31 de março de 2012

31 de março de 1964

Nesta data, para uns houve um golpe militar; para outros uma revolução, liderada por militares mas com respaldo popular.

As duas correntes têm razão, em momentos distintos.

Se é verdade que grande parte da população apoiou a iniciativa dos militares, não é menos verdade que esta mesma população não pretendia que os militares ficassem encastelados no poder. E  muito menos que chegassem aos extremos a que chegaram.

Não vou entrar no mérito das mortes, torturas, sequestros, porque os dois lados se excederam. A tortura é um ato ignóbil? Claro que é. Mas o cárcere privado (sequestro) também o é. Não existiram heróis ou vilões. Cada lado errou a seu tempo e modo.

Deveriam os militares, depois da bem sucedida tomada do poder, diga-se que com poucos e isolados atos de força, te-lo devolvido aos civis, ou quem sabe a um militar, legitimamente eleito pelo voto secreto e direto do povo.

Não foi o que sucedeu e os militares se imiscuíram nos órgãos públicos e até mesmos nas empresas privadas, assumindo cargos diretivos mas com função policialesca.

Aconteceu na empresa onde eu trabalhava, que contratou um coronel para criar e  assumir a área de comunicação empresarial e editar uma revista interna (house organ).

Até na faculdade, lembro bem, durante uma prova de Direito do Trabalho, em 1966, um vice-almirante que era estudante, questionou o professor, que era também o diretor da faculdade na época - Geraldo Bezerra de Menezes (que já fôra ministro do TST) - sobre a presença, como fiscais durante a prova, de pessoas estranhas ao quadro docente da instituição. É uma longa história que não cabe aqui. Mas vale salientar que os militares se achavam com direito a tudo.

Rendeu até a piada das freiras, largamente difundida, que era a seguinte: faleceu a madre superiora; duas freiras caminhavam pelo patio interno no convento quando uma delas indaga se a colega sabia quem seria a nova madre superiora; ao que a outra responde: não sei não, só sei que é um coronel.

Fazia todo o sentido. Como uma praga os militares se espalharam em todos os segmentos do tecido social. Foi um erro crasso.

Vai daí que virou golpe militar mesmo.

Mas é tênue a linha que separa uma coisa da outra. Querem exemplo? A Proclamação da República foi um golpe de estado contra a monarquia ? Havia um poder legitimo e os militares o derrubaram e se mantiveram no comando. Sou republicano mas devo admitir que de certo modo houve um golpe militar, apoiado ou não por civis, não vem ao caso. Este golpe militar valeu e é reverenciado. Feriado nacional.

E a conspiração em Minas Gerais, abortada pela coroa portuguesa, que levou à forca o alferes Joaquim José da Silva Xavier - o Tiradentes? Alguns militares, padres e poetas pretendiam realizar uma revolução e libertar  a capitania de Minas Gerais do dominio português. Como foram derrotados, virou uma conjuração; se tivessem sido vitoriosos teria sido uma revolução, que certamente se espalharia e levaria à independência de toda a colonia brasileira. 

Todo este intróito tem uma razão de ser. Tenho feito uma revisão nos arquivos deixados por meu pai. Deparando com uma foto, que coloco para ilustrar este post, fiquei matutando que posição ele teria tomado frente aquele movimento dos militares? Bem, acho necessário informar que ele falecera em junho do ano anterior (1963).

Não cheguei a uma conclusão. Isto porque ele era acima de tudo legalista. Para ele o comando maior era do império da lei.

Entretanto, tinha ótimo trânsito entre militares (de todas as patentes) e tão bom quanto entre alguns políticos, alguns dos quais vieram até mesmo a ser cassados.

Fernando Carrano, mais alto e grisalho civil ao centro. Os outros paisanos eram militares sem seus uniformes.
Era legalista, mas era extremamente leal (leal, não fiel, que é diferente) aos amigos. E tinha, claro, convicções.

Se o poder tivesse sido devolvido aos civis, como era a expectativa e teria sido o correto, acho que teria votado no Juscelino, que certamente seria um candidato. O outro candidato, provavelmente Carlos Lacerda, ele admirava pela oratória, pela combatividade.

SE assim tivesse sido (vele repetir SE), pela primeira vez eu e ele estaríamos no mesmo barco. Não que divergíssemos muito, não, afinal ele me moldou a sua imagem e semelhança nos terrenos da ética e da moral. Mas divergíamos no varejo: ele flamenguista, eu vascaíno. Ele tenentino (filiado à Grande Sociedade Tenentes do Diabo), eu democrata, porque torcedor e até frequentador do baile carnavalesco da Grande Sociedade Democráticos, na Rua Riachuelo, no Rio de Janeiero.

Nota explicativa:  foto tirada numa das dependências do Palácio do Ingá, onde funcionava a Secretaria Estadual de Governo, com Fernando Carrano recebendo um grupo de sargentos e suboficiais do exército, como interlocutor do governo Miguel Couto Filho. Os sargentos pleiteavam a doação de um terreno do Estado para construção de uma sede para seu Clube Social.  (1960).

14 comentários:

Ricardo dos Anjos disse...

poeminha concreto
O CERCO
O CIRCO
O CICLO
militarmilitarmilitarmilitarmilitar
militarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitar militar MALESTAR MALESTAR militar militarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitarmilitar

Gusmão disse...

Ricardo,
Tomo a liberdade de fazer uma consulta ao especialista.
Com o passar dos anos, conversando com pessoas que conheciam mais do que eu e pesquisando em enciclopédias, acabei por aprender, no campo da pintura, a diferença entre os impressionistas e os expressionistas; aprendi o que vem a ser cubismo e a diferença em relação ao abstrato.
Todavia, não consigo diferenciar os vários tipos e poemas. O que caracteriza um concreto? Acho que os épicos são fáceis de distinguir.
Aliás, se é para abusar, vou além: qual a diferença entre poesia e poema, se existe alguma?
Obrigado
Abraço

Jorge Carrano disse...

Meu amigo Mario Castelar deu uma pincelada na data em seu blog, lembrando onde estávamos no dia em questão. Está em http://www.pontoparagrapho.com.br/detlahes/12-03-30/31_de_mar%C3%A7o.aspx

Ricardosanjos,
Vou pegar carona na pergunta do Gusmão e indagar como classificar o poema abaixo, que aprendi nos tempos do Liceu e nunca esqueci porque de um síntese impressionante:
Ave
Pio
Fio

Na minha cabeça faz sentido e interpreto como sendo uma ave, piando, pousada num fio.Classifique, por favor.
Abraços

Jorge Carrano disse...

Poder de síntese, queria dizer.

Ricardo dos Anjos disse...

o POEMA CONCRETO
pio
ave
fio
Vc sacou bem, colega liceísta. Simples assim,mas é nessa ordem acima, e o poema é meu e saiu publicado no SDJB - Suplemento Literário do Jornal do Brasil nos anos 56/61... A publicação saía aos sábados, embora fosse Suplemento Dominical.

Ricardo dos Anjos disse...

Extraído de um Site Literário:

"É bom ressaltar a diferença entre poema e poesia. Apesar de serem tratadas por muitos como sinônimos, o uso dos dois termos entre os estudiosos apresenta diferenças:
Poesia - Caráter do que emociona, toca a sensibilidade. Sugerir emoções por meio de uma linguagem.

Poema - Obra em verso em que há poesia.

"Se o poema é um objeto empírico e se a poesia é uma substância imaterial, é que o primeiro tem uma existência concreta e a segunda não. Ou seja: o poema, depois de criado, existe per si, em si mesmo, ao alcance de qualquer leitor, mas a poesia só existe em outro ser: primariamente, naqueles onde ela se encrava e se manifesta de modo originário, oferecendo-se à percepção objetiva de qualquer indivíduo; secundariamente, no espírito do indivíduo que a capta desses seres e tenta (ou não) objetivá-la num poema; terciariamente, no próprio poema resultante desse trabalho objetivador do indivíduo-poeta.

"O poema destaca-se imediatamente pelo modo como se dispõe na página. Cada verso tem um ritmo específico e ocupa uma linha. O conjunto de versos forma uma estrofe e a rima pode surgir no interior dessa estrofe. A organização do poema em versos pode ser considerada o traço distintivo mais claro entre o poema e a prosa (que é escrita em linhas contínuas, ininterruptas)".

Ricardo dos Anjos disse...

Quanto à poesia concreta, lá vai:

A poesia concreta surgiu com o Concretismo, movimento literário voltado para a valorização e incorporação dos aspectos geométricos à arte (música, poesia, artes pláticas).

Em 1952, a poesia concreta tem seu marco inicial através da publicação da revista
“Noigrandes”, fundada por três poetas: Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos.

Contudo, é em 1956, com a Exposição Nacional de Arte Concreta em São Paulo, que a poesia concreta se consolida como uma nova e inusitada vertente da literatura brasileira.

O poema do Concretismo tem como característica primordial o uso das disponibilidades gráficas que as palavras possuem sem preocupações com a estética tradicional de começo, meio e fim e, por este motivo, é chamado de poema-objeto.

Outros atributos que podemos apontar deste tipo de poesia são:

- a eliminação do verso;
- o aproveitamento do espaço em branco da página para disposição das palavras;
- a exploração dos aspectos sonoros, visuais e semânticos dos vocábulos;
- o uso de neologismos e termos estrangeiros;
- decomposição das palavras;
- possibilidades de múltiplas leituras.

A comunicação através do visual era a forma de expressão de todas as poesias concretas. No entanto, houve particularidades que diferenciavam os poemas deste período em tipos de poesias".

Aí, digo eu, elementos da poesia concreta foram utilizados em trabalhos poéticos mais discursivos. Eu mesmo fiz exercícios, experiências concretistas ou neoconcretistas, a fim de conseguir uma economia verbal, maior concretude nas palavras, e retornar à poesia mais discursiva.

Jorge Carrano disse...

Ricardo, de-me, pelo menos, o benefício da boa memória (parcial pois errei a ordem), de um poema lido ou ouvido, já não lembro, há mais de 50 anos.
Você deve estar gratificado, pois alguém que não é muito afeito a poesia (sempre preferi a prosa)reteve na memória, como algo interessante.
De qualquer sorte, perdão por haver me enganado na sequência, muito mais lógica no original, e não saber o autor.
Abraço

Jorge Carrano disse...

Ainda envergonhado, Ricardo, pergunto se este outro abaixo, que também aprendi naquela mesma época, é de sua lavra:
Rua torta
Lua morta
Sua porta

Abraço

Gusmão disse...

Puxa! Juro que não fazia ideia da complexidade. Já chamei muito poema de poesia e muita poesia de poema.
Doravante devo melhorar, graças a paciência e generosidade do Ricardo, que lecionou com clareza sobre o tema.
Obrigado.
Bom domingo!

Jorge Carrano disse...

Algum tempo atrás, o Carlos March registrou um fato comum neste blog, mas que nem por isso deixa de causar estranheza.
Os comentários vão se afastando do fio condutor do post e acabam por debater coisas que embora ligadas ao tema postado têm caráter secundário (no contexto).
Assim é que um tema de conotação político-ideológica, transformou-se em curso literário.
Ganhamos, por certo, culturalmente. Mas e as opiniões sobre o "golpe" ou "revolução"?
Obrigado aos que participam ativamente do blog.
Abraços parnasianos.

Ricardo dos Anjos disse...

Esse poema da Rua torta Lua morta Tua porta é de autoria do grande e saudoso poeta Cassiano Ricardo e se chama

SERENATA SINTÉTICA

Lua
morta

Rua
torta

Tua
porta

nesta forma original.

Freddy disse...

Na minha opinião, os militares permaneceram após o golpe por conta de que o poder atrai, seduz. Uma vez lá, no comando do país, foi difícil a eles executarem o plano original (se é que é verdade que existia um plano para devolver o poder aos civis).

De concreto na minha vida, o golpe me pegou em plena adolescência. Como condição para preservar a integridade pessoal, aprendi a não expressar opiniões políticas e com o tempo internalizei o comportamento. Tornei-me totalmente ignorante e desinteressado de política. Hoje, não saberia dizer o nome de um único ministro, senador, deputado, governador (só o do RJ), e por aí vai.

Abraço
Carlos

Riva52 disse...

Fecha o pano ....