25 de fevereiro de 2012

Carnaval, passado e presente

A Praça Onze* foi o reduto do samba no Rio de Janeiro. Lá foram realizados os primeiros desfiles (organizados)  das escolas de samba.


Um projeto viário, posto em execução, acabou com a praça, que ficou reduzida em suas dimensões, para propiciar a construção da grande avenida, que viria a  se chamar "Presidente Vargas".

Quando anunciada a destruição parcial da praça e demolição de casas em seu entorno, houve um protesto dos moradores da região.

Herivelto Martins compôs o clássico samba, como um protesto contra o fim da Praça Onze, que se seria catastrófico o mundo do samba.
                   PRAÇA ONZE 
Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai
Adeus, minha Praça Onze, adeus
Já sabemos que vais desaparecer
Leva contigo a nossa recordação
Mas ficarás eternamente em nosso coração
E algum dia nova praça nós teremos
E o teu passado cantaremos

A previsão do poeta não se confirmou, e as escolas de Samba não acabaram. Apenas se modificaram, eis que os desfiles deixariam de ser circulares e passariam a ser em linha reta.

Concluída a obra da Av. Presidente Vargas, para lá foram transferidos os desfiles, e a cada carnaval eram gastos cerca de 10 meses no ano, para montagem, e depois desmontagem, das arquibancadas. 

Com a construção da Passarela do Samba, agora ampliada em obediência ao projeto original (que não fôra executado plenamente por causa da fábrica da Brahma), os desfiles ficaram mais suntuosos, os carros alegóricos cresceram em cumprimento e altura, assim como as alegorias, e as fantasias ficaram mais vistosas, mais chamativas, de sorte a que o público, mesmo colocado no último degrau das arquibancadas pudesse ter uma boa visão.

Como disse o poeta, o visual virou quesito.

Antes, as escolas valorizavam mais seus sambas de enredo e suas baterias que eram as duas molas mestras dos desfiles.

Sambas bem elaborados, obrigatoriamente de conteúdo histórico, mesmo que nem sempre fieis aos fatos e acontecimentos reais.

O que levou Sergio Porto, com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, em 1968,  a compor o delicioso “Samba do Crioulo Doido”, deliciosa paródia, que era um libelo contra a obrigatoriedade então vigente, dos enredos tratarem da história do Brasil**.


http://www.youtube.com/watch?v=k5U1gNK1SkE

Samba do Crioulo Doido

Stanislaw Ponte Preta

Foi em Diamantina
Onde nasceu JK
Que a Princesa Leopoldina
Arresolveu se casá
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar com Tiradentes
Lá iá lá iá lá ia
O bode que deu vou te contar
Lá iá lá iá lá iá
O bode que deu vou te contar
Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta
Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão
E foi proclamada a escravidão
Assim se conta essa história
Que é dos dois a maior glória
Da. Leopoldina virou trem
E D. Pedro é uma estação também
O, ô , ô, ô, ô, ô
O trem tá atrasado ou já passou
Os compositores dos sambas-de-enredo, ingênuos, com pouca instrução formal, não obstante a enorme inspiração poética, pelo pouco tempo de que dispunham, para pesquisa e estudo, desde a escolha do enredo até a apresentação dos sambas para eleição na quadra, se atrapalhavam  e por vezes  misturavam personagens e fatos.

O Sambódromo, nome inadequado para passarela de desfiles, posto que remete à velocidade (autódromo, hipódromo), levou à profissionalização das escolas.

Os sambas já não são tão elaborados, com letras rebuscadas, e perderam a cadência característica. Hoje estão mais para marchinhas.

Ou antão, a depender do enredo, são sambas de embalo ou de empolgação.

Silas de Oliveira
Já não se fazem versos como estes abaixo, de Silas de Oliveira. Ele e Mano Décio da Viola, constituíram-se nos nomes mais expressivos, dentre os grandes poetas da  Império Serrano, escola vizinha da minha Portela:




http://www.youtube.com/watch?v=u0XTCVjyzAE
Aquarela Brasileira (2004)

G.R.E.S. Império Serrano (RJ)

Vejam esta maravilha de cenário
É um episódio relicário
Que o artista num sonho genial
Escolheu para este carnaval
E o asfalto como passarela
Será a tela
Do Brasil em forma de aquarela
Passeando pelas cercanias do Amazonas
Conheci vastos seringais
No Pará, a ilha de Marajó
E a velha cabana do Timbó
Caminhando ainda um pouco mais
Deparei com lindos coqueirais
Estava no Ceará, terra de Irapoã
De Iracema e Tupã
Fiquei radiante de alegria
Quando cheguei na Bahia
Bahia de Castro Alves, do acarajé
Das noites de magia do candomblé
Depois de atravessar as matas do Ipu
Assisti em Pernambuco
À festa do frevo e do maracatu
Brasília tem o seu destaque
Na arte, na beleza e arquitetura
Feitiço de garoa pela serra
São Paulo engrandece a nossa terra
Do leste por todo o centroeste
Tudo é belo e tem lindo matiz
O Rio dos sambas e batucadas
Dos malandros e mulatas
De requebres febris
Brasil, essas nossas verdes matas
Cachoeiras e cascatas
De colorido sutil
E este lindo céu azul de anil
Emolduram em aquarela o meu Brasil
Lá lá lá lá lá
Lá lá lá lá lá
 


* (Praça 11 de junho – comemoração da Batalhão do Riachuelo)
** O castigo, com a liberação dos enredos, é que até Iogurte virou tema. E empresas e governos estaduais e municipais têm liberado verbas de "patrocínio" para verem sua cidades e estados retratados nas escolas.

8 comentários:

Gusmão disse...

Faleceu ontem o filho do Herivelto Martins (Praça Onze), o cantor Pery Ribeiro, interprete de várias músicas da bossa nova e que teve o privilégio de ser o primeiro a gravar "Garota de Ipanema", que conta com mais de 3.000 gravações no mundo todo.
Bom final de semana.
Abraço

Ana Maria disse...

Antes das Escolas de Samba, a Pça Onze abrigou desfiles das grandes Sociedades e dos Corsos que desfilava pela Av. Central.
Nosso pai foi carnavalesco e integrante dos Tenentes do Diabo.
Quero frizar que eu não era nascida!!! Só tenho boa memória para os relatos dos mais velhos.kkkkk

Freddy disse...

Sou analfabeto em samba e carnaval, de modo que o post me foi muito instrutivo. De cara já aprendi que os desfiles das escolas eram circulares e não lineares nos primórdios. Eu também não sabia que a Praça se chamava 11 de Junho, em alusão à Batalha do Riachuelo.

A grita pela derrubada de casas para a construção da Av. Pres. Vargas me lembrou conversas com minha falecida mãe, quando me deitava ao lado dela para ouvir as histórias de seu passado - a avenida ainda não existia. Como ela morava no Santo Cristo e estudava no Rivadávia Correia (R. Larga, depois Av. Marechal Floriano), suas andanças se davam na região afetada pela obra, se bem que mais para o lado da Candelária, trajeto que usava amiúde para ir ao cinema.

Aquarela Brasileira tem uma letra bonita, mas não gostei da música. Não por não apreciar samba, pois estou tentando ser imparcial e comparando com outros sambas enredo que eu conheço.

Outra informação por mim desconhecida era que os sambas enredo, até certa data, obrigatoriamente deveriam fazer alusão à História do Brasil. A abertura deu azo a liberalidades lamentáveis, mas também permitiu mais criatividade. Gosto mais como é hoje, apesar dos pesares.

Abraço
Carlos

Freddy disse...

Carrano, em atenção à sua colocação acertada sobre o elemento pospositivo -dromo em palavras como aeródromo, hipódromo, autódromo, etc, fui buscar alguma razão para existir um Sambódromo "sem correria" (rs rs). Achei no Dicionário Houaiss isso:

DROMO
1)Rubrica: esportes, história - espaço apropriado para a realização de corridas de qualquer espécie na Grécia antiga; pista de corrida.
2)Rubrica: arquitetura - qualquer corredor ou avenida que conduza à entrada de um templo ou de um túmulo, p.ex., a alameda ladeada de estátuas em posição esfingética, em frente de um templo egípcio, ou o que leva a uma tumba micênica.

No caso do Sambódromo, a definição 2 pode ter estimulado Darcy Ribeiro a assim cunhar o projeto de Oscar Niemeyer para a Passarela do Samba, que é um corredor cercado de arquibancadas apontando para o grande monumento na Praça da Apoteose.

Abraço
Carlos

Jorge Carrano disse...

Prezado Carlos,
Publiquei há algum tempo, uma série intitulada ""Literatura no samba- enredo".
O primeiro post está em http://jorgecarrano.blogspot.com/2011/03/literatura-no-samba-enredo-i.html
Alguns são muito bons. No caso do que consta deste link, a letra é absolutamente fiel a obra original.
Abraço

Freddy disse...

APOTEOSE
Um assunto leva a outro e eis que me lembro que no projeto original de Niemeyer, ele imaginava que a escola de samba, ao final do desfile, se aglomeraria numa grande praça para coroar seu desfile e ser aplaudida pela plateia => numa apoteose do samba! No entanto, a estrutura dos desfiles e a rigidez do esquema de julgamento oficial jogaram por terra o projeto original, de sorte que hoje a Praça da Apoteose fica artificialmente reduzida a um corredor pela colocação de acomodação adicional para público.
Abraço
Carlos

Jorge Carrano disse...

Carlos,
Foi ótima sua iniciativa de pesquisar o significado do elemento "dromo".
Com efeito, estou achando que, como você sugere, o Darcy e/ou Oscar e/ou Brizola, foram beber no Dicionário Houaiss, para justificar Sambódromo.
Estou reconsiderando minha opinião, o que somente homens inteligentes podem fazer (rs).
Voltando ao samba "Aquarela Brasileira", vale ressaltar que o Dudu Nobre, interprete na gravação disponível no post, mudou um pouco o andamento e a divisão silábica. Na avenida, quando do desfile, o resultado foi melhor.
Obrigado pelo alerta do Houaiss.
Abraço

Jorge Carrano disse...

Carlos,
Foi ótima sua iniciativa de pesquisar o significado do elemento "dromo".
Com efeito, estou achando que, como você sugere, o Darcy e/ou Oscar e/ou Brizola, foram beber no Dicionário Houaiss, para justificar Sambódromo.
Estou reconsiderando minha opinião, o que somente homens inteligentes podem fazer (rs).
Voltando ao samba "Aquarela Brasileira", vale ressaltar que o Dudu Nobre, interprete na gravação disponível no post, mudou um pouco o andamento e a divisão silábica. Na avenida, quando do desfile, o resultado foi melhor.
Obrigado pelo alerta do Houaiss.
Abraço