Jamais me conformei com o privilégio conferido aos juízes, de poderem gozar dois períodos de férias anuais, de trinta dias cada um, ou seja, sessenta dias de descanso, contra os trinta dias assegurados a nós outros pobres mortais.
Os juízes rechaçam a expressão privilégio, com veemência, mas que é, é.
Minha indignação aumentou em dezembro de 2003, quando Mauricio Correa, político que caiu de pára-quedas no Supremo Tribunal Federal (graças ao ex-presidente Itamar), defendendo os dois períodos fundamentou sua tese alegando que juiz pensa o tempo todo.
Ora, convenhamos, nem eu e nem você pensamos intermitentemente. Idiotice das grandes.
Vou além, nesta linha insustentável de raciocínio, os advogados responsáveis, competentes e estudiosos (sim, existem alguns poucos), pensam muito mais. Cabe ao advogado dar consistência a exegese da lei, fazer pesquisa na fonte doutrinária e abeberar na jurisprudência predominante em busca de argumentos que levem ao convencimento do magistrado para que o mesmo prolate a decisão.
As peças bem produzidas pelos advogados, bem fundamentadas nas fontes primárias do direito - a lei a doutrina e a jurisprudência – com eventuais, apoios, se o caso, no direito intertemporal e comparado, oferecem ao juiz todas as condições para formação de sua convicção, que em última análise é o que baliza a sentença, quando se trata de matéria de direito.
O trabalho, o desgaste mental é do advogado, que fica apreensivo até que obtenha a sentença final irrecorrível. O Juiz, dada a sentença, cumpriu seu papel jurisdicional. Para o advogado, em princípio, o processo não termina com a sentença de primeiro grau. Pelo menos para o vencido.
Cabe ressaltar, ademais, que os advogados que atuam sozinhos, individualmente, e são a maioria, trabalham ininterruptamente, sem férias, só podendo descansar durante o recesso de final de ano, de cerca de vinte dias.
Além do já citado ex-ministro que com sua aposentadoria preencheu uma lacuna no STF (isto é um chiste), vem agora o novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, defender os dois meses de férias por ano, que ele e toda sua classe desfrutam, com argumento parecido.
"Não considero privilégio porque acho que isso foi visto pelo legislador, o legislador tem sempre uma razão, a lei tem sempre uma razão de ser", argumenta. "Considero um direito que a lei previu, que vem em benefício do cidadão e, possivelmente, a razão, a ratio legis, é a sanidade mental do juiz."
Sartori avalia que os 60 dias de descanso são fundamentais para o exercício da toga. "Alguns acham justo, outros não. Existem outras funções que talvez mereceriam, mas o fato é que isso é questão cultural, vem desde antes da Loman. Eu tenho que isso seria uma forma de tornar a mente daqueles que julgam um pouco mais saudável."
Para ele, "a função de julgar é pesada". "Você não desliga do processo, fica maquinando a noite inteira até resolver. É uma situação bastante desgastante. Eu penso que para a saúde mental dos magistrados foi criado esse sistema das duas férias por ano", reitera.
E digo eu, é uma falácia que os juízes não desligam do processo como disse o Dr. Sartori. Para início de conversa, de uns tempos a esta parte, os juízes nem lêem os processos, função atribuída ao seu staff de gabinete. Esta prática, de delegar a serventuários lotados nos gabinetes, a função de ler e fazer o relatório que precede as sentenças - e até mesmo o esboço das decisões - é adotada também por desembargadores, no Tribunal de Justiça dos Estados. E não estou inventando nada. Até na mais Alta Corte do país (STF), segundo seu presidente, em entrevista concedida a revista VEJA, admitiu que não lê todos os processos que lhe são distribuídos, manifestando-se ipsis verbis:
“Os ministros do Supremo vivem tão assoberbados que não conseguem ler todos os processos que lhes caem nas mãos. Acabam tendo de delegar a assessores parte das decisões que deveriam tomar”.
E tem mais, digo eu. Há muito os juízes não presidem as audiências, atribuição repassada para as figuras esdrúxulas dos Conciliadores – incompetentes, semi-alfabetizados, sem cultura jurídica – o que acabou por tornar absolutamente inúteis 99% das audiências conciliatórias.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) também defende, como óbvio, os sessenta dias de férias A entidade afirma “que os juízes brasileiros são responsáveis pelo estudo e julgamento dos processos que lhe são distribuídos e são cobrados pelo cumprimento de metas arrojadas, estando constantemente sujeitos a jornadas de trabalho superiores a 40 horas semanais, além dos plantões forenses e da frequente necessidade de trabalhar durante os finais de semana e feriados, sem qualquer compensação financeira”.
Outra inverdade. Experimentem chegar ao Fórum no horário indicado como de início de expediente, ou seja, as 11 horas. Duvi-de-o-dó que você encontre um magistrado no local. Talvez o plantonista. A maioria chega as 13, 14 horas e sai para almoçar.
Querem mais? Pergunte ao seu advogado de confiança se ele consegue despachar com os juízes os assuntos de seu interesse. Não consegue. Foram erguidas várias barricadas. O Juiz, se está em seu gabinete, não atende pessoalmente. São as secretárias ou escreventes lotados no gabinete que atendem. O que torna inútil o trabalho de advogado pois resulta em nada. É tempo perdido.
E os Congressos e Encontros de Juízes, ou de Desembargadores, que ocorrem sempre em locais aprazíveis? São úteis, estes encontros e congressos, no sentido de padronização de interpretações e fixação de pontos? Pode ser. Mas enquanto lá estão também têm lazer. E estão fora de seu ambiente de trabalho.
Arremato com as licenças a que têm direito por tempo de serviço (quinquênios), benesse que nem eu e nem você temos assegurada.
Agora façamos um resumo: os juízes não têm horário e raramente são encontrados em seus gabinetes (muitos até lecionam nas inúmeras faculdades que brotam como cogumelos nas cidades).
Não lêem os processos e, muitas vezes, nem redigem a sentença, apenas assinam. Não presidem as audiências conciliatórias. Não atendem advogados e partes, delegando a tarefa às secretárias e/ou assistentes.
E precisam de 60 dias de férias e licenças remuneradas a cada cinco anos porque “pensam muito e em tempo integral”.
Tem um parlamentar, que acho bizarro, folclórico, mas no que respeita as férias dos magistrados tem uma opinião firme, lastreada no bom-senso. Falo do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que critica o período mais longo de férias para a magistratura. Ele apresentou projetos de lei que fixa em 30 dias a duração das férias de juízes e promotores. As propostas, porém, ficam paradas, não tramitam no Congresso, porque sendo o assunto de interesse dos juízes, eles sabem como ninguém emperrar o andamento.
A OAB, como sói acontecer quando se trata de enfrentamento da magistratura, se omite, não tem posição firmada. Mas pelo menos seu atual presidente nacional tem a coragem de expressar a sua: - “Fere a igualdade que deve existir entre os cidadãos. A Justiça brasileira é morosa por problemas estruturais, como falta de servidores e juízes, mas também porque há muita paralisação na atividade judicante em função das férias, do recesso e dos feriados regimentais”.
12 comentários:
Não me perguntem porque alguns trechos sairam com fundo branco. Estou tentando apurar. Tenho uma leve desconfiança.
Estamos cansados de reclamar, vozes pregando no deserto. Os juízes legislam em causa própria, à vista de todos e do alto de sua condição de autoridade. Férias, recessos, aumentos salariais, mordomias...
Lembrei-me do falecido "filósofo" Ibrahim Sued: os cães ladram e a caravana passa... Na minha humilde condição de cão, acho que morreremos sem ver a Justiça funcionar como devia ser.
Abraço
Carlos
Prezado Carlos,
Lamentavelmente o Judiciário está ficando cada dia mais desacreditado.
Não demora o índice de aprovação e confiança no poder, estará igual ou pior do que o do legislativo.
E olha que o Congresso é considerado um antro de malfeitores.
Nem preciso me alongar no que representa o legislativo.Sua imagem pública.
O judiciário vai chegar lá não demora, porque seus membros, no geral, em todos os níveis, juizes, desembargadores e ministros estão se esforçando para isso.
Abraço
Uma coisa que não entendo é porque alguns juizes tanto temem a Dra. Eliana Calmon, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça.
Os que têm conduta ilibada, como exige a Constituição, só teriam a lucrar com ação eficaz da corregedoria, que em princípio faria uma depuração na magistratura, separando o joio do trigo, ou, como disse a douta corregedora, afastando do seio do judiciário os bandidos de toga.
Abraço
Carrano,
Vou dar um pitaco na questão do fundo branco. Provavelmente você selecionou e colou no texto alguma coisa obtida na internet através do Google. Um pequeno trecho, uma entrevista, talvez uma foto.
Não tenho certeza, mas examina a hipótese.
Abraço
A partir deste ano de 2012, teremos mais um dia sem atividade forense. Foi criado, por lei, o Dia Estadual do Advogado, a ser comemorado em 11 de agosto de cada ano.
Menos um dia de trabalho e mais um dia de folga para os juizes. Ou alguém duvida que eles pegarão carona na suspensão de prazos, não marcação de audiências e ausência de advogados para despachar?
Vida dura. Somem os 60 dias de férias, mais 20 dias de recesso ao final do ano, mais os feriados, mais os pontos facultativos, mais as licenças.
E você, caro leitor, quer celeridade processual. Como diz o outro, fala sério!
Engraçado... o dia do Engenheiro não é feriado... Não me lembro de ter tido um feriado que seja no Dia Internacional das Telecomunicações nos meus 32 anos de trabalho na Embratel...
Voltando ao 11 de agosto, todos os restaurantes e bares ficam aterrorizados com a possibilidade dos calotes com que os advogados gostam de comemorar o seu dia...
Ia dizer mais alguma coisa mas acho que já escrevi demais...
Abraços
Carlos
E tem mais, Carlos, na Constituição não tem uma norma que estabeleça que o engenheiro é essencial, assim como tem que o advogado é para a Justiça.
Abraço
Boa é a Constituição Americana. Uma página? Duas?
Abraço
Carlos
Carlos,
A Constituição americana é do século XVIII. E só teve uma até hoje.
Tem apenas 7 artigos, e alguns destes artigos têm seções. No total deve dar menos de 50 dispositivos.
Ao londo deste período de vigência, de 1787 até gora, sofreu 27 emendas, diferentemente do Brasil, que desde sua independência teve várias constituições e a atual chamada cidadã (risível) já teve várias emendas.
Um dia a gente aprende.
E na Inglaterra o direito é fundamentalmente consuetudinário.
Por isso são primeiro mundo.
Abraço
11 de agosto é aniversário da minha esposa ISA .... ótimo ir a restaurantes e dar calote ! rsrsrs
abrs
Se precisar, empresto minha carteira da OAB, Paulo. (rs)
Abraço
Postar um comentário