12 de abril de 2016

Estou na área

Por
GUSMÃO


Saí de fininho e volto como penetra. Em outras palavras, eu estava na festa, resolvi sair e agora, sem convite, tenho que pular o muro para me incorporar aos demais convivas do pub.

Noutro dia o CEO (Chief Executive Officer) falou de sua infância e juventude, contando coisas que a molecada de hoje não faz mais e nem conhece.

Esqueceu, ou omitiu por alguma razão coisas que nós, agora septuagenários, fazíamos sem pudor, sem remorso, sem sentimento de culpa.

Exemplo? Apelidar o colega negro de Sabará. Antes de Pelé, a referência de negro conhecido, aqui em Niterói, era o ponta-direita do Vasco. E o amigo nem estava aí para o apelido.

Não havia no apelido nenhuma maldade, nenhuma discriminação, antes pelo contrário, a comparação era com alguém bem sucedido, famoso.

Alguns de nós éramos mais arteiros. Mas mesmo os comedidos praticavam suas peraltices, como por exemplo escamotear as fichas dos ônibus, que serviriam de paletas ou mesmo jogadores, depois de lapidadas nos bordos, no jogo de botão.


No capitulo jogo-de-botão eu era o terror da família, porque não podia ver uma daquelas capas de shantung, celebrizadas pelo Humphrey Bogart em Casablanca, que furtava para transformar em Pirilo, Otávio ou Braguinha (se não lembram sou botafoguense).


A técnica para fazer com que o botão não pulasse, era desbastar, raspando com um caco de vidro ou outra coisa cortante, aquele ressalto que tem na extremidade dos botões e que não permitia que eles deslizassem no chão.

Saibam que  jogávamos no chão (da varando ou outra superfície lisa), demarcando o campo de jogo com carvão ou giz.

E o cerol? Fiz muito cerol. Era uma trabalheira danada. Primeiro conseguir um pedaço de barra de cola (de madeira, de sapateiro), que era derretida numa lata.

Cerol na mão, era aplicado na linha
O vidro era moído, até virar pó, com a utilização de um paralelepípedo, depois era só acrescentar o pó na cola derretida, mexer bem com um pauzinho e deixar esfriar um pouco para aí então aplicar na linha (nº 10). Tinha a rococó, mais grossa e resistente, mas era mais caro o carretel.

Hoje o cerol é proibido (pelo risco de acidente) e seria politicamente incorreto porque acabaria sendo considerado maldade cortar a linha da pipa de outro, prejudicando sua brincadeira e causando prejuízo.

Coitada da geração smartphone. Tudo para eles é virtual.

A bola de meia era um capítulo a parte. Quando bem feita, com aquelas meias femininas, de nylon, que quando puxava o fio a mulher não usava mais, eram ideias. Quando bem feitas até quicavam um pouquinho.

Jogar bola de meia é uma experiência única que as crianças de hoje em dia não terão. Havia, entre nós, um ou outro filho do papai que podia comprar bola de capotão, mas a número três, que tinha diâmetro menor do que a oficial que era  número cinco.

Joguei algumas vezes com a Superball nª 3. Era igualzinha a oficial a diferença era apenas de tamanho.

Quem aí saltou de bonde andando? Era de lei os rapazes aprenderem a descer com o bonde ainda em movimento. E viajar no estribo tinha a vantagem de eventualmente não pagar a passagem. Dependia da distração do trocador.


Caramba! Em poucos parágrafos pelo menos duas confissões de culpa: furtar as fichas dos ônibus não as colocando na caixa coletora do veículo; e furtar os botões das capas dos familiares.

Assim éramos no pós-guerra. Pés descalços e braços nus, como  eternizou Casimiro de Abreu, em “Meus oito anos”. 

Obs: as imagens são do Google.

11 comentários:

Jorge Carrano disse...

Boas lembranças, Gusmão. Más lembrança, Gusmão.

Paulo Bouhid disse...

Esqueceram das "guerras" de mamona, às vezes com a mão, às vezes com atiradeira (estilingue). Doía pra caramba. A gente chegava todo verde em casa e ainda levava uma escovada da mamãe...

Descidas de ladeira em carrinhos de rolimã, sem freio, tendo que fazer uma curva de 90º no final... impossível, e inevitável capotagem caindo na rua principal!!

Nos botões, até tampa (de plástico) de relógio... eu era o campeão mundial da minha rua...

Bolas de gude!!!! Triângulo, zepe (zepelim)... e tinha que ir buscar a péla (última gude do adversário).

E vai por aí...

Jorge Carrano disse...

Acho que os nascidos entre 1940 (meu caso) e 1950, vivemos todos as mesmas experiências infantis, seja no campo da diversão, seja na escola.
Convivi com vários meninos que regulavam a minha idade e todos fazíamos as mesmas coisas.
Fazíamos as cafifas parecidas, cerol da mesma maneira: esticávamos a linha de um poste a outro e íamos com mão cheia da massa de vidro e goma esfregando na linha, pressionando o suficiente ara não ficaram bolhas).
Mas não éramos somente nós, em Niterói, que fazíamos assim.
Íamos com bastante frequência ao bairro do Andaraí, no Rio, onde nasci e moravam algumas irmãs de minha mãe (eram seis irmãs).
Lá, nas ruas Ferreira Pontes e Paula Brito, a garotada jogava pelada na rua, jogava bola-de-gude, com búrica ou beú, como nós aqui.
A diferença um pouco maior era com relação as pipas. Ele faziam pipas mesmo, exagonais e com varetão de foguete, que é bastante leve.
Também trituravam o vidro para o cerol. Um ou outro colocava o caco de vidro no trilho do bonde e depois recolhia o pó. Mas perdia muito.
Enfim foi uma época em que tínhamos algumas dificuldades, racionamentos, brinquedos quase todos importados, muitos feitos com Galalite.
Mas foi muito bom.

Riva comendo uma salada de frutas no trampo disse...

Bom retorno, Gusmão ! E saudosista, como eu.

Freddy, que parece deu um sumiço, era especialista em cafifas e balões. Eu muito raramente ajudava na confecção.

Mas lembro que para moer o cerol, colocávamos vidrinhos de remédios vazios num saquinho, amarrado, e colocado no trilho do bonde, no Largo do Marron. Se a granulometria ainda não fosse a desejada, era marreta mesmo para o acabamento final. O carretel de Linha 10 ou Rococó era desenrolado e esticado entre postes na rua, para a passagem do cerol.

O mesmo sistema era utilizado para preparar as bandeirinhas das festas juninas ... putz, que saudade daqueles tempos ! Já sinto até o cheiro dos salsichões assados na brasa nas quermesses, as quadrilhas (não como as de hoje em Brasília), quando esperávamos a passagem da menina de preferência.

Anarriê !!! Olha a cobra !!! Ôpa !!! rsrsrsrs

Jogo de botões : exatamente como Gusmão descreveu. O mais legal era que quando alguém com grana comprou uma mesa de verdade para jogar, ninguém gostou. Preferíamos o chão da varanda de algumas casas de amigos.
Goleiros em caixas de fósforo Fiat Lux, com chumbo dentro, pesadíssimos, para rebater bem a bola nas defesas; zagueiros altos(colagem de 2 botões).

Até que um belo dia alguém resolveu introduzir no jogo bolas realmente redondas de cortiça (antes eram pequenos discos).Foi um desespero !! Quem era bom virou pereba, quem era pereba virou o craque, foi uma revolução no bairro !!

Relembranças !!


Jorge Carrano disse...

Os dois últimos comentários (meu e do Riva) comprova o que escrevi. Tinhamos todos quase as mesmas experiências.

Até o caco de vidro no trilho do bonde o Riva referiu.

Jorge Carrano disse...

O Paulo Bouhid não deve ter ido para São Francisco de bonde. E não acreditará que o percurso era pela Estrada Fróes.
Notaram a foto?

Jorge Carrano disse...

Resultado não surpreende.
Vejam odiados:

http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2016/04/pesquisa-fla-segue-com-maior-torcida-do-pais-e-timao-e-o-mais-odiado.html

Riva disse...

Só podia ser pela Fróes, pois o túnel ainda não existia. Não lembro em que ano o túnel foi construído. Mas deve ter sido na década de 60.

Riva disse...

Em tempo : aquele 1º cara na foto do Bonde São Francisco devia ser sério candidato ao troféu Clovis Bornay ..... (pano rápido)

Freddy disse...

Seja bem-vindo de volta, Gusmão.

JOGO DE BOTÃO
Eu tinha um ou dois times de botão, comprados prontos já com o escudo do Vasco. Contudo, eles tinham de ser “preparados”. A parte de baixo dos botões de plástico era lixada esfregando-o sobre uma pedra de amolar ou mesmo cimento áspero, até se formar uma base lisa, que era então encerada com carnaúba. Os bordos de ataque também eram lixados cuidadosamente, mais ou menos inclinados dependendo da função do referido botão.

Peguei a época da bolinha de bom-bril, quase não joguei nem com disco nem com cortiça. Daí a importância da inclinação da borda lixada. Quanto mais inclinada, mais a bolinha subia quando “chutada”. Beques em geral tinham-nas quase verticais.

Usava-se muito as fichas de pôquer (preparadas como eu descrevi acima). Teve gente com timaços, com discos de madre-pérola, beques tão altos que até assustavam (mas eram difíceis de serem clicados com a palheta). Era coisa de quem levava a sério o jogo de botão. Não foi meu caso.

CEROL
Sempre usei o método de socar o vidro numa lata com um soquete especial de ponta metálica que eu já tinha separado pra mim (tipo socador de carne, mas liso). Coava nas meias femininas até a granulação desejada.

Dependendo do vidro usado, o fator de corte era mais ou menos intenso. Os melhores vidros para cerol eram:
- vidrinho de sal de fruta Eno;
- garrafa de leite de magnésia (antigamente eram de vidro azul);
- garrafa de coca-cola; essa era raríssima porque era usada na base de troca no mercado, portanto a gente só a conseguia quanto alguma se quebrava e se tornava inútil.

Meu cerol era com cola rala de farinha de trigo. Confesso que o de cola de madeira era melhor, mas era mais difícil de comprar e chato de preparar, armazenar...

BOLAS
Sim, como o Gusmão comentou jogava-se muito com bola de meia feminina. E também compramos bolas Superball nº 3. Contudo, a que a gente mais usava nas peladas da rua era uma chamada de “Seleção Brasileira”, se não me falha o nome. Eram de plástico imitando borracha, mas logo furavam, diminuíam de tamanho mantendo-se razoavelmente arredondadas e... eram melhores que as de meia!

Jorge Carrano disse...

Quando enfatizei o percurso pela Fróes foi pelo fato de ser uma via sinuosa e estreita, onde também transitavam automóveis e caminhões.

Eu estudava no Liceu na época da construção do túnel. Meu professor de física - Edilson - foi um dos engenheiros responsáveis, se não estou enganado.