1 de julho de 2016

Jubileu de ouro

Estou completando 49 anos de formado em Direito. Na verdade 50 anos de atividades forenses, se acrescido o ano em que fui Solicitador Acadêmico, figura prevista no Estatuto da OAB, que podia praticar, a partir do 5º ano (atualmente 9º e 10º períodos) alguns atos, sempre supervisionado e sob a responsabilidade de um advogado inscrito.


Não é uma data redonda, tradicional, de comemoração. Não são bodas de ouro, por assim dizer, mas um AVC desta feita fatal, uma bala perdida, um desastre no trânsito, um infarto fulminante, como o sofrido por meu pai, poderá frustrar o alcance desta marca significativa.

Então antecipo o registro de algumas efemérides.

Poderia – e deveria -  ter colado grau mais moço, antes do final de 1967, mas a negligência, o desânimo e as atividades extraclasse (Grêmio Estudantil e Federação de Estudantes Secundários), levaram-me a perda de precioso ano letivo, no ensino médio.

Tive a oportunidade de trabalhar, antes de me formar,  no Departamento Legal de uma empresa multinacional, junto a advogados experientes. A par disso, a Companhia tinha, sob contratos, escritórios profissionais de advogados renomados e cultuados,  nas áreas trabalhista, cível e tributária.

Por osmose adquiri algum conhecimento. Muito mais do que nos bancos da Faculdade de Direito da UFF, onde me formei. Não imputo à aludida Faculdade a responsabilidade por meu baixo aproveitamento. Pelo menos não exclusivamente ao corpo docente. É que trabalhando no Rio de Janeiro até às 17 horas, e estudando em Niterói, com aulas a partir das 19 horas, tendo responsabilidades familiares (já era pai) e dificuldades financeiras, vivenciava tempos difíceis.

Como denominada “traça de biblioteca” devorei o que havia nas estantes do departamento jurídico da empresa, em especial as coleções, os tratados, de Direito Civil, do Trabalho e Constitucional. Os autores eram festejados mestres do porte de Mozart Victor Russomano, Evaristo de Morais (pai), Clóvis Bevilácqua, Pontes de Miranda, Orozimbo Nonato e outros.



Orozimbo

Evaristo
Russomano

Protocolando, no Fórum, as petições dos advogados da empresa, ia lendo durante o percurso e me familiarizando com o “dialeto” jurídico, denominado hoje em dia, pejorativamente, de juridiquês, neologismo integrado ao vernáculo, por aqueles que não dominam nosso idioma, pois não estudaram latim e desconhecem a origem da língua portuguesa. O estudo do latim foi proscrito há anos.

O leigo questionar é admissível, embora petições, recursos, sentenças e acórdãos não sejam direcionados aos leigos, mas tem magistrados e advogados que criticam o uso de expressões latinas, e a forma mais erudita dos petitórios, esquecendo que a maioria de nossos institutos jurídicos são oriundos do Direito Romano  (que estudei no primeiro ano da faculdade). Ou seja, nosso direito foi construído sobre o alicerce romano.

É bem verdade que de uns tempos a esta parte, juristas responsáveis por anteprojetos e o congresso nacional, encarregado de debater e aprovar as leis, têm aviltado o idioma e revogado/alterado  normas consolidadas há anos e que ainda seriam perfeitamente aplicáveis nos tempos mais modernos.

Mas o pior é que a OAB instituiu um exame para ingresso e registro de bacharéis na Instituição, mas nesta triagem não é aferido o conhecimento e domínio do idioma pátrio. Disto decorrem aberrações arrepiantes, com petições ininteligíveis, arguição de inépcia ou decretada pelo julgador, e erros crassos, de grafia e concordância.

Assim, pelo narrado no primeiro bloco deste texto, iniciei minha militância há cinquenta anos, no tempo em que advogados – e mesmo solicitadores acadêmicos  – tinham acesso aos juízes. Hoje eles (a grande maioria) se fecham numa redoma, nunca estão disponíveis para atender advogados, colocando secretárias e serventuários (cães pitbull em alguns casos), para atender, e informar que o magistrado não pode atender.

Palácio da Justiça, antigo Fórum, Pça. da República, à noite
No Fórum antigo da cidade, no prédio localizado na Praça da República, os magistrados mantinham abertas as portas de suas salas. Algumas eram do tipo das usadas nos filmes americanos de bangue-bangue. Ou seja, a chamada vai-e-vem.



Os juízes eram bem preparados, tinham cultura jurídica e segurança para ouvir argumentos, debater e decidir de pronto, determinando juntada e retorno para apreciação pouquíssimas vezes.

Porta de saloon (vai-vem)
Um pedido de licença, respeitoso e reverencial, e pronto. Era só expor seu pleito. O processo, o mais das vezes, já fora retirado no Cartório de Notas (antes da oficialização da Justiça), onde depois devolvíamos já com a petição despachada pelo meritíssimo, faltando apenas juntá-la aos autos, tarefa de competência do escrevente, responsável pela Escrivania Cível, nos tabelionatos de notas com competência judicial.

Advogados mais jovens e consequentemente menos experientes nunca ouviram falar em escrivania cível, e achariam que foi erro de grafia meu, se já não tivesse chamado atenção para o fato.

Na área trabalhista o procedimento era ainda mais informal. Nas Juntas de Conciliação e Julgamento então existentes, além do juiz togado, havia dois outros leigos que representavam patrões e empregados, chamados vogais, que eram indicados pelos respectivos sindicatos, patronal e de classe.

Com qualquer deles era possível falar sobre processo em curso e fazer o que chamávamos de memorial de ouvido.

Darei sequência a este post, fazendo comparação entre o Judiciário do século passado, antes da oficialização dos cartórios, da criação da malsinada banca única e até Cartório Unificado (uma excrecência que felizmente não vingou), e do tempo em que os juízes liam as petições e redigiam eles próprios, na maioria dos casos, as sentenças e despachos, e presidiam as audiências.

4 comentários:

Jorge Carrano disse...

Muitos rábulas se destacaram no cenário jurídico e político nacionais.

Menciono este fato como argumento de que não é, necessariamente, o curso de bacharelado, concluído em faculdade que faz um bom advogado.

E eles militaram, até tempos mais recentes, especialmente em cidades do interior, onde não havia advogados habilitados.

Ana Maria disse...

Nossa! Por que vc foi lembrar. Em fezembro completo 47 anos de formada. Parece que foi ontem. Rs

Jorge Carrano disse...

Nossa!!!
Parece que foi ainda há pouco (rs)

Riva disse...

Não sei se é para comemorar ou para refletir. Esse ano tenho o evento dos 50 anos da nossa formatura do Ginasial...... temos nos encontrado na ATIVA, tentando organizar alguma coisa.

Legal demais rever a maioria, cada um com sua história de vida ... impressionante mesmo. Mas saio dali meio arriado ... cada um sai de uma maneira. Eu saio arriado ...

Essa semana faleceu mais um. Menos de 70. Gente muito boa, era dono do restaurante Academia de Niterói, em São Francisco. Uma bela história de vida, e foi-se. R.I.P.

Paredes da memória ... cada vez pendurando mais quadros ...