22 de janeiro de 2010

Catástrofes naturais e as visões de Voltaire e Rousseau

O fato é histórico, e existem milhares de registros a respeito. Os personagens são reais, e é notória a desavença filosófica e religiosa entre os mesmos. Existem mesmo teses, estudos, criticas literárias e livros a respeito.

Estou falando do terremoto em Lisboa, ocorrido em 1775; e do literato - também filósofo - Voltaire, e do filósofo - também homem de letras - Rousseau. Ou, para os detalhistas, François-Marie Arouet (mais conhecido como Voltaire) e Jean-Jacques Rousseau.

Acho que em comum eles só tinham o hifen compondo seus nomes.

Mas vamos ao porque desta digressão. Como os fatos são históricos e a polêmica ideológica causada, principalmente, a partir do poema de Voltaire sobre o episódio do terremoto em Lisboa (publico ao final), entre ele e Rousseau ser fato conhecido, pode ter havido uma mera coincidência. E até acredito que foi mesmo o que aconteceu, eis que estamos tratando de dois homens letrados, cultos e eruditos, quais sejam Zuenir Ventura* e Inácio Strieder**.

O fato, todavia, é que entre as matérias assinadas por ambos, existem abordagens muito semelhantes em conteúdo, embora discrepem um pouco na forma e na síntese.

Eu, de minha parte, que recentemente lí o Caim, do José Saramago, acrescento que Voltaire conseguiu um grande aliado na responsabilização de Deus por eventos naturais deste porte.

Pela boca de Caim, Saramago cobra de Deus porque no castigo a Sodoma e Gomorra, ele não perdoou sequer as criancinhas.

Voltaiare, por seu turno, questionou porque foi escolhida Lisboa e não Paris ou Londres, muito mais pecaminosas. E fala também das crianças.

Recentemente um líder evangélico de nome Pat Robertson (nunca ouvira falar dele), disse que a tragédia no Haiti deve-se a pacto feito pelos haitianos com o demônio, em 1804, para expulsar os franceses.

Eu continuo achando que nem deus nem o diabo, aqui na terra (que gira em torno) do sol, têm culpa em cartório nestas questões climáticas. Há uma força, chamada natureza, que tem leis próprias e que jamais será domada.


Trecho livremente traduzido, obtido na rede, do poema de Voltaire:

“Poème sur le désastre de Lisbonne”
«Ó infelizes mortais!
Ó deplorável terra!
Ó agregado horrendo que a todos os mortais encerra!
Exercício eterno que inúteis dores mantém!
Filósofos iludidos que bradais "Tudo está bem";
Acorrei, contemplai estas ruínas malfadadas,
Escombros, despojos, cinzas desgraçadas,
Estas mulheres e crianças amontoadas
Estes membros dispersos sob mármores quebrados
Cem mil desafortunados que a terra devora
(...)
Direis vós, perante tal amontoado de vítimas:
"Deus vingou-se, a morte é o preço dos seus crimes" ?
Que crime, que falta cometeram estas crianças
Sobre o seio materno esmagadas e sangrando?
Lisboa, que já não é, teve ela mais vícios
Que Londres ou Paris, mergulhadas em delícias?
Lisboa em ruínas, e dança-se em Paris.»
(...)



* Em O Globo, edição de 20.01.2010
** No blog Recanto das Letras, em 13.01.2010
http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/2027944

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