5 de janeiro de 2021

Contando vantagem

 

Nelson Rodrigues é um dos personagens mais citados neste blog. 

O  festejado dramaturgo tinha uma pinimba com Helder Câmara, então cardeal arcebispo de Olinda e Recife, pela oposição deste último aos governos militares. 

Helder Câmara era o "padre de passeata", o "cardeal vermelho", o interlocutor com o sobrenatural. 

Em suas crônicas deliciosas, fossem sobre o cotidiano das pessoas, retratando a vida como ela era, na sua visão, fossem sobre o futebol, fossem as de cunho político, seu estilo irreverente, irônico, mordaz sempre estava presente.

Frasista emérito, cunhou sentenças que são referidas ad nauseam até por  quem jamais leu ou assistiu a encenação de uma de suas peças, como políticos, magistrados, sociólogos e até mesmo outros cronistas menos cotados. Veja exemplos ilustrativos.

A intenção aqui era aludir a uma das suas crônicas em especial na qual se permitiu  realizar entrevista imaginária (claro provocativa). Fácil avinhar quem seria o entrevistado.  Quem senão o cardeal que ele rotulava de comunista. 

Entretanto, no correr da pena (como se dizia em tempos idos), melhor dizendo no urso da digitação do texto, lembrei-me de um episódio (real e comprovável), quando incorporei o espírito do Nelson, não na verve mas no estilo, num processo judicial, e logrei êxito ao fim e ao cabo.

O objeto da ação era reparação material por não conformidades observadas em construção de edifício residencial, em outras palavras obra entregue em desacordo - parcial - com projeto e plantas.

O que se exigia da construtora era reparar o que não foi bem executado ou indenizar pelo valor correspondente ao custo do conserto.

Distribuída a ação, devidamente citada a construtora, por seus advogados, sustentou que as minhas alegações eram improcedentes, não correspondiam a verdade e que meu objetivo era denegrir a imagem dela, empresa.

Achei graça intimamente e tive a ideia que os deixou ainda mais fulos da vida com o processo. Peguei a afirmativa de que meu (nosso, pois agia em nome do cliente), objetivo era denegrir o nome da construtora e redigi a réplica inspirado no estilo do Nelson.

Veja, Excelência, como as coisas transcorreram no Condomínio/Autor: um grupo de condôminos que compraram na planta um apartamento num edifício que teria tais e quais características e padrão de qualidade, receberam as chaves de suas unidades habitacionais com pequenos problemas e o prédio com várias não conformidades.

Então resolveram se reunir numa noite, em assembleia geral, depois de um cansativo dia de trabalho e atividades diárias com filhos e administração doméstica, algumas das mulheres presentes abdicando da novela das oito da noite e, em face do descontentamento e decepção com as condições da edificação, deliberaram por unanimidade: vamos denegrir a imagem da construtora. 

Aprovaram a contratação de um advogado, e o pagamento das custas judiciais correspondentes, pelo simples desejo de denegrir a imagem da firma construtora.

Surreal.

Será que foi assim que aconteceu? Pouco importavam os defeitos da obra, os contratempos e riscos com as pastilhas cerâmicas da fachada caindo, o custo da reparação de todas as demais imperfeições, como infiltração de água na garagem, desde que fosse possível denegrir a imagem da construtora? E arrematei: Nem o Nelson Rodrigues seria capaz de conceber esta situação, esta hipótese.

Bem deixarei para outro dia a publicação e comentários sobre a imaginária entrevista feita pelo Nelson com o cardeal arcebispo. E sabem por que me lembrei desta crônica da entrevista imaginária? Fácil adivinhar, vou fazer com o Bozo.

7 comentários:

Calfilho disse...

Nelson Rodrigues, Carrano, é um dos meus autores preferidos. Acho até que me inspiro em seu estilo em muita coisa que escrevo. Gosto da sua ironia, do seu quase cinismo com os fatos da vida, de sua ironia, até de seu sarcasmo. Também pelas crônicas sobre futebol, muitas delas debochadas, irreverentes. Não concordava com sua orientação política, aliás nem seu próprio filho concordava com ele. Foi um dos maiores dramaturgos da literatura brasileira. Suas participações nas resenhas de futebol eram deliciosas.

Jorge Carrano disse...


Carlinhos,
Geralmente o autor é menor do que sua obra.

Há exceções, mas são realmente exceções.

Riva disse...

Se juntaram para denegrir a imagem da construtora !

Pode isso, Arnaldo ? Nesses termos ?
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Os clientes do PdB (Pub da Berê) poderiam comentar o que acharam do Alcolumbre arquivar os pedidos de impeachment dos ilustres do STF ?

Jorge Carrano disse...


Riva,

Tive oportunidade de ver alguns murmurando à sorrelfa com o James, curiosos porque o Maia engavetou mais de trinta pedidos de impeachment contra o Bozo.

Jorge Carrano disse...


O número é pior do que eu mencionei. São 56 pedidos de impeachmente contra o Bozo.

Leiam:

https://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/rodrigo-maia-ja-recebeu-56-pedidos-de-impeachment-contra-bolsonaro/

Riva disse...

Mas e os do STF ? Nada a comentar, como sempre ?

Jorge Carrano disse...


Publiquei uma postagem em sua homenagem.

São dados obscenos. Mas como diria o Bozo: - E daí?

O que você sugere?