar não só finas iguarias, mas refinados saberes, na companhia de intelectuais como Voltaire.

Porém, quando quis ampliar o castelo, deparou-se com um problema na vizinhança, o dito moinho que impedia a sonhada ampliação. Seu dono, o moleiro Sans-souci, era um pacato vendedor de farinha que vivia cada um dos seus dias livre de ansiedade e preocupação, daí seu nome e o do moinho. Às investidas insistentes do rei para comprar-lhe o moinho, o moleiro disse não. Dinheiro algum o faria desfazer-se daquele pedaço de chão, onde seu pai morrera, berço e morada de seus filhos.

Inconformado, disse o rei ao moleiro: ─ Você bem sabe que, mesmo que não me venda a terra, eu, como rei, poderia tomá-la sem nada lhe pagar. Mas o moleiro retrucou com a célebre frase: O senhor! Tomar-me o moinho? Só se não houvesse juízes em Berlim.

Do episódio vem a frase: Ainda há juízes em Berlim, que podemos usar em tempos difíceis, para dizer: não vamos desistir, nem tudo está perdido, ainda existe justiça nesse mundo, ou seja, ainda há juízes em Berlim.

Vivemos momentos de crise, cujos desdobramentos poderão mostrar ao mundo que espécie de república nós somos e queremos ser. Mais que um escândalo bilionário, com cifras nunca vistas em nossa história, conspurcando o grande ícone da riqueza e orgulho nacionais, o episódio, dependendo dos rumos que tomar, pode gerar um devastador turbilhão econômico e institucional ou, por outro lado, extirpar da república grande parte da insidiosa rede de corrupção que destrói nossas riquezas e nossa moral.

Que não fiquemos no mero discurso protocolar ─ necessário e adequado, reconheço ─ de governante que a vem a público e diz: queremos investigação e punição aos culpados, doa a quem doer. É preciso muito mais que isso. Temos que mostrar com atos e atitudes que o Brasil não é o país da corrupção aceita sem indignação, a ponto de alguém dizer pública e cinicamente: nesta terra não se faz obra pública sem propina, ou achar que se alguém com uma mão dá o bolsa-família, está automaticamente liberado para, com a outra, receber ou dar o bolsa-corrupção. Os fins não justificam os meios. Numa república séria, não se blinda corrupção com assistencialismo, nem existe ninguém intocável.

Se queremos, de fato, a partir da implosão desse sinistro castelo da corrupção ─ afinal, foi dito que não ficará pedra sobre pedra ─, construir um nova estrutura republicana, respeitada e respeitável, teremos todos de provar, na prática, que não somos a terra da corrupção disseminada e tolerada, mas um país cujos filhos ainda podem acreditar na ética e na justiça, pois como nos diz a frase do moleiro, para a sorte de todos nós, ainda há juízes em Berlim.




François Andrieux
Nota do editor: A expressão "ainda há juízes em Berlim" está originariamente no conto "O Moleiro de Sans-Souci (Le Meunier Sans-Souci)" de autoria do advogado e dramaturgo francês, François Guillaume Jean Stanilas Andrieux.
Colocados no Google, ou a expressão "ainda há juízes em Berlim" ou o nome da obra "O Moleiro de Sans-Souci", surgirão várias referências ao autor, a sua obra, a Frederico II, da Prussia, em vários textos literários (livros, artigos), ensaios jurídicos, matérias jornalísticas e blogs.

22 comentários:

Jorge Carrano disse...

Joaquim Barbosa conseguiu condenar estrelas (claro, símbolo do PT) da política.
Sérgio Fernando Moro, está nos calcanhares de empresários poderosos, que frequentam os bastidores do poder; e deverá sobrar para algumas outras estrelas da nojenta política.
Adverci Rates Mendes de Abreu está enfrentando Lula e STF (que se curvou ao molusco) e encontrou um meio jurídico de mandar para a PQP o criminoso Cesare Battisti.

Malgrado alguns deslumbrados com os holofotes, e exposição na mídia, como Flávio Roberto de Souza, que passeou pela cidade com carro apreendido em processo judicial, que pertence a Eike Batista, acho que podemos, ainda, afirmar que há Juízes no Brasil.




http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/juiza-manda-deportar-cesare-battisti/

Paulo Bouhid disse...

Excelente texto, Jorge.

A frase abaixo deveria estar estampada em cada gabinete de Juiz, Desembargador e Ministro:

“O Poder Judiciário não vale nada, o que vale é a relação entre as pessoas”. (Luís Inácio da Silva, dita em uma reunião com ele e Paulo Roberto Costa, em 26 de Fevereiro de 2009, às 16h30, na sede do Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília)

Jorge Carrano disse...

Como "operador do Direito", segundo conceito adotado, morro de vergonha com a degradação do Judiciário que acabou se nivelando aos outros dois poderes, no que eles tinham de pior (tráfego de influência, corrupção e venda de favores). Está na vala comum.
Por isso acho que posturas como as dos magistrados citados no primeiro comentário, que estão se tornando exceções, dão-nos um réstia de luz e esperança de que "ainda há Juízes neste país".
Ter que ouvir isto vindo do Lula, um dos maiores impostores e canalhas que nossa história já produziu, deixa-me, além de rubro de vergonha, cada vez com mais ódio da política nacional e seus protagonistas.
É isso caro Paulo Bouhid.

Freddy disse...

Espero que ainda haja juízes no STF.
Com dinheiro compra-se tudo e todos têm um preço, mas a visibilidade que as ações praticadas hoje têm torna um pouco mais difíceis manobras escusas como no passado.
Antigamente se dizia que paredes têm ouvidos. Eu diria que hoje elas têm ouvidos e olhos!

Jorge Carrano disse...

ERRATA
Em comentário acima mencionei "tráfego de influência", que embora exista não se configura prática escusa, imoral.
Deveria ter grafado "tráfico de influência", este sim um meio ilegal e imoral de utilizar prestígio decorrente de cargo ou função em proveito próprio ou de terceiro apaniguado.

Obrigado Paulo Bouhid, fique sempre antenado.

Paulo Bouhid disse...

Chá comigo...

Raiva, digo, Riva disse...

sans souci ? de jeito nenhum !

super souci ....

Concordo, belo texto Carrano.

Freddy disse...

Sai ou não sai essa lista, p...?
Tenho de dar uma saída, não tenho a noite toda!

Jorge Carrano disse...

Sua saída não alterará a lista, Carlos Frederico.
Quando retornar ela estará tal e qual agora.

Freddy disse...

Pelo jeito não gostou...
Tá faltando alguém?

Jorge Carrano disse...

Ficou faltando Ali Babá.
Mas a vez dele há de chegar.
Lembra da frase de Abraham Lincoln?

"Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo, mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo"

Jorge Carrano disse...

Lista completa e oficial, veja em:

http://especiais.g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/lista-do-janot/

(copy and paste)

Freddy disse...

Postei comentário no Facebook, que replico aqui:

"Estou começando a achar que a pizza vai ser grande. Não pode ser eficaz uma investigação desse tamanho, porque é como alguém colocar na boca comida demais.
Já temo que tenha sido de propósito, para inviabilizar sua continuidade. Quando menos se perceber, os cabeças começarão a ser liberados e só vai restar arraia miúda."

Jorge Carrano disse...

Freddy,
No processo do mensalão, eram 50 mil páginas, em 147 volumes, 173 apensos, 38 réus, 600 testemunhas. Depois do julgamento, no STF, com longos votos dos ministros, recursos etc. deve ter excedido, fácil, 80 mil páginas.
Eram 38, volto a dizer.
Bem ou mal, malgrado os Lewandowskis da vida, houve condenações.
Sejamos otimistas. "Ainda há juízes em Brasília" (rsrsrs)>

Raiva, digo, Riva disse...

Passou da conta.

Simplesmente não acredito numa sociedade que convive pacificamente com essa situação de um Congresso corrupto, governo sob suspeita e incompetente, violência extrema nas ruas, tiroteios todos os dias, trânsito caótico para o ir e vir, sistemas de saúde e educação destroçados ....

Mais o que ?

Sinto-me impotente diante disso tudo, tento me acalmar, para terminar bem meus dias por aqui, no eu canto, mas e meus filhos ? E as próximas gerações ?

Durmo cansado e acordo cansado, todos os dias ....

Novamente lembro-me de um funcionário meu por 18 anos, ferreiro, se chama Manoelino de Castro, analfabeto. Sorria o dia inteiro, totalmente alienado em relação à vida social e econômica do pais e do mundo.

Pensando em me alienar, seriamente, para tentar sorrir.

Freddy disse...

Sim, sim, é isso.

Como compreender que o governo ainda esteja navegando praticamente incólume em tamanho mar de podridão??

Como compreender que o povo esclarecido continue quieto, a ir e vir imerso em toda essa insegurança pessoal, inexistência de futuro, convívio com corrupção e perda de confiança nas suas instituições??

Na época dos militares você conhecia as regras, o que fazer ou o que não fazer para ser ou não notado. Conseguia circular nas ruas, projetar um futuro mínimo, ao menos. Hoje você sai de casa e não sabe se volta...

Não, não quero a volta dos militares ao poder, mas que ao menos eles se façam ver e ouvir, para impor respeito nessa casa da mãe joana (com todo o respeito às Joanas).

Alguém já disse por aí que se fôssemos eu ou você a agir como cada um dos integrantes dessa corja, já estaríamos encarcerados faz tempo!

Jorge Carrano disse...

Freddy,
Os militares aos quais você alude não existem mais. Os que estão vivos vestem pijamas. E trocaram as baionetas por bengalas.
Os militares, de um tempo a esta parte, são de outra têmpera. Piorou muito a formação militar. Acho até que pouco resta dos princípios fundamentais: disciplina, hierarquia e cadeia de comando.
Sabe que qualquer um comanda o Ministério da Defesa? E fica por isso mesmo?

Riva disse...

Capturado no Twitter, da série O PLANALTO CENTRAL :

http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/03/07/dilma-queria-muitos-na-lista-de-janot-desde-que-tivesse-aecio-diz-renan/

Freddy disse...

Militares...
Meu falecido sogro era militar (baixa patente) mas me contou muitas coisas interessantes enquanto vivo. Vivia resmungando pelos cantos a atual situação dos milicos, renegados quase que à indigência...

De minha parte, lamento profundamente (mesmo!) que a aeronáutica e o exército não estejam agindo (com rigor, não no faz-de-conta) nas imensas fronteiras da Amazônia.

Em vez de mofar em quartéis nos grandes centros, os recrutas deviam ser todos enviados para treinamento na selva. Depois, os que seguissem carreira poderia ser alocados nos milhares de quilômetros entre o Brasil e Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela - ah, principalmente Venezuela, cuja fronteira com o Brasil é administrada por índios armados falando inglês!

Recebendo bons soldos e equipamento condizente, muitos deles produzidos aqui mesmo, no Brasil, poderiam - aí sim - justificar sua existência como Forças Armadas.

Mas resolveram que Forças Armadas são desnecessárias porque o Brasil não vai guerrear contra ninguém...
=8-(

Jorge Carrano disse...

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, aquele mesmo que deveria ter se julgado impedido para o processo do mensalão, agora na cara de pau pede transferência de turma para poder participar do julgamento dos acusados no lava jato.

Este é o mesmo que nunca conseguiu ser aprovado em exame para a magistratura mas foi parar no STF. Era advogado do PT.

Jorge Carrano disse...

Vejam isto:
http://oglobo.globo.com/economia/ex-juiz-do-caso-eike-confessa-desvio-de-830-mil-15577775

Jorge Carrano disse...

Leiam esta vergonha, coisa horrorosa:

http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/cnj-abre-sindicancia-para-apurar-denuncia-de-advogado-contra-desembargador-em-sessao-em-sc.ghtml