30 de maio de 2014

Fui reprovada por um décimo...



Por
Wanda C. Carrano







Minha família era pobre. E meus pais de poucas letras. Mas tinham uma  aspiração: ver todos os filhos formados. E éramos 8 filhos no total.  Tive 7 irmãos  biológicos (dois já falecidos) e uma irmã afetiva, criada desde pequenina por meus pais. É interessante  como as pessoas mais carentes são exatamente aquelas que mais se preocupam com os outros mais desprovidos  ainda.

Ver os filhos formados significava dizer que as mulheres seriam professoras, porque fariam o "curso normal", maior nível de escolaridade possível na cidade. E os rapazes fariam o "curso técnico de contabilidade" pelas mesmas razões: falta de opções.

Era com imenso sacrifício que meu pai, concluído o curso primário no “Grupo Escolar Graça Guardia”, de ensino público, nos mantinha em escolas particulares. Mas havia uma regra: não podia repetir o ano, ou seja, se reprovado o destino seria a volta a escola pública.

Exatamente por causa desta regra deixei de estudar no "Colégio São Pedro”, que existia na Rua 25 de Março,  onde fazia o curso normal, e fui no ano seguinte para o Liceu de Cachoeiro, onde, finalmente, obtive o grau de professora primária (aqui em Niterói, chamada de normalista). No local onde funcionava o Colégio São Pedro e a Escola de Comércio, hoje tem um Shopping Center.

A diferença era que o curso normal na minha cidade, naquela época, tinha apenas dois anos de duração, e nas outras cidades maiores (Vitória, Niterói, Rio) o curso era de três anos.

Fiquei reprovada em Psicologia, graças ao padre Murilo que não admitiu me conceder mais um decimo na prova. Bem, o fato é que tive que repetir  o ano. Perdi também, com a mudança de colégio, o contato com as colegas.

Durante o curso primário no "Graça Guardia", a gente morava um pouco distante, no bairro chamado Coronel Borges,  mas ia à pé porque com o tostãozinho do ônibus que mamãe dava  eu comprava um pedaço de coco no bar do seu Jodimir. 

Do outro lado deste bar tinha um campo de bocha, onde eu ia levada por meu avô. Ele ficava jogando e eu no balanço improvisado. Meu avô gostava muito de mim, mas minha avó gostava mais ainda. Eu era a neta preferida.

Na casa dela é que eu matava aula e ela me escondia de minha mãe quando ela ia lá. Ela fazia um prato muito simples, dentro do orçamento familiar, que era uma delícia: macarrão com alho e azeite, e botava um pouquinho de colorau. Até hoje sinto saudades do macarrão de minha avó. As vezes faço aqui em casa, mas não fica igual.

No tempo do Liceu, já morávamos na cabeceira de uma das pontes sobre o rio que dá nome a cidade, e já mais grandinha participei de algumas competições esportivas e cheguei a ser eleita princesa do “Jubileu de Prata”. Nesta época construí uma amizade muito firme com Regina Tereza Severiano, que perdura até hoje.

Casamo-nos, mais ou menos na mesma época,  temos filhos e netos, ela mora em Vitória e eu em Niterói, mas nos falamos no Natal e nos respectivos aniversários. E já nos vimos umas duas vezes no curso destes 50 anos.

De certo modo devo a mãe dela – Dona Julieta – ter casado com o Jorge. Foi ela que conseguiu convencer meu pai a deixar que eu viesse numa excursão das alunas do Liceu. Ela chefiava o grupo.

Ficamos hospedadas no Ginásio do Caio Martins e fomos recebidas no antigo Palácio do Ingá, sede do governo fluminense  (antes da fusão do antigo RJ com o Estado da Guanabara),  pela esposa do governador  Roberto Silveira, que faleceu em desastre de helicóptero algum tempo depois.

Foi durante esta  excursão que eu e Jorge  – meu marido há 50 anos –  e que morava em Niterói, começamos  namorar em 1960.

Sobre Cachoeiro muito já foi dito no blog e em outros locais na internet. A cidade mudou pouco nestes anos que se passaram desde que, após o casamento, de lá me mudei para Niterói.

Naquela época Roberto Carlos cantava na ZYL-9 Rádio Cachoeiro de Itapemirim. Só. Não era, ainda, o Rei. Eu já havia sido princesa (risos).

12 comentários:

Jorge Carrano disse...

Fiquei admirado da Wanda aceitar o desafio de escrever um post sobre sua infância e juventude em Cachoeiro de Itapemirim, onde foi criada, quando os pais se mudaram de Leopoldina-MG, onde ela havia nascido.
Suas mãos, o mais das vezes são utilizadas, fora de atividades domésticas, nos trabalhos de crochê e pintura. Não para escrita.
Mas acho que se houve bem.

Freddy disse...

Sim, decerto se houve bem na descrição.
Nunca tinha ouvido falar nessa variante de um de meus pratos de macarrão favoritos: ao alho e óleo. Colorau? Hmmm...
Por ser simples é difícil. Depende do macarrão, do alho, do seu ponto de fritura antes de acrescentar o macarrão, da qualidade e da proporção entre óleo/azeite... Eu já ponho um pouco de queijo ralado na panela deixando o restante a critério do comensal, gosto também de acrescentar discreta ervinha mágica...
Esse padre Murilo não foi professor, quiçá nem bom padre também. Não se muda a vida de uma pessoa, provocando a perda de contato com seu ambiente escolar e social prévio, por causa de 1 décimo. Há um limite para aplicação do rigor.
Abraços
Freddy

Helga Maria disse...

Cada pessoa tem seu próprio jeito de contar uma história.
E não é um concurso literário.
Parabéns a dona Wanda, que na foto parece ser pessoa simpática, pelos 50 anos de casamento e pelas conquistas.
Como disse o senhor Carlos Frederico, que padre severo. Ele usava palmatória também? (risos)
Saudações
Helga

Wanda disse...

Obrigado Carlos Frederico e Helga.

Eu deveria ter falado de urucum e não colorau. Acho que nem sabíamos o que era colorau na época se já havia.

Ana Maria disse...

Interessante esta proposta do blogger. Estamos tomando contato com diversas realidades, separadas por tempo e espaço.
Quanto a autora do post, embora não utilize com frequência a comunicação escrita, fez um relato simples e articulado. Aliás, com tantas habilidades que já possui, seria covardia se competisse com os homens da casa neste quesito. rs

Jorge Carrano disse...

"Chaleirando" a cunhadinha, Ana Maria?

Ana Maria disse...

Quem sabe consigo umas empadinhas no lanche rs

Alessandra Tappes disse...

Wanda! tão delicado como vc são suas palavras. Lembro do dia em que fui em sua casa e vc com total e confiança me mostrou seu álbum de família. Relendo seu texto, me vem a mente sua imagem, toda tímida sorrindo com a mão na boca, contando da sua infância. Lindo. Parabéns.

Wanda disse...

Gentileza sua, Alessandra. Mas muito obrigada.

Riva disse...

#simplesassim seria a hashtag no Twitter para esse post da Wanda.

Com a leveza que o assunto requer, nos conta um pedacinho dela, através de um texto simplesmente bonito, e com certeza carregado de emoções durante a escrita.

Quando será que a internet vai nos deixar sentir o cheiro e o sabor das coisas ?

Tomara que nunca desenvolvam essa tecnologia, porque é com textos assim que sentimos os cheiros e os sabores.

Jorge Carrano disse...

Não elogia muito não, Riva. Corro o risco de ter que aumentar a mesada (rsrsrs), por causa de outras habilidades e pendores.

Freddy disse...

Sobre sabor não sei, mas a tecnologia para fazer os espectadores sentirem o cheiro em filmes no cinema e, talvez mais tarde, em seus lares assistindo TV, já está sendo desenvolvida.
Não demora!
<:o)
Freddy