20 de janeiro de 2013

O Judiciário e suas interferências

É inimaginável, numa sociedade civilizada, viver sem um poder Judiciário. Com efeito, não há organização social que resista sem arcabouço de normas de comportamento, disposição de direitos e deveres.

A normatização é fundamental e sem um órgão com poder coercitivo, teríamos a lei do mais forte, o império da selvageria. As normas morais e éticas não bastam porque não há sanção quando violadas. Não são exigíveis.

Certo, sempre se pode evitar a proximidade com aquele que não tem escrúpulos de natureza moral, mas a sociedade, como um todo, não tem como reprimi-lo.

O poder judiciário é hierarquizado. Temos as diferentes instâncias, que têm suas competências estabelecidas na Constituição Federal, e em cada grau de jurisdição como regra geral, em razão do lugar, em razão da matéria ou em razão da pessoa.

Exemplificando, se o imóvel está localizado em Niterói, as ações a ele relacionadas devem ser propostas na comarca de Niterói.  Se você pretende entrar com reclamação contra seu empregador, deve procurar a Justiça do Trabalho e, finalmente, se a hipótese é levar a julgamento em parlamentar federal ou o presidente da República, o foro competente será o STF.

Temos aí, grosso modo, exemplos de competência em razão do lugar, da matéria e da pessoa.

No topo da pirâmide do Judiciário, pirâmide esta formada por juízes e tribunais estaduais e federais, está o Supremo Tribunal Federal. O STF, nas sábias palavras de Rui Barbosa, tem o direito de errar por último.

Sim, porque é impensável  um órgão julgador que seja infalível (porque composto por pessoas), mesmo sendo este órgão a mais alta corte de justiça do país.

Bem, dito isto penso haver deixado claro que não sou contra o poder judiciário. Nem pensar.

Todavia, algumas decisões do Judiciário me incomodam sobremaneira, porque  por vezes são interferências na vontade da maioria das pessoas.

Teria vários exemplos mas vou me fixar em dois apenas.

Você mora num prédio que tem um regulamento que não permite aos moradores a posse de animais. Mas chega um novo morador que tem um labrador.

O Síndico (administrador do prédio), o procura e informa que ele deverá se desfazer do animal ou mudar do edifício. Que faz o dono do cachorro? Com apoio na Constituição que assegura a todos acesso ao judiciário para defesa de direitos, entra com ação judicial para obter decisão favorável que lhe assegure manter o animal, mesmo que contra disposição expressa do regimento interno do edifício.

E conseguirá a sentença favorável (jurisprudência predominante), ressalvadas as premissas de que seja o animal de pequeno porte e que não cause transtorno aos demais moradores.

Ora vejam só, um pretenso direito individual (de ter o cachorro), prevalece sobre a vontade de todos os demais moradores. E tanto isto é verdade que os que lá viviam aprovaram, em decisão colegiada, numa assembleia, a norma que proíbe a presença de animais no prédio.

O caso permitiria outras abordagens, tais como se um labrador é de pequeno porte. Se causaria, ou não, transtorno para os demais moradores.

Um labrador pode até ser dócil, mas pode assustar. Participei de um caso envolvendo esta raça de animal. Diariamente seu proprietário o levava a passear e fazer suas necessidades fisiológicas. Mas como natural a ansiedade do animal naqueles  momentos era muito grande. Por isso, mal era aberta a porta do apartamento ele saia com pressa, precisando ser contido pelo dono, que segurava a guia presa na coleira.

Mas o cachorro fazia força para avançar mais rápido e como o piso do hall de elevadores era liso (granito polido), suas patas deslizavam como em desenho animado. Vai daí que num certo dia, a mãe da moradora do mesmo andar, chegando para visita à filha, mal abre a porta do elevador, se depara com aquele cachorro avançando (embora contido), com as patas escorregando fazendo barulho, e se assusta. Era uma senhora de seus 82 anos que, embora hígida, não possuía suficiente equilíbrio; com isso caiu e, do tombo, resultou fratura do colo do fêmur.

Que drama, não? A história é real.

Outra intromissão, a meu juízo indevida e infeliz, via sentença, é quando  assegurado a um pretendente qualquer, o ingresso no quadro associativo de algum clube mais seletivo, daqueles que utilizam o sistema de bolas (pretas ou brancas), que devem ser atribuídas pelos demais associados.

Ora bolas (sem trocadilho), acho que um grupo de pessoas tem todo o direito de organizar um clube e estabelecer que o ingresso a este clube seja restrito a pessoas com os mesmos gostos, os mesmos objetivos o mesmo comportamento social.

Em recente crônica, Martha Medeiros abordou a questão das pessoas que são facilmente identificáveis como da sua comunidade. São aquelas que ela chama de "minha turma", e que "são as que falam sua língua, enxergam o que você vê, entendem o que você nem verbalizou. São os que acham graça das mesmas coisas, que têm o mesmo repertório. São as que não necessitam de legendas e estão na mesma sintonia e cujo histórico bate com o seu."

E muitas vezes um corpo estranho, e agora sou eu quem quem o diz, é mantido nestes organismo (sua turma) na base de inibidores de rejeição, caracterizados como liminares e sentença judiciais.

Quem discorda desta possibilidade de estabelecimento de turmas,  pensa logo em discriminação racial ou social, mas acontece que a restrição pode ter por meta a manutenção de um certo comportamento. Fico imaginando alguém que comprou uma casa num condomínio privado, de luxo, pensando em ter tranquilidade, segurança e convívio com pessoas educadas , e de repente, não mais que de repente, um pagodeiro ou um jogador de futebol compra a casa vizinha no condomínio. E este pagodeiro resolve promover todo final de semana, uma roda de samba, convidando um monte de sambistas para tocar pagode  e cantar. Ou o jogador convida seus amigos da comunidade onde residia para tomar banho de piscina e promovem a maior algazarra.

Pagodeiros e jogadores de futebol merecem respeito. Devem ter os mesmos direitos porque somo todos iguais.

Mas e aqueles que não gostam de pagode e porque preferem uma vida calma, por vezes até por necessidade (idade, doença) foram morar naquele condomínio que acabou descaracterizado?

Sou contra discriminações (em termos), mas sou também a favor de agrupamentos sociais (em prédios, clubes, etc) de iguais. Pessoas que prefiram ler e discutir literatura, ou prefiram ópera, têm que ter o direito de manter seus guetos.

Lembro que, há muitos anos, tendo comparecido a um coquetel no Clube Harmonia de Tênis, em São Paulo, dos mais fechados e requintados à época (nem sei se ainda existe), ouvi numa roda na qual estavam dois associados que o Silvio Santos estaria pleiteando adquirir um título, e a maioria dos sócios era contra. Por sua origem pobre, de camelô. Dinheiro ele tinha, mas não tinha berço. Já imaginaram o Silvio jogando aviãozinho feito com cédulas de vinte reais em plena festa de réveillon do Harmonia? Quem quer dinheiro?

Os direitos individuais precisam de tutela, mas os desejos e vontades das  coletividades também precisam ser respeitados. E o Judiciário o mais das vezes favorece o individual.

12 comentários:

Anônimo disse...

Data venia, não concordo.
Não aceito qualquer forma de exclusão.

Freddy disse...

Carrano, concordo com você.
Há que cuidar de exclusão social em grande escala, mas há que haver redutos onde possamos nos esconder sem sermos importunados por gente que não partilha de nossos gostos.

Se as regras estão bem claras (clubes, condomínios, restaurantes, hotéis), não vejo porque achar que elas embutem um sentido de exclusão. Você tem toda a liberdade de escolher um que se adeque a suas necessidades.

=8-/ Freddy

Ana Maria disse...

Ai ai ai. Nem sei se vou comentar. A coisa toda me parece estranha. Guetos de pagodeiros? Condomínios exclusivos para bem nascidos? Acho que a febre de ontem chamuscou meus neurônios. Como recomenda o colega de comentários, vou procurar uma montanha.

Jorge Carrano disse...

Deus do céu!!!
A febre deve ter sido altíssima. Porque "burrice" não é que seu sei.
Leitura desatenta, talvez. Quem falou em gueto de pagodeiros? Você está em blog errado, Ana Maria. Aqui, pelo menos neste post, o exemplo é de gueto de apreciadores de ópera. Uma alegoria.
Ainda assim, bom domingo e um beijo.

Ana Maria disse...

Sim. Sua citação se referia a minoria de apreciadores de óperas, mas faz sentido nos dois polos. Acho que entendi seu post, mas não queria me estender no comentário.
Vc fala em regras, leis e no judiciário, certo? Mas quando a decisão da justiça vai de encontro a um grupo elitista vc se revolta.
Claro que eu também procuro minha turma. Mas no meu caso, ela contém pagodeiros , aficcionados de rock, evangélicos, macumbeiros... Gosto de pessoas e convivo bem com elas.
Afasto-me das que invadem meu espaço, e nisso tenho a lei a meu favor. Lembra o que vc disse. Podemos coabitar desde que a atitude do outro " não cause transtorno aos demais moradores".Se causar, a própria lei irá reprimi-lo.
Se acha que não captei a mensagem do post, coloque na conta da febre para não embaçar minha imagem.

Jorge Carrano disse...

Imagem linda, limpa, nítida, com ótima resolução (rs)
Bj.

Riv4 disse...

A questão é cultural. Nos EUA, por exemplo (O Ricardo poderia confirmar), ai daquele que perturbar o entorno, sob qualquer forma de perturbação - música, latido de um cão, vazamento de banheiro, etc, etc, etc.
Onde os primos da Isa moram, em New Rochelle, os tribunais de pequenas causas enquadram o cara em 15 dias !
Todos devme saber onde começa e onde termina a sua praia.
Mas aqui no Brasil não dá pra conversar sobre isso. Um país com governantes bandidos,com bandidos armados e a população desarmada, com desordem urbana e social, com inversão de valores e impunidades ..... realmente, corram para as montanhas !

Riv4 disse...

Complementando com matéria do GROBO de hoje : é ou não é um país BANDIDO, do MAL ?

http://oglobo.globo.com/pais/infografico-lideres-sob-suspeita-7369680

:(

Riv4 disse...

Complementação 2

É ou não é um país BANDIDO ?
A corrupção, a impunidade, a irresponsabilidade e a incompetência impregnam todos os poderes, todas as pessoas que deveriam fazer pelo povo e pelo país.

Está aí, tristemente, o resultado disso tudo : A BANALIDADE DA MORTE, como acontecia tragicamente na Colômbia na década de 80.

Foram-se quase 300 jovens .... e vai ficar por isso mesmo, como ficou o TAM em Congonhas, o GOL na Amazônia, os assassinatos brutais e covardes que lemos todos os dias nos jornais.

Um país DE MERDA, esse o BRASIL de hoje !

Como já disse uma vez o FREDDY, hoje tenho vergonha de ser brasileiro.

Jorge Carrano disse...

Certo, Riva.
Todavia, e estou inteiramente a vontade para comentar porque quem me conhece sabe o quanto sou crítico em relação a política e aos políticos (portanto autoridades), entretanto, repito, neste episodio em Santa Maria, que suponho você alude, o que mais me deixou repugnado foi a atitude dos proprietários (e seguranças), que não permitiram que as pessoas deixassem o recinto sem pagar as comandas. Pura ganância, colocar o dinheiro acima da segurança (e da vida) das pessoas. E quanto a isto os governos são culpados remotamente (problema da educação do povo).
Há, lógico, culpa objetiva das autoridades, que concedem alvarás para ambientes impróprios para os fins s que se destinam. Materiais inadequados, falta de portas de emergência, etc.
Mas a atitude dos proprietários (tomei ciência pela imprensa) me causou náuseas.
Triste país!

Riva disse...

Complementando meses depois :àqueles que ainda acreditam em alguma justiça no Brasil Bandido :

http://oglobo.globo.com/pais/carandiru-especialistas-aprovam-sentenca-mas-tem-duvidas-se-vai-ser-cumprida-8176738

Jorge Carrano disse...

Juiza condenada.

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/08/1800111-tribunal-manda-prender-juiza-por-venda-de-sentencas.shtml