21 de março de 2020

Ensaio sobre a cegueira, revelador e assustador




Foi meu primogênito que me apresentou ao José Saramago. O livro sugerido foi “A jangada de pedra”. Já lá se vão muitos anos.


Apaixonei-me pelo autor. A partir dali li todos ou quase todos os seus livros, os mais antigos e os publicados após “A jangada de pedra”.

Em língua portuguesa, a meu juízo, poucos se aproximam de sua verve, e nenhum ao estilo.

A prova irrefutável de minha admiração por Saramago está nas vezes em que foi citado neste diminuto espaço virtual.

Esta digressão, talvez desnecessária, foi para me permitir escrever sobre uma de suas obras mais impactantes: “Ensaio sobre a cegueira”.

Esqueçam se assistiram ao filme homônimo, baseado no romance. Não assisti, mas duvido e faço pouco que o filme entregue a mesma carga assustadora sobre a miséria, a baixeza, a inveja, e o egoísmo humanos.

A epidemia de cegueira branca, na designação do autor, que muito rapidamente atinge os moradores de uma cidade a qual  Saramago não dá nome, faz-nos temer por nossa humanidade, equiparando-nos a animais irracionais.

Assim como não deu nome à cidade, não atribui nomes aos personagens que são identificados apenas por características físicas ou de indumentária ou de parentesco. Isso ajuda a tornar universal o comportamento  das pessoas.

Espero, e espero muito, que não cheguemos a situação narrada no livro. Sobretudo que não tenhamos que ficar confinados em hospitais de campanha improvisados.

Foi neste tipo de ambiente, no caso um manicômio, imposto como segregação pelas autoridades da localidade onde se abateu a epidemia, que as relações pessoais e sociais dos personagens se revelam assustadoras.

Difícil, tendo lido o livro e verificando a cada momento a velocidade de propagação do vírus, sua letalidade e inexistência de vacinas e medicação próprias, associados  a escassez de recursos como respiradores mecânicos e vagas em unidades de tratamento intensivo, não se preocupar com o que poderemos viver adiante.

Depende fundamentalmente de nós mesmos, criarmos as barreiras contra a disseminação da doença: ficando em nossas casas para que não sejamos contaminados e nem sejamos vetores de propagação.

Saramago é de difícil leitura, concordo com a avaliação de alguns. A falta de pontuação, senão vírgulas, nos impede de respirar. Somos atropelados pelos acontecimentos, exatamente como estamos sendo com o crescimento de vítimas do coronavírus diariamente, mundo afora.

Não obstante esta característica do festejado autor português, na forma narrativa, sugiro que aproveitem a folga forçada pela falta de futebol, cinemas e teatros, que leiam Saramago. Qualquer de suas obras.

Estas duas abaixo são deliciosas: “Caim” e “A vigem do elefante”

 






14 comentários:

Jorge Carrano disse...


A associação entre a obra ficcional e a pandemia que ora enfrentamos é inevitável porque o comportamento humano é semelhante nos dois cotextos.

O egoísmo presente naqueles que compram grandes estoques de produtos pensando apenas em si mesmos, sem se se preocupar com os que virão em seguida e não encontrarão o produto.

Mas a solidariedade também se manifesta e temos podido constar vários casos mundo afora.

Jorge Carrano disse...


Há dez anos postei aqui sobre a dedicatória de Saramago feita a sua companheira como exemplo de síntese, de companheirismo, de afeto e respeito.

Selecione o endereço a seguir e cole na barra de seu navegador:

https://jorgecarrano.blogspot.com/2010/04/pilar-como-se-dissesse-agua.html

Jorge Carrano disse...


Não sei se exagero colocando Saramago ao lado de
Dostoiévski como um dos maiores escritores de todos os tempos.

Que me perdoem os acadêmicos e críticos literários de plantão se cometo heresia.

Tive, na adolescência, o privilégio de ler "Os Irmãos Karamazov".

Listei alguns autores, de estilos, idiomas e épocas diferente que analisaram soberbamente, à perfeição, o comportamento humano e nossa almas.

Leiam em:

https://jorgecarrano.blogspot.com/2017/10/leituras-fundamentais.html

Jorge Carrano disse...


Entreouvido:

"O planeta ficou doente por causa da baixa humanidade"

O oportunístico chiste não deixa de ter algum fundamento.

Maria Cecília disse...

Boa comparação entre o tema do "Ensaio sobre a cegueira" e nosso momento atual.
A mesma perplexidade e insegurança .
Parabéns.

Ana Maria disse...

Não é exagero qualquer elogio ao Saramago. Haja vista o reconhecimento mundial através do Nobel de Literatura.
O único escritor em língua portuguesa a ser agraciado.

Jorge Carrano disse...


Cidade unida, pelo esporte, em defesa de todos:

https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-ingles/noticia/umacidadeunida-city-e-united-se-unem-para-ajudar-manchester-contra-o-coronavirus.ghtml

RIVA disse...

Continuo muito "confuso" com o que devemos ou não fazer. Parei de acompanhar as dezenas de programas analisando a situação, pirante, deprimente, assustador esse pânico todo gerado.

Estamos trancados em casa, sem brigar até agora, eu e a MV. Filhos só pelo WhatsApp.

Ontem o caçula na casa dele, tomando banho, o blindex do box explodiu e ele se cortou em vários pontos. Um susto desgraçado, nós distantes (ele mora na Tijuca), mas ao final foi medicado, tudo deu certo.

Pedimos as compras pelo telefone, que são entregues horas depois, e tem que higienizar tudo .... uma loucura.

Os negócios pararam e não sei como vai ser essa pancada na vida de todos nós, das empresas, o emprego de todos, pagamentos, salários. Não vivenciei nenhuma das guerras mundiais, mas estou vivenciando a 3ª com certeza.

Estamos em guerra, contra um inimigo invisível às lentes sem grau, e desconfiado de quem pode ter iniciado tudo isso, com que intenções.

Fico pensando quanto tempo essa galera vai aguentar sem sua praia, seu Maracanã, sua cervejinha com os amigos no bar, o joguinho de sueca nas praças, ir nos shoppings, no cinema,sua caminhada no calçadão....será que explode num "foda-se" monumental e vai às ruas, VIVER ?

Sim, porque enclausurados temos tudo para adoecer mentalmente. Eu já estou meio esquisito, confesso, ficando agressivo, intolerante com tanta asneira que vejo nas mídias, doido pra responder do meu jeito e contido pela MV ...

Duro mesmo foi ter assistido esses mesmos canalhas que hoje sobem no palanque com o coronavírus, virarem as costas para tudo isso durante as centenas de blocos de Carnaval e o desfile das apoteoses, há pouco mais de 1 mês, todo mundo aglomerado se contagiando ... afinal, aquilo ali valia milhões e milhões de reais, nem Deus sabe de onde veio essa grana .....mas com certeza, para a SAÚDE do povo não veio.

E os senadores e deputados continuam quietos em relação à nossa grana do FUNDO PARTIDÁRIO e do FUNDO ELEITORAL, e a mídia leniente quieta. Um NOJO !!!!

Só desejo e espero que em outubro a população não jogue LIXO nas urnas, novamente !

Desculpem, azedei .....









Jorge Carrano disse...


Riva,

Entra no website da prefeitura busca o Decreto nº 13.
521/2020.

Restrições em geral.

Jorge Carrano disse...


Pensei que o Blindex oferecesse mais segurança porque apregoam que o vidro temperado é mais rígido, tem maior resistência térmica e se estilhaça em pequenos fragmentos quando é danificado. Alardeiam que devido as suas características, este vidro ao ser quebrado se estilhaça em inúmeros pedaços pequenos o que os torna menos susceptível a causar ferimentos nas pessoas.

Propaganda enganosa?

Riva disse...

Sim, estilhaça em fragmentos de mais ou menos 5 a 10 mm de diâmetro, mas na explosão machucam quem estiver perto. Num box vc sempre estará perto.

Ele teve alguns cortes profundos nas mãos, ufa não atingiu os olhos, e a dificuldade de atendimento hoje é enorme, sem falar se vale a pena vc ir em algum lugar para ser atendido.

Vou te mandar uma foto do local como ficou.

Bom domingo a todos !! Cuidem-se.

Jorge Carrano disse...


Recebi a foto e mudei meu conceito sobre a segurança do Blindex. É relativa, como diria Einstein.

Bom domingo.

Riva disse...

Acabei esquecendo de falar ...não consigo ler o SARAMAGO.

Simplesmente não consigo dar seguimento àquela leitura inacabável. Tentei 1 ou 2 vezes, Evangelho Segundo JC, não lembro o outro.

Desisti.

Jorge Carrano disse...


Aconteceu comigo, não conseguir chegar ao fim de um livro, em duas tentativas, por causa da tradução para o português.

Falo de Ulisses, de James Joyce, obra importante para o romance moderno, e consagrada pela crítica.

Houve um tempo em que se você não tivesse lido Ulisses era considerado alienado literariamente. No original seria impossível para mim. A tradução disponível, de Antonio Houaiss, era ininteligível, chata, enfadonha, rebuscada, muito erudita.

Por isso nas duas tentativas não logrei êxito em conhecer a história de um dia na vida de Leopold Bloom, um judeu vivendo na Irlanda acatólica, entre os dias 16 e 17 de junho de 1904.

Ele era um agente publicitário, ou seja, trabalhava vendendo anúncios para jornal.

Até que tomei conhecimento, através de revista literária, da tradução mais coloquial, menos prolixa e empolada de Bernardina Pinheiro.

Consta que em uma parte do livro Joyce ignora a pontuação e torna dificílima a leitura, por isso me lembrei de Saramago e seu comentário, caro Riva.