3 de maio de 2014

Uma guitarra única




Por
Carlos Frederico March
(Freddy)









Eu sou pianista. Comecei com 8 anos, minha professora D. Helda morava na confluência das ruas Itaocara com Itaperuna, no bairro onde nasci e fui criado: Pé Pequeno, Niterói. Depois de alguns anos, foi-me aconselhado entrar num conservatório e escolhi a Escola Fluminense de Música, da Professora Alice Amarante, na esquina de Tavares de Macedo com Miguel de Frias, hoje um imenso prédio de apartamentos.

Nela estudei com o professor Aurélio que, coitado, arrancava seus poucos cabelos com minha rebeldia. Imagina chegar para a aula de piano com as articulações cortadas de linha de cafifa com cerol? Ou com as polpas dos dedos calejadas e verdes do zinabre das toscas cordas de aço de meu primeiro violão? Teve um dia que o pobre homem ficou tão vermelho de ira que achei que ele fosse ter um ataque apoplético com meu “inocente” sorriso. 

Quis o destino que eu não fosse à frente na carreira de pianista clássico. A prova final do curso técnico foi no dia 4 de março de 1968, e no dia 16 sofri um acidente em casa que me cortou 11 tendões, 2 nervos e uma artéria no pulso direito.

Dedicadamente operado pelo Dr. Paulo César Schott e depois de meses de intensa fisioterapia, minha mão direita voltou a funcionar. Eu estava em pleno pré-vestibular, estudei praticamente o ano todo com a mão esquerda e um quadro-negro. Não sendo canhoto, era a maneira mais simples que eu tinha de escrever.

As sequelas foram grandes. Os tendões foram recuperados, mas apenas um dos nervos (o mediano) conseguiu se recobrar e a artéria ulnar (na época chamada cubital) não foi religada.  Tenho limitação de movimentos, com insensibilidade difusa que me impossibilita de discernir  pequenos objetos. Tenho cãibras se fizer esforços fortes e repetitivos, por deficiência de irrigação sanguínea.

Voltei, sim, a tocar piano, nunca parei. Não pude concluir o curso clássicopois faltavam 2 anos depois do curso técnico para completá-lo, mas toco à minha moda. Adapto as peças ao que meus dedos permitem executar e vou em frente!

E o violão? E a guitarra?  Bem, na adolescência, época do boom musical dos anos 60, muitos de nós começamos a tocar violão, em geral aqueles com cordas de aço que enferrujavam rápido! Fizemos bandas caseiras, chegamos a ensaiar um conjunto de pop-rock chamado “The Lightnings” que infernizava a redondeza mas não deu em nada. Até polícia baixou em nossa porta!

No Natal de 1967 fui presenteado por meus pais com uma guitarra Giannini Apollo de solo. Era bem bonita (3ª da esquerda para a direita na foto a seguir), mas seu som era mediano, já que as guitarras boas eram (ainda são) as importadas.

Linha da Giannini no final dos anos 60

Logo depois sofri o acidente e,devido à insensibilidade dos dedos, não consegui mais empunhar uma palheta. Naquele tempo isso era um “must” para tirar o som adequado. Apenas mais tarde apareceram virtuosos roqueiros que tocam guitarra sem palheta, só com os dedos, mas são raros. Posso dar como exemplo Mark Knopfler, do Dire Straits.

Recolhi-me em minha deficiência e passei a tocar apenas piano popular e violão de nylon, que tem braço mais largo que os de aço e não necessariamente precisa de palheta para ser tocado. Aos poucos voltei a dedilhar, sendo que os acordes são feitos com a mão esquerda, portanto “no problem”.  A Apollo ficou guardada.

Em meados de 1980, um colega de Embratel (Ulysses Nogueira dos Santos Filho) adoeceu e durante seu longo restabelecimento passou a se dedicar a construir e reformar guitarras: tornou-se um luthier sem fins lucrativos. Eu tinha acabado de trocar os antiquados captadores da Apollo mas nem tinha intenção de investir em guitarra elétrica, era mais um capricho, uma vontade de recuperá-la.

Eis que, sem mais nem menos, Ulysses se prontificou a fazer uma reforma radical nela, como terapia ocupacional. Ele me mostrou a guitarra que tinha feito para seu filho André e estava trabalhando em outra. Seu trabalho era de primeira e suas guitarras, lindas. Eu só bancaria o material, portanto se configurou uma oferta irrecusável! Conforme expectativa, o resultado ficou excelente.

Vamos aos detalhes técnicos, para quem se interessa pelo assunto. A linha Apollo da Giannini em 1967 constava de 4 modelos semi-acústicos: guitarra de acompanhamento (6 cordas, sem alavanca); guitarra de solo (6 cordas, com alavanca, que era a que eu tinha); guitarra de 12 cordas e baixo de 4 cordas. O visual inicial dela antes da reforma era, pois, idêntico ao do baixo Apollo mostrado na figura a seguir.

Baixo Giannini Apollo de 4 cordas, em seu case

Como curiosidade, a única vez em minha vida que toquei num clube (o Marieta de Santa Rosa) com aquele tal conjunto que acabou não indo à frente, "The Lightnings", foi usando um baixo desses, emprestado.

Ulysses raspou toda a pintura da Apollo, revelando a linda madeira original do corpo: segundo ele, amendoim. Decidimos não pintá-la, apenas usar um verniz naval absolutamente incolor que revelasse a madeira exatamente como ela é.

Guitarra APS Electric, vista traseira

Retirou o braço, reduziu sua espessura, reformou os trastes conferindo sua perfeita colocação na escala e colocou um tirante metálico interno, que ele estranhamente não tinha. O tirante hoje em dia é corriqueiro em violões e guitarras e serve para manter o braço corretamente posicionado ao longo do tempo, corrigindo-se eventual envergamento através de tração com uma chave Allen.

A maioria absoluta das guitarras semi-acústicas tem um acabamento com duas tiras plásticas laterais no corpo. No caso eram brancas leitosas. Como ficariam feias no novo layout, Ulysses substituiu-as por duas tiras de jacarandá, acertando a espessura irregular original com verniz escuro. O headstock foi reestilizado com apliques e as cravelhas foram trocadas. A madrepérola das antigas cravelhas foi fatiada e usada como elemento estético: passaram a ser os marcadores dos trastes da escala. Maneiro.


Guitarra APS Electric, única no mundo

Eu pedi que ele colocasse uma ponte com alavanca. Ulysses de início foi contra, porque achou que guitarra semi-acústica não combina com alavanca (apesar da Apollo original ter). Ele tinha razão mas eu era teimoso... Não podia ser a ponte Floyd Rose (usada por guitarristas de rock)  porque uma guitarra semi-acústica não tem estrutura para suportá-la. Usamos uma Schaller flat, que não tem uma ação tão profunda como uma Floyd Rose mas funciona.

No entanto, mesmo uma Schaller precisava de uma base resistente. A solução realizada por Ulysses foi encaixar um bloco de marfim no meio do corpo, separando-o em dois. A ponte então foi solidamente fixada em cima, junto com os captadores EMG ativos. Na junção das madeiras no tampo (não na traseira), ele colocou uma delicada tira de jacarandá de cada lado do bloco. Subproduto inevitável foi a diminuição da acústica do corpo no som da guitarra, mas nem me importei.

Ponte Schaller e captadores EMG ativos

Quando a alavanca de uma ponte é acionada, as cordas afrouxam ou distendem. A coisa mais natural é que desafinem durante a performance, configurando um verdadeiro desastre. Um recurso que fui aconselhado a implementar na ex-Apollo é o top-lock, uma trava que, depois das cordas afinadas, isolam-nas das cravelhas, evitando sua desafinação. No headstock foi aplicada a  sigla APS Electric, que é uma homenagem de Ulysses a seu filho André P. dos Santos.

Headstock reestilizado, com top-lock

Nada da mecânica nem da eletrônica original foi aproveitada na reforma. Comprei tudo novo, importado: ponte flat, cravelhas, top-lock, captadores, potenciômetros, botões, chaves, jaque estéreo, tudo! Como a eletrônica é ativa, tem uma bateria de 9v embutida, com acesso pela parte traseira.

Relembrando que não sou guitarrista e sim pianista, não tenho vergonha de dizer que jamais a usei, a não ser para testá-la quando pronta, comprovando que ficou ótima em aparência, empunhadura e sonoridade!

Ela foi durante anos um dos itens de decoração da boate de minha cobertura. Sempre elogiada pelas visitas por sua beleza, eu costumo contar resumidamente sua história, uma maneira de demonstrar o reconhecimento pelo dedicado trabalho realizado graciosamente pelo meu amigo Ulysses.

Boate de minha antiga cobertura em Icaraí


Recentemente vendi a cobertura e não tenho mais a boate. No entanto, minha APS Electric agora decora meu escritório, junto de meu adorado e politicamente incorreto tapete de pelo de llama, comprado numa feira em Santiago do Chile.







Créditos:
Guitarras Giannini: site da Giannini, modelos antigos
Baixo Apollo: http://todaoferta.uol.com.br/comprar/vendo-baixoraridade-giannini-apollo-ano-6970-7K8ERIF4R9#rmcl

Demais fotos: acervo do autor

27 comentários:

Jorge Carrano disse...

O título do post bem poderia ser superação&persistência.
Na verdade, pelas sequelas do acidente doméstico relatadas pelo autos e sua recuperação, mesmo que não inteiramente total são dignas de nota.
A persistência, com a colaboração de amigo, levou à recuperação da antiga e estimada guitarra.
Muito legal a história, sem falar nos ensinamentos sobre guitarras, características e recursos musicais.
Parabéns!

Jorge Carrano disse...

Bem, caro Freddy. O piano é, de longe, meu instrumento musical preferido. Sempre como ouvinte eis que incapaz de produzir uma nota afinada. Sou absolutamente incapaz de executar qualquer instrumento. Talvez o bongô no final dos anos 1950. Fase do mambo, da rumba, do calypso e do chachachá. Perez Prado e sua orquestra faziam sucesso.
Depois, um pouco distante na preferência pelo som, recursos e intérpretes, o saxofone (de preferência o tenor).
Alguns músicos de jazz tocavam bem tanto um (piano) quanto o outro (sax), como por exemplo o Ben Webster, meu preferido no saxofone.
Como já mencionei gosto de jazz e em especial dos pianistas do gênero. Tenho CDs de quase todos os pianistas de jazz que realmente importam.

Freddy disse...

O acidente e a recuperação seriam assunto para um bom número de páginas de minha biografia. Não seria do interesse dos leitores.

Boa parte da alegada persistência se deu por conta de uma necessidade (cursar pré-vestibular sem poder escrever) e ignorância. Se eu soubesse a extensão do que tinha sofrido e que os médicos me estimulavam a fazer a fisioterapia com afinco mas a boca pequena alertavam meus pais que seria um milagre a minha recuperação, talvez eu tivesse desistido...

Em 1982 eu voltei a estudar piano no conservatório da D. Lourdes Drumond, minha primeira professora de teoria musical nos idos de 1959/61. Meu professor era um "garoto" chamado Giomar. Estudei poucos meses com ele, mas ao contrário do meu primeiro professor, o Aurélio, que ao me rever torceu a cara para não olhar minhas cicatrizes, Giomar me deu o conselho que me manteve "vivo" até hoje:
"- Se não puder fazer o acorde inteiro, retire uma nota. Ou duas. Se uma sequência for impossível de ser executada, adapte, faça um ligeiro arranjo. Mas jamais deixe de tocar uma peça que goste por conta de sua deficiência!"

É como sobrevivo até hoje.
Abraços
Freddy

Helga Maria disse...

O maestro João Carlos Martins também teve problema nas mãos e se reinventou.
Bonito nos dois casos.
Helga

Freddy disse...

Sobre meu instrumento preferido, Carrano, é o sintetizador eletrônico! Não os primeiros, restritos a sons cavernosos. Falo dos mais modernos e sofisticados. Eu tive vários e ainda possuo alguns, sem negar que desejo sempre ter o mais moderno!

Dou preferência àqueles que tem o teclado idêntico ao do piano acústico. À medida que a tecnologia avança, cada vez mais é difícil distinguir um piano de cauda de um bom sintetizador. A parte principal, que é a resposta do teclado ao toque dos dedos tem sido aperfeiçoada a ponto de ser um real prazer tocar uma boa máquina.

Uma vantagem inquestionável é que um sintetizador tem diversos pianos. Som de Steinway, de Baldwin, de Yamaha, de Bösendorfer, Honky-Tonk (aquele desafinado de cabaré) e por aí vai. Sem falar que pode editá-los a seu gosto! Adoro mexer nos parâmetros!

Além disso, o sintetizador tem outros mil sons. Isso me permite mesclar sons diversos sobre o do piano. Piano/cordas é um som deveras agradável para passar tempo. Pianos eletrônicos, como Fender Rhodes, Würlitzer, estão à distância de um clique. Sax é quase impossível, mas os fabricantes estão evoluindo...
Bom, isso daria um post inteiro!

Curiosamente, o que toco ao piano tem pouco a ver com o que ouço para meu deleite. Ao piano sou romântico e emotivo, ao passo que todos que leem o blog sabem que meu estilo musical preferido é o heavy metal em diversas vertentes!

Vai entender!
Abraços
Freddy

Jorge Carrano disse...

Helga,
Endosso suas palavras. Mas o Freddy vai ficar frustrado porque você não comentou o tema central do post, que é a guitarra (rsrsrs).

Jorge Carrano disse...

Veja como são as coisas, caro Freddy. Mencionei que gosto de piano e dos pianistas mais importantes do jazz.
Os dois que têm alguma fama e prestígio de que menos gosto são o Herbie Hancock e o Chick Corea.
Por causa dos sintetizadores que introduziram no jazz.
Gosto não se discute, não é?

Ana Maria disse...

Desculpe minha ignorância,mas sintetizador eletrônico é considerado instrumento musical?
Se o é, não é o meu preferido.
Quanto ao post, foi um dos melhores da lavra do Freddy. Abordou sem pieguice os entraves em sua carreira de pianista e discorreu com entusiasmo sobre guitarras.

Freddy disse...

Carrano, eu ia falar sobre jazz mas acabei perdendo o rumo. Jazz é algo muito amplo. De uma maneira geral não me agrada, mas conheço tão pouco que posso rapidamente mudar de opinião.
O próprio Ulysses, que me reformou a guitarra Apollo, me emprestou uns dois ou três CDs de pianistas de jazz que infelizmente não guardei o nome, mas faziam um som bacana.
Ou seja, pode ser que haja algo no gênero que me agrade, assim como no heavy metal há coisas ótimas e a maioria acho execrável, juro! Sim, claro, admitam que no erudito tem peças intragáveis, é que a gente só ouve o que sobrou de bom...
Um dia ainda vou redescobrir o jazz, prometo! Mas não contem comigo para ouvir metais (sax, trompete, clarinete e similares) . Raríssimas exceções me são palatáveis...
<:o)
Freddy

Freddy disse...

Para responder à Ana, precisaria talvez de um texto inteiro, mas tentarei resumir.
Sintetizador na área musical (synth para os íntimos) é a denominação genérica de um equipamento que tem a capacidade de criar sons a partir de circuitos eletrônicos.
O controlador pode ser um teclado (o mais comum e meu preferido) mas há os controlados por guitarras, sopros, voz... Muito dueto e coral que você ouve é um só cantor com duas ou mais vozes sobrepostas geradas por um sintetizador, on line!
Robert Moog é considerado seu inventor, e na época só fazia sons "espaciais", artificiais ao extremo. Daí a rejeição de muitos aficionados de instrumentos "reais" aos synths.

Mas hoje em dia, um bom synth tem sons perfeitos da maioria dos instrumentos que você conhece e daqueles que são realmente criações eletrônicas.

Sybth é um instrumento? Não, ele "cria o som de um instrumento". Eu sento no meu Roland D70 e toco um órgão de igreja de fazer vibrar as paredes de meu apartamento, por exemplo. Ele naquele momento é um órgão!
Mudo uma chave e toco um solo de flauta, com os vibratos e tudo. Ele passou a ser uma flauta. Mudo o registro e agora estou num piano Steinway! E posso, dependendo do modelo de synth, escolher se é um piano de cauda estendida, de meia cauda, piano vertical, desafinado (de cabaré)... Posso alterar seus parâmetros para meu gosto pessoal, mas ele não deixa de ser naquele momento um piano!

<:o)
Freddy
PS: sax tem sido meio difícil de recriar, mas tem alguns modelos especializados que chegam perto!

Helga Maria disse...

Não comentei o tema porque acho que nem entendi direito a parte relativa à guitarra. Não me comoveu. Já a parte relativa ao acidente e a superação/adaptação tocou nos meus sentimentos.
Helga

Jorge Carrano disse...

Ana Maria,
O Freddy admite que o sintetizador não é um instrumento. É um blefe, um enganador.
Mas num momento artístico em que DJ é considerado músico, respeitado, aclamado e vira celebridade, aceito tudo.

Freddy disse...

Ei, espera lá!
O sintetizador emula perfeitamente um instrumento, ainda mais os modelos mais recentes!
Existe uma miríade de modelos e aplicações e efetivamente há os especiais para DJ, mas eu nem chego perto deles! São complicados demais!

Eu uso aqueles que são classificados como pianos eletrônicos, com 88 notas e ação de tecla igual à do piano de verdade. Meu Roland A90EX, apesar de meio antigo, tem registros magistrais de piano acústico. Usa um algoritmo de síntese diferente do meu Yamaha DGX-630, que é mais caseiro, mas tem também 88 notas pesadas e sons excelentes de piano, usando um algoritmo patenteado pela Yamaha.
Tenho também um supersintetizador Roland D70 (jurássico mas com sons cavernosos daqueles que só um synth tem) e um piano acústico Fritz Dobbert, meu pretinho básico!

Qual eu prefiro tocar? O Roland A90EX! O pretinho acústico é legal, mas só tem UM som e desafina rapidamente. Os pianos eletrônicos podem até pifar, mas jamais desafinam! E num só teclado eu tenho diversos pianos, e centenas de instrumentos paralelos para usar se quiser.

Portanto, Carrano, eu disse que synth não é um instrumento, mas ele CRIA um instrumento, COPIA um instrumento, EMULA um instrumento, portanto pode ser tocado exatamente como um piano, que é o meu caso!

Ademais, a par de tocar piano e violão, eu ADORO som eletrônico!
Um dia escreverei sobre isso tudo, e acho que é o que o Carrano quer quando me espeta!
<:o)
Freddy

Freddy disse...

Eu não havia percebido que o drama que mudou minha vida chamaria tanta atenção...

Foi um ano difícil... Cortei o braço em março e só tive coragem de sentar-me à frente do piano para tentar tocar algo em outubro... A mão estava fraca, doía... Mas já dava para ter esperanças.
Minha memória ganhou um desempenho extraordinário, pelo fato de ter de estudar escrevendo pouco (passei a usar muito quadro negro, onde eu consegui ser canhoto), e minha sorte era que naquele tempo tudo era múltipla escolha. Aprendi a fazer conta de cabeça como ninguém e a desenhar com a mão esquerda, segurando esquadro e régua com a direita.
Tive ajuda nos momentos cruciais de uma colega de escola que, sem que eu lhe pedisse, me entregou muita coisa anotada das aulas, para que eu pudesse estudar melhor. Santa criatura: Lucia Maria Mendes Simões, nunca mais a vi...

O acidente mudou minha vida. Radicalmente. O destino me mostrou em cores vivas que o hoje não garante o amanhã.
Quem sofreu com essa mudança foi minha falecida mãe, que a par da angústia com o acidente em si, vivia me criticando: você não é mais o mesmo bom garoto!
Como ser?
<;o)
Freddy

Jorge Carrano disse...

Freddy,
Segundo o Google:
Lucia Maria Mendes Simões
Rua Do Cipreste, 170 ap 102
Caminho das Árvores - Salvador - BA
Tel: (71) 3359-36...

Riva disse...

Da guitarra, que era o foco, nada ou pouco se comentou. Na verdade, não sei qual é o foco do post.

Mas o título podia ser A PORTA. Explico ...

Nossa casa tinha uma espécie de varanda nos fundos, que nosso pai fechou com grandes basculantes de vidro, e incorporou uma porta de vidro, com esquadrias de ferro, no mesmo molde dos basculantes.

Em março de 63 (eu tinha 10 anos), o 1º incidente/acidente com essa porta. Eu correndo atrás do Freddy para "bater" nele, e ele fechou a porta. Estiquei o braço para escorá-la, mas o braço entrou pelo vidro.
Resultado : um profundo corte no pulso esquerdo e no antebraço. Corre corre, hospital, muitos pontos, etc.
Além de não ter atingido nenhum tendão, foi no braço esquerdo (eu sou destro, como Freddy).E frequentei as aulas sem problema ... só não podia ir de bicicleta.

A casa foi reformada, e essa porta foi aproveitada para ser a porta da cozinha, com acesso para o nosso quintal dos fundos.

Março de 68 : novo incidente (eram dezenas deles)entre eu e Freddy, ele correndo atrás de mim para me "bater", e eu fechei a mesma porta em cima dele. O braço direito entrou pelo vidro, mas ele escorregou no tapete da porta, caindo ajoelhado com o braço enfiado no vidro.
O resultado vocês já conhecem.

Foi um desespero. A quantidade de sangue que esguichava do braço era absurda !

Na época eu tinha 15 anos mas já dirigia o Simca do meu pai desde os 14 anos. Fui dirigindo o carro à toda para o Hospital Antonio Pedro, com meu pai no banco de trás com Freddy, com um garrote no braço feito às pressas por meu pai com uma toalha.
Lá chegando, depois do 1º atendimento, meu pai desmaiou ! E Freddy foi transferido para o Santa Cruz, que tinha mais recursos para o quadro dele.

Depois do atendimento ao meu pai e com Freddy entrando na ambulância para o Santa Cruz com ele, voltei para casa, a pedido dele.

Um outro fato marcante - somente para mim - ocorreu nesse dia.

Meu maior companheiro nessa época era o meu cão, Boy. E o foi por muitos anos.
Quando saímos às pressas para o hospital, vi pelo retrovisor que ele corria atrás do nosso carro.Quando voltei para casa, ele não estava lá. Eu sabia que ele tinha se perdido.

S. Getúlio, meu vizinho amigo e tricolor, sabia o quanto o cão era importante pra mim. E se propôs a sair comigo em seu Fusca pelas ruas de Niterói à procura do Boy. Nós só o achamos às 10 horas da noite, deitado na esquina das ruas Vereador Duque Estrada com rua Prof. Otacílio, em Santa Rosa.

Não me lembro que fim teve essa porta, mas acho que foi revestida até certa altura com uma chapa metálica.

Pronto, Freddy, pode continuar agora.

Carrano, parabéns ! Achou rápido a Lucia !


Freddy disse...

Obrigado, Carrano.
<:o)

Freddy disse...

Isso vai acabar sendo a minha biografia, e não deve ser do interesse dos leitores...
Atendo-me apenas ao já exposto, complementarei:
1) a tal porta foi realmente mantida no local, revestida de metal até certa altura para evitar novos acidentes.
2) se Paulo não dirigisse o Simca, mesmo com 15 anos, papai não teria como fazê-lo, tal o estado em que se encontrava. Eu precisava dizer a todo momento para ele apertar o garrote no meu braço (usando até de expressões duras), pois ele perdia as forças com rapidez...
3) eu também ia desmaiando no atendimento, porque com o garrote correto estancando totalmente o sangue, o buraco se mostrou imenso! Só olhei para aquilo UMA vez!
4) referenciando posts recentes sobre o bairro do Pé Pequeno, Seu Getúlio era o pai de Rosa Maria e de Regina, nossas vizinhas da Rua Itaocara. O cão, Boy, aparece numa foto da família.

Como já disse, um dos meus dramas foi o pré-vestibular, que corria solto e a todo vapor! Perdi muitas aulas hospitalizado (foram duas internações de cerca de uma semana, uma para ligar tendões e outra para tentar algo com os nervos, senão eu estaria irremediavelmente aleijado).
Sendo destro, tive de aprender a ser canhoto. Só fui pegar com muita dificuldade uma caneta com a mão direita lá para agosto ou setembro, quando a recuperação de um dos nervos permitiu-me retomar o movimento de pegar e reter.
Acho melhor ficarmos por aqui...
=8-/
Freddy

Jorge Carrano disse...

Antes que o Riva ressalte que o tema do post é guitarra, informo que só gosto de guitarra em blues.
Mas de pronto socorro posso falar por experiência própria e de pessoa próxima.
Quando menino por duas vezes fui atendido num pronto socorro municipal que havia no Jardim de São João. Numa vez cai do tanque de lavar roupa e ao me apoiar ao bater no chão, o polegar da mão esquerda virou. Na outra pisei num fundo de garrafa quebrada e levei um corte grande e profundo.
De conhecido menciono o caso de colisão frontal de um automóvel com um caminhão. O amigo chegou ao Hospital Antonio Pedro praticamente morto, com afundamento no craneo e no tórax. Várias fraturas nos braços e pernas e grande perda de sangue.
Para resumir ficou internado lá mesmo, depois de atendido na emergência, e sobreviveu com pequenas sequelas, que não vem ao caso destacar porque meu objetivo é criticar a saúde pública da cidade, que está falida. O primeiro atendimento do Freddy foi no Antonio Pedro, hospital público que era bem aparelhado.
Atualmente o Pronto Socorro Municipal já não existe (há anos) e a "Emergência" do Hospital Antonio Pedro está fachada há muito tempo e sem perspectiva de reabrir, segundo o reitor da UFF, à qual pertence o hospital.
Triste realidade.

Riva disse...

Não dá para parar por aqui, me desculpem os leitores desse blog espetacular.

Queria registrar que, sem o braço direito para estudar e escrever, Freddy se superou, fez o vestibular em 68 e se classificou para a PUC nos primeiros lugares. Era um baita CDF rsrsrs !

O resto é o resto ....

Também queria registrar aqui o meu amor pelo BOY. Freddy deve saber o significado disso, porque tem hoje um cão que faz parte da sua família.

O Boy chegou em nossa casa, recém nascido, cresceu conosco e nos tornamos uma espécie de dupla, em brincadeiras e aventuras sensacionais.

Até hoje sinto o cheiro do seu pelo molhado, quando dava banho nele com uma mangueira e sabão de côco, toda semana. Acabávamos os dois encharcados, para desespero da minha querida avó Carolina ! rsrsrs

That´s it .....

Freddy disse...

Quis o destino que eu tivesse feito uma mensagem de agradecimento ainda em vida ao meu amigo Ulysses. Soube que ele faleceu de enfarte ontem durante uma reunião na firma em que trabalhava nos Estados Unidos. O corpo está em processo de traslado para o Brasil.
RIP, Ulysses.
Freddy

Anônimo disse...

Olá Freddy, meu nome é André Pires dos Santos e estou sem palavras para dizer o que sinto nesse momento após ler seu post que acabei de achar por acaso. Meu pai faleceu otem de manhã enquanto dormia em viagem a trabalho nos EUA. Curioso que não lembro da sua guitarra mas ainda temos a primeira (a vermelha). A segunda, que na verdade seria um baixo para meu irmão ele nunca chegou a terminar. Muito obrigado por esse post e pelas lembranças. Abraços, APS

Jorge Carrano disse...

Olá André,
Não nos conhecemos, mas tive, através deste post do Freddy, oportunidade de saber sobre seu pai.
Aceite meus sentimentos.
O Freddy, com absoluta certeza, acompanha o blog e irá se manifestar.

Riva disse...

Meus sentimentos, André. O tempo acalma tudo isso. Fica a lembrança dos grandes momentos.

Riva, irmão do Freddy

Freddy disse...

Pouca coisa a acrescentar, depois do post e da constatação do momento em que foi publicado, semanas antes do falecimento.
Envio meus sentimentos a André e toda a família, já que provavelmente não terei condições de comparecer ao velório.
Freddy

Unknown disse...

BEM...HOJE.HAVIA.RESOLVIDO.ME.POUPAR.DO.FACEBOOK,.DOS.POSTS.SOBRE.ANIMAIS.,POIS.QUERIA.PARAR.DE.CHORAR.PELO.MENOS.UM.DIA...COMECEI.PELA.CRONICA.DA.CLÁUDIA,LEVE.BEM.HUMORADA,,FLUENTE.,E.FUI.INDO...TODOS.ESCREVEM.BEM.,OS.ASSUNTOS.SÃO.INTERESSANTES..E.LÁ.VOU.EU...FREDDY,FALANDO.DE.GUITARRAS.E.DE.SUA.SUPERAÇÃO.INCRÍVEL...O.RIVA,.IRMÃO.DE.OURO.,DESCREVENDO.TODA.A.HISTÓRIA.DA.PORTA.DE.BASCULANTE...ATÉ.QUE.CHEGOU.NO.CACHORRINHO...E.PRONTO...NÃO.ESCAPEI.DA.CHORADEIRA.DO.DIA...
MAS.VALEU...
ALIAS,FOI.UM.MUITO.BOM.DIA.APESAR.DA.GREVE.DOS.VIGILANTES...KKKK
BETH

Freddy disse...

Uma pequena correção.
Revendo memórias do passado, descobri que a reforma da guitarra se deu entre fevereiro e abril de 1991. Além disso, a guitarra vermelha do André teria sido feita quando ele tinha pelo menos uns 15 anos de idade.

Isso altera um pouco a informação do texto, de que Ulysses teria adoecido em meados de 1980. O mais provável é que tenha sido no ano de 1990.
Abraços
Freddy