11 de março de 2011

Literatura no samba-enredo I

O título acima é, deliberadamente, um pouco ambíguo. Isto porque tanto pode significar as visitas feitas por compositores dos sambas-enredo a algumas obras consagradas da literatura brasileira, quanto a literatura feita pelos próprios compositores, muitas vezes grandes poetas populares, nas letras de seus sambas.

Exemplos da primeira hipótese, seriam os sambas “Memórias de um Sargento de Milícias” e “Os Sertões”.

Em 1966, Paulinho da Vila conseguiu reproduzir, em poucos versos, com o andamento do clássico samba-enredo, a história narrada no excelente e único romance de Manuel Antônio de Almeida.

Está no samba*, de forma sintética, toda a história de Leonardo e demais personagens, citados nominalmente na letra:
Leonardo: herói às avessas, herói picaresco - desde a infância é esperto, vagabundo e mulherengo.
Leonardo-Pataca: oficial de justiça, sentimental, sempre enroscado em suas paixões.
Maria-da-Hortaliça: mãe do herói.
Major Vidigal: temido e respeitado por todos. Severo punidor, é, ao mesmo tempo, policial e juiz.
Comadre: protetora de Leonardo, vive tentando livrá-lo dos enroscos em que se metia.
Compadre Barbeiro: outro protetor. Cria o menino como se fosse o seu filho, sonhando um próspero futuro para ele; só que isso não acontece.
D. Maria: velha, rica e bondosa. Era apaixonada por causas judiciais. Tia e tutora de Luisinha, amiga da comadre e do compadre.
Luisinha: primeiro amor de Leonardo. Suas características fogem da idealização dos modelos românticos: era feia, pálida e desajeitada.
José Manuel: caça-dotes, representa uma crítica à burguesia.
Vidinha: cantora de modinhas, segunda paixão de Leonardo.
Chiquinha: filha de D. Maria e esposa de Leonardo-Pataca.
Outros personagens: a vizinha, a cigana, o mestre-de-rezas, Tomás, etc.

Eis abaixo a letra do samba, que começa por situar a época da história, tal e qual na obra original, segundo relato feito por um antigo sargento de milícias ao contador de histórias que conduz a narrativa. Quem ouvir o samba terá praticamente lido o livro, tal a observância e fidelidade que o poeta popular (Paulinho da Viola), fez e manteve da obra do romancista (Manuel Antônio de Almeida).

Ouça na voz de Martinho da Vila em http://www.mp3rocket.com/mp3/-1_00/Martinho-da-Vila-Memorias-De-Um-Sargento-De-Milicias.htm

Memórias de um sargento de milícias
Era o tempo do rei
Quando aqui, chegou
Um modesto casal feliz pelo recente amor
Leonardo, tornando-se meirinho
Deu a Maria Hortaliça um novo lar
Um pouco de conforto e de carinho
Dessa união, nasceu
Um lindo varão
Que recebeu o mesmo nome do seu pai
Personagem central da história que contamos neste carnaval
Mas um dia Maria
Fez a Leonardo uma ingratidão
Mostrando que não era uma boa companheira
Provocou a separação
Foi assim que o padrinho passou
A ser do menino tutor
A quem lhe deu toda dedicação
Sofrendo uma grande desilusão
Outra figura importante em sua vida
Foi a comadre parteira popular
Dizia que benzia de quebranto
A beata mais famosa do lugar
Havia nesse tempo aqui no Rio
Tipos que devemos mencionar
Chico Juca, era mestre em valentia
E por todos se fazia, respeitar
O reverendo amante da cigana
Preso pelo Vidigal
O justiceiro
Homem de grande autoridade
Que à frente dos seus granadeiros
Era temido pelo povo da cidade
Luisinha primeiro amor
Que Leonardo conheceu
E que Dona Maria, a outro como esposa concedeu
Somente foi feliz
Quando José Manuel
Morreu
Nosso herói
Novamente se apaixonou
Quando com sua viola
A mulata Vidinha, esta singela modinha cantou:
Se os meus suspiros pudessem
Aos seus ouvidos chegar
Verias que uma paixão (bis)
Tem poder de assassinar

* Memórias de um sargento de milícias , samba-enredo do G.R.E.S Portela em 1966 , de autoria de Paulinho da Viola.

                                                     

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