24 de março de 2012

De pater meo

Por
RC

Espero ter herdado algumas das qualidades do meu pai. Não comentarei os defeitos - depois de certa idade, não se pode mais culpar os pais por eles. Certamente, sofri boas influências e recebi bons exemplos.

Apresentar algo de qualidade a quem não conhece é dar um presente.

Assim, fui presenteado pelo meu pai com diversas coisas boas e até aprendi a apreciar algumas: Woody Allen, Nelson Rodrigues, José Saramago, Tom Jobim e Ray Charles, para citar alguns. Meu pai é um apreciador do que é excepcional, belo, genial ou grandioso - do iPhone à catedral gótica. Tem a capacidade (talvez ameaçada de extinção) de dar valor ao que tem valor, ou seja, ao resultado de um trabalho árduo e/ou ao fruto de uma mente rara.

Queria ser tão bem informado quanto ele. Lê de tudo e se interessa por tudo. Me lembro do "clipping" que ele preparava, sobre diversos assuntos: recortes das partidas entre Gasparov e Karpov, matérias sobre astronomia ou cinema, crônicas do Veríssimo. E, para quem quer que fosse, tinha sempre algo recortado (para minha mulher, decoração e animais; para meu irmão, publicidade e literatura, e assim por diante).

Queria também uma memória tão boa, fruto de uma ótima capacidade de associação. Essas qualidades são claramente perceptíveis neste blog.

Aliás, o clipping migrou para cá, e alcança uma audiência maior.

Sua disposição para o trabalho é rara, talvez ímpar. E continua, mesmo depois de septuagenário. Sempre foi admirado pelos colegas e deixou saudades (documentadas de diversas formas) por onde passou. Sua capacidade de se reinventar profissionalmente também é notável.

Começou e recomeçou em áreas novas e difíceis. Gostaria de ter metade dessa energia.

Ele ensina, pelo exemplo, que não é suficiente "ser honesto". Que a honestidade é obrigação do indivíduo, e não uma virtude. A lógica é: o que é seu ninguém tasca, e o que é dos outros, é dos outros. A vida é melhor assim, e o sono mais tranquilo.

Como ele, sustento posições impopulares, não necessariamente as mesmas, mas muitas em comum. Gosto de pensar que aprendi a pensar com a minha cabeça, e não ir atrás da moda. A maioria não está necessariamente certa. Na verdade, ela está frequentemente enganada.

Quem convive com ele, reconhece uma certa nobreza de espírito. Arrisco dizer que ela não está lá para satisfazer os outros, mas é uma necessidade íntima. É um humano falível, mas sempre busca a superação.

Tento imitar seu exemplo e, os raros momentos em que consigo me trazem grande satisfação.



PS - O título em latim é uma homenagem. Se estiver correto, quer dizer "sobre meu pai". Mas, em se tratando *do meu pai*, usuário de expressões como "tríduo momesco" e "adminículo", seria muito ralo, o título em português. 





Nota do blogueiro/editor: fiquei em dúvida se publicava ou guardava entre minhas relíquias (like a treasure), onde já estão desenhos feitos, quando ainda criança, no dia dos pais ou meu aniversário. Mas as boas ações, os bons exemplos, precisam ser propagados. Vai daí que publico.
Aqui não é o sentimento infantil, que tem seus próprios estímulos, mas de um adulto, um homem pleno.

8 comentários:

Ana Maria disse...

Seu pai s parece muito com meu velho irmão. rs

Jorge Carrano disse...

Não sei qual a importância, significado ou consequência de lágrimas, preces ou visitas ao túmulo depois que eu deixar esta vida.
Esta é, por sinal, uma das coisas mais angustiantes para mim: não saber o que acontece após a morte física.
Entretanto de uma coisa estou absolutamente seguro, palavras de afeto, respeito e reconhecimento fazem um enorme bem nesta vida.
Obrigado Ricardo, um dos meus orgulhos, você tocou fundo.
Recorro a Nelson Cavaquinho que, em versos, manifestou seu pensamento. De minha parte, bastam palavras amigas, de conforto na dor, de esperança nas incertezas e de afeto sempre.
Eis um trecho do samba “Quando eu me chamar saudade”
“Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus ais.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais”

Gusmão disse...

Embora não prive da intimidade do Carrano, o que sei dele e da família são suficientes para afirmar que ele também tem um enorme orgulho dos filhos.
Mais babão impossível.
Logo, o pensamento aqui externado por um dos filhos, acaba sendo reflexo do respeito e admiração mútuos.
Incluo-me entre os fãs que o Carrano deixa por onde passa, no dizer do filho coruja.
Abraços

Anônimo disse...

Uma coisa precisa ser explicada. Por que este louvor aparentemente fora de contexto?
É aniversário do blogueiro? Está comemorando alguma efeméride em especial?
Bonito gesto, mas assim, do nada?

Freddy disse...

E precisa?
Que eu saiba, gestos de amor e carinho não têm hora marcada, nem precisam atender a efemérides ou interesses comerciais como dia disso ou daquilo.
Cansei de chegar em casa, em meus 35 anos de casado (mais o de namoro), com algo pra minha esposa, ou pra minhas filhas, num dia vadio qualquer. Podia ser um presente, um ramos de flores, um convite para um jantar íntimo num restaurante legal.
A pergunta: - Por quê isso?
A resposta: - Porque eu a(s) amo!

=8-) Carlos

Freddy disse...

Decerto a relação de Carrano com sua família o faz merecedor desses arroubos, e pelo pouco que o conheço, ratifico.

Abraço
Carlos

Riva52 disse...

O título em latim é perfeito, em se tratando do Carrano.
Como amigo, endosso o reconhecimento. Carrano é um cara diferenciado - preferia que não fosse ... que a maioria fosse como ele.

Ricardo dos Anjos disse...

Belíssimo discurso! De aniversário?
Reconhecimento filial em homenagem ao Dia dos Pais? Uma coisa notei, fácil inclusive de constatar: "Tal pai, tal filho!" Certamente ambos enquadram-se no contexto do aconselhamento bíblico neotestamentário do apóstolo Paulo em Efésios 6.1-4. Versão coloquial da Bíblia Viva:
"Filhos, odedeçam aos seus pais; esta é a atitude correta que vocês devem tomar, porque Deus os colocou numa posição de autoridade sobre vocês. Respeite seu pai e sua mãe.Dos Dez Mandamentos de Deus, este é o primeiro que termina com uma promessa: Se você respeitar, honrar seus pais, você terá uma vida longa e cheia de bênçãos.
E agora uma palavra a vocês, pais. Não vivam repreendendo excessivamente e irritando seus filhos, deixando-os irados e rancorosos. Antes, eduquem-nos com a disciplina amorosa que o próprio Senhor aprova, com recomendações e conselhos piedosos".

Beleza... É por aí!

PSiiiu: Não sei se o Carrano, aproveitando a inocência do filho enquanto Infante, aconselhou o Ricardo (belo nome!) a torcer pelo Bacalhau. Mas como neste mundo ninguém e perfeito, aceitemos a diferença...