20 de julho de 2010

Dia do amigo

Hoje é o dia do amigo. Fiz e recebi telefonemas, enviei e recebi emails, abracei uns poucos - porque tivemos encontros acidentais - e refleti muito durante o almoço e no trânsito da cidade, sobre alguns amigos cujos espíritos seguiram seus caminhos (torço que com muita luz), fora do corpo que habitavam aqui entre nós, e, também, sobre aqueles que o destino, como uma roda viva (Chico Burque) carregou p’ra lá, afastando-nos.

Mas houve um, em especial, sobre o qual me detive em pensamento algum tempo mais. E não foi a primeira vez. E este amigo nem está no rol dos mais chegados ou mais fiéis ou mais presentes. Antes pelo contrário, foi um amigo efêmero.

Guardo pouco de suas feições, de sorte que posso até ter cometido o desaforo ou a ingratidão ou quem sabe uma deselegância não cumprimentando em passagens ocasionais nas ruas da cidade, ou num cinema ou por aí.

Deu-se o seguinte. Corria o ano de 1972, mês de março, e eu estava de férias. Por causa disso era irrelevante o fato de ser domingo.

Levantamos cedo e fomos, eu, Wanda e os meninos, para a praia de Itacoatiara. Tinha uma prainha, rasa, ideal para as crianças ficarem sem risco.

Aí pelas dez e meia, o sol já esquentando além da conta, fomos embora. Deixei mulher e filhos em casa, e voltei para Itacoatiara, não para a praia, mas para a casa do Maurício Millar, que lá morava na época.

Tomamos cerveja, contamos piadas, fofocamos e, aí pelas quatorze horas, resolvi voltar para casa. Afinal precisa almoçar com a família.

Vale registrar que minha sogra estava lá em casa e que no dia seguinte viajaríamos para Cachoeiro de Itapemirim, onde ela morava, e passaríamos lá alguns poucos dias.

Pois muito bem. É sabido que álcool e direção não combinam. Mesmo que a ingestão de cerveja estivesse dentro de limites, digamos, sociais, a verdade que eu bebera um pouco.

A estrada para ou da região oceânica era, como de resto ainda é, um verdadeiro martírio no verão. O trânsito pára mesmo. E o sol escaldante das quatorze horas nos miolos, agravado pela presença de gases etílicos, fez-me cometer uma imprudência trafegando na contramão de direção para ganhar tempo.

Não poderia acontecer nada diferente. Fui surpreendido por um veículo que vinha em minha direção e, para retornar a pista on eu deveria estar, fiz um movimento brusco na direção, derrapei e... rumo ao precipício. Ou seja, cai num barranco, só parando alguns metros abaixo, porque uma árvore no caminho deteve o carro.

Enquanto eu ainda meio zonzo tentava deixar o carro, entender o que aconteceu e subir a pirambeira até o asfalto, comecei a ouvir algumas vozes que chegavam aos meu ouvidos como vindas de muito distante dizendo coisas como: quanta irresponsabilidade; que maluco; e outras afirmativas correlatas além, claro, de impropérios mais exaltados.

Foi aí que apareceu este amigo, inesquecível, anônimo, era e anônimo ficou, abraçou-me pelos ombros, rechaçou a presença dos curiosos recomendando que seguissem seus destinos e me perguntou para onde eu queria ir.

Ainda tonto, mas lúcido o suficiente para saber que não seria recomendável chegar a casa naquele estado (a árvore onde o carro finalmente bateu tinha espinhos e por isso arranhei o peito e filetes de sangue apareceram), pedi que me levasse de volta para Itacoatiara, para a casa do Millar.

No trajeto, me dei conta de que no carro dele (o meu ficou preso no barranco e foi preciso um guincho, depois, para retira-lo) havia uma jovem, sua namorada. Pedi um cigarro, pois na época eu ainda fumava (só deixei o vicio em 1982) e ele me cedeu um, dos dois últimos do maço muito amarrotado.

Bem, na casa do Millar despedimo-nos, agradeci pela ajuda e sequer perguntei seu nome. Nem ele o meu.

Este amigo, de passagem curta em minha vida, foi extremamente importante num momento de aflição e insegurança.

Que ele sempre encontre em seu caminho pessoas solidárias, humanas, que o ajudem sendo preciso.

Quero encerrar esta homenagem ao amigo desconhecido, fazendo um chiste, para esclarecer o seguinte: quem bebe não deve mesmo dirigir. É irresponsabilidade sim. Por isso, como álcool e direção são incompatíveis, fiz minha opção: vendi o carro.

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