A origem do ano bissexto
Este ano de 2016 é bissexto. Em nosso calendário, chamado
Gregoriano, os anos comuns têm 365 dias e os anos bissextos têm um dia a mais,
totalizando 366 dias. Esta informação praticamente todo mundo sabe, mas o
entendimento sobre o funcionamento dos anos bissextos ainda é recheado de
dúvidas na cabeça de muita gente.
Muitas “regras populares” foram criadas para calcular anos
bissextos, do tipo:
“Todos os anos que sejam múltiplos de 4 mas que não sejam
múltiplos de 100 (terminem em 00) são bissextos”.
Mas será que isto está correto? E o ano 2000, que foi bissexto e
contrariou a regra acima?
Bom, neste caso é necessário adicionar um “detalhe” à regra, que
ficaria assim:
“Todos os anos que sejam múltiplos de 4 mas que não sejam
múltiplos de 100, com exceção daqueles que são múltiplos de 400, são
bissextos”.
Ah, agora sim! Mas por quê? Quem inventou esta regra? Por qual
motivo? Com base em quê foi criada?
A origem do ano bissexto
Em 238 a.C., em Alexandria no Egito, durante a monarquia
helenística de Ptolomeu III (246-222 a.C.), foi decretada a adição de 1 dia a
cada 4 anos para compensar a diferença que existia entre o ano do calendário,
com duração de 365 dias e o ano solar (em astronomia chamado de ano astronômico
sazonal) com duração aproximada de 365,25 dias, ou seja, de 365 dias + 6 horas.
Com este excesso anual de 6 horas, que após 4 anos completa 24
horas, 1 dia extra deveria ser acrescentado ao calendário oficial, a cada 4
anos, para evitar os deslocamentos das datas que marcavam o início das
estações.
A programação das épocas de semeaduras e colheitas eram baseadas no calendário das estações. Qualquer discrepância neste calendário afetava a agricultura, que era base da economia dos povos antigos.
A programação das épocas de semeaduras e colheitas eram baseadas no calendário das estações. Qualquer discrepância neste calendário afetava a agricultura, que era base da economia dos povos antigos.
Lamentavelmente, esta
tentativa de reformulação do calendário não teve a aceitação necessária e as
discrepâncias permaneceram na contagem dos dias.
Quase 200 anos depois, em 46 a.C. (que naquela época era chamado
ano 708 da fundação de Roma), o imperador romano Júlio César (102-44 a.C.),
retomando as idéias helenísticas, resolveu intervir no sistema de contagem do
calendário, para corrigir mais de 3 meses de desvios acumulados até então e
criou o “Calendário Juliano” que evitaria novos erros.
Para elaborar esta
tarefa, trouxe de Alexandria o astrônomo grego Sosígenes (90-?? a.C.) para
auxiliá-lo e, entre outras modificações, decretou que:
- O ano de 46 a.C teria 445 dias de duração, para corrigir os
desvios acumulados até então.
- Os anos teriam 365 dias e haveria 1 ano bissexto a cada 4 anos a
partir de 45 a.C (que também seria bissexto)
- Seria deslocado o início do ano romano de 1º de Março para 1º de
Janeiro, a partir de 45 a.C.
Em função destas modificações, o ano de 46 a.C. ficou conhecido
como o “Ano da Confusão” e apesar dos esforços, os anos bissextos que se
seguiram não foram aplicados corretamente até o ano de 8 d.C, quando então
finalmente passaram a ser regularmente contabilizados de 4 em 4 anos em todos
os calendários. E assim permaneceu por mais de 1500 anos. Assim:
Para o calendário Juliano, o ano possuía: 365 + 1/4 = 365,25 dias
A origem do nome bissexto
Algumas pessoas pensam que o ano é bissexto porque tem dois
números 6 na quantidade de dias (366), o que está errado.
No antigo calendário romano, os dias tinham nomes com base no
ciclo lunar e um mês dividia-se em três seções separadas por três dias fixos:
Calendas (lua nova), Nonas (quarto-crescente) e Idus (lua cheia). Os dias eram
designados por números ordinais contados em ordem retrógrada em relação ao dia
fixo subseqüente, algo como o costume que temos em dizer um horário de 14:45h
com sendo “15 para as 3”.
Assim o dia 3 de fevereiro, por exemplo chamava-se “antediem III
Nonas Februarii”, ou seja “três dias antes da Nona de Fevereiro”.
O dia 24 de fevereiro chamava-se “antediem VI Calendas Martii” ou
“antediem sextum Calendas Martii”, ou seja “sexto dia antes da Calendas de
Março”.
Ao fazer a introdução de mais um dia no ano, Julio César escolheu
o mês de fevereiro, e dentro deste mês escolheu por “fazer um bis” ou
“duplicar” o dia 24, chamando-o de “antediem bis-sextum Calendas Martii”. Daí
surgiu o nome “ bissexto”, que passou a designar o ano que tivesse este dia
suplementar.
Júlio César escolheu o mês de fevereiro para adicionar um dia
porque, além de ser o mês mais curto do ano, com 28 dias, era também o último
mês do ano entre os romanos, que ainda por cima o consideravam como um mês
nefasto. A escolha da duplicação do dia 24, ao invés de se introduzir o novo
dia 29 (como fazemos hoje) se deu por motivos supersticiosos.
Por que a reforma Juliana do calendário não resolveu o problema em
definitivo?
Com o avanço dos instrumentos de medição, percebeu-se que, apesar
da correção quadrienal, o ano Juliano não era preciso, uma vez que criava um
excesso de 11 minutos e 14 segundos (ou seja 0,0078 dia) em relação ao ano
solar. Essa diferença, com o passar do tempo, foi causando implicações no
calendário das estações e nas datas de alguns ritos religiosos.
Como foi resolvida então a questão?
Em 1582, o Papa Gregório XIII (1502-1585) introduziu uma reforma
no calendário Juliano e criou o “Calendário Gregoriano”. Este calendário havia
sido elaborado, durante vários anos, por uma comissão composta pelo próprio
Papa e vários sábios, entre eles o astrônomo e médico italiano Aloisius Lilius
(1510-1576) e o jesuíta e matemático alemão Cristophorus Clavius (1537-1612).
Essa comissão decidiu o seguinte:
Inicialmente descontaram 10 dias do mês de outubro de 1582 para
corrigir o erro que vinha sendo acumulado até então (neste mês o calendário
saltou do dia 4 para o dia 15) e para acertar o calendário e evitar os futuros
erros, fizeram o seguinte:
Levando-se em conta que a discrepância de um 1 ano Juliano era de
0,0078 dia a mais que o ano solar, ao final de 1 século o excesso atingia 0,78
dia, ou seja, aproximadamente 3/4 de dia. Ao final de cada 400 anos haveria,
então, uma diferença de aproximadamente 3 dias.
Considerando-se que estes dias excedentes seriam introduzidos
pelos futuros anos bissextos, a solução do problema seria então eliminar 3 anos
bissextos em cada 400, ou seja, a partir de 1582 somente poderiam existir 97
anos bissextos em cada 400 anos.
A engenhosidade para resolver este problema
ficou resolvida assim:
Como os anos bissextos acontecem a cada 4 anos, temos 100
bissextos em cada 400 anos. Para termos 97, bastaria "eliminarmos" 3
anos bissextos. Escolheu-se então retirar, a cada 400 anos, aqueles que são
divisíveis por 100 e manter o único ano que é divisível por 400, ou seja, em um
período de 400 anos temos 4 anos divisíveis por 100 a serem retirados (os anos
100, 200, 300 e 400 deixariam de ser bissextos) e 1 ano divisível por 400 a ser
re-incluído na lista (no caso, o próprio ano 400 voltaria a ser bissexto). A
“fórmula” do ano ficaria assim:
365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 = 365 + 97/400 dias
E esta regra do ano bissexto permanece até os dias de hoje assim
intitulada:
“Será bissexto todo ano cujo número seja divisível por 4 e
não divisível por 100, sendo também bissexto os anos divisíveis por 400”.
Assim:
Para o Calendário Gregoriano o ano tem 365 + 97/400 = 365,2425
dias
E será que o problema da contagem do ano bissexto foi
definitivamente resolvido?
Infelizmente não, pois como citei anteriormente, apesar do
calendário Gregoriano ter sido criado para resolver o problema dos acréscimos
causados pelo calendário Juliano, o valor aproximado usado nos cálculos para
este acréscimo (3/4 dia a cada 100 anos ou 0,0075 dia por ano) é diferente do
valor real do acréscimo (0,78 dia a cada 100 anos ou 0,0078 dia por ano). Isso
dá uma diferença de 0,0003 dia por ano, ou seja, a cada 3300 anos teremos,
aproximadamente, 1 dia extra que deveria ser retirado.
Assim um ano “moderno” passaria a ter
365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 - 1/3300 = 365,2421969697 dias
Mas não podemos esquecer que, para retirar este dia após 3300
anos, deveríamos fazê-lo a partir do ano de 1582, o que provocaria uma tremenda
novidade para o ano de 4882, pois este não será um ano bissexto (não é
divisível por 4) e ainda deveria “perder” um dia, ficando com 364 dias! Será?
Creio que não...
Na verdade diversas pessoas já propuseram, entre elas o astrônomo
britânico John F. W. Herschel (1792-1871), uma regra diferente para anos
bissextos, ao invés do termo 1/3300 proposto acima, dever-se-ia calcular a
fórmula do ano com o termo 1/4000 (por ser múltiplo de 4), assim o ano ficaria:
365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 - 1/4000 = 365 + 969/4000 = 365,24225
dias
Isso jogaria o famoso “erro” de 1 dia extra para daqui a mais de
20 mil anos! Mas na verdade esta regra nunca foi aceita e hoje não existe
oficialmente nenhuma regra para ano bissextos além daquela que conhecemos e que
foi instituída pelo calendário Gregoriano em 1582.
Por que não é possível termos um
calendário perfeito?
A busca por um calendário perfeito não terminará nunca, apesar da
precisão dos instrumentos de medida aumentarem constantemente, pois o máximo
que poderemos calcular será sempre um valor médio, já que o período em que a
Terra dá uma volta em torno do Sol não é constante. Em sua longa viagem pelo
espaço em volta do Sol, o nosso planeta sofre pequenas alterações de
velocidade, causadas pela influência das forças gravitacionais de outros corpos
celestes. Essas pequenas variações, ao longo de muitos anos, sempre causarão
erros em relação aos nossos calendários “fixos”.
Marcelo Sávio
Bibliografia
[1] Artigo “Ano Bissexto”, de Vincenzo Bongiovanni, publicado na
Revista do Professor de Matemática (RPM) nº 20, 1992 – Editada pela Sociedade
Brasileira de Matemática (SBM).
[2] Nota científica sobre “Anos Bissextos”, publicada no livro
“Anuário de Astronomia” de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, 1996 - Editora
Bertrand Brasil.
[3] Documento “Frequently Asked Questions about Calendars”,
mantido por Claus Tøndering - Disponível na Internet em
[http://www.tondering.dk/claus/calendar.html].
[4] Livro: “Fim de Milênio–Uma história dos calendários, profecias
e catástrofes cósmicas”, por Betília Leite e Othon Winter – Ed. Jorge Zahar
Editor, 1999.
[5] Livro: “Calendário–A epopéia da humanidade para determinar um
ano verdadeiro e exato”, por David Ewong Duncas – Ed. Ediouro, 1999.
Por: Matemática Divertida - Malba Tahan
Notas do editor:
1) Este estudo é de autoria de Marcelo Sávio, que foi, durante algum tempo, amigo virtual do Paulo Bouhid, confrade nosso, também virtual (viva a internet), que me enviou por e-mail. Achou oportuno por estarmos num ano bissexto. Como o texto é bastante didático, não obstante a complexidade do tema, e bem documentado, fruto de profícuo trabalho de pesquisa (vide a bibliografia), acho que seria útil ajudar em sua divulgação, embora sem a autorização do autor. Se e quando houver objeção do Marcelo Sávio, retirarei do ar deletando a publicação.
2) O trabalho é antigo, por isso, no original, inicia com : "O próximo ano de 2008 será bissexto". Tomei a liberdade de modificar para aludir a este ano corrente.
21 comentários:
Já pensou no que irá fazer neste dia a mais?
Como é uma segunda-feira, se não tiver jogo do Vasco (ainda), pretendo descansar e me recuperar do intenso fim de semana...
Boa ideia, Paulo.
KKKKKKKK
Eventualmente tem sido acrescido 1 segundo em determinados anos (não me pergunte quais foram) para acertar essas coisas sem a necessidade de tirar um dia inteiro no futuro.
Contudo, para me manter no tema, eu proporia que o dia a ser retirado fosse em 4884, em vez de 4882. Por quê? Não faria muita diferença depois de 3300 anos adiar 2 anos o acerto. Com minha proposta, 4882 continuaria com 365 dias e 4884, que seria bissexto, deixaria de sê-lo, mantendo-se com 365 dias. Isso dá à coisa uma aparência de maior naturalidade, além de 4884 ser um número bonito.
Freddy, a respeito desse "segundo" a que vc se refere, dê ma olhada neste vídeo. Eu o legendei em português, mas - não me pergunte p q - não o carreguei no Youtube (ficou com 176 Mb). Lá pelo final ele fala nos relógios atômicos e nesse "segundo" que, ora é acrescentado, ora é retirado:
"What if the Earth stopped spinning"
https://www.youtube.com/watch?v=K0-GxoJ_Pcg
Freddy, decidi carregar no Youtube o vídeo de que falei acima. Daqui a pouco estará aqui:
https://youtu.be/7EbZDxof8WI
Pela lei, quem nasce em 29 de fevereiro, em que dia completa a maioridade? Se, por exemplo, nascer este ano. Deixa de ser "dimenor" em 28 de fevereiro de 2034 ou em 1º de março daquele ano?
Agora é aos dezoito anos?
Assisti o vídeo.
Bastante interessante e esclarecedor.
Significa, portanto, outro tipo de instabilidade na contagem do tempo, diferente da que gerou a conta dos bissextos.
Abraço
freddy
Tive distensão cerebral lendo o post e os comentários.
Vou esperar pela incursão da KAYLA. da ANA e da ALESSANDRA, para depois postar o que penso do assunto.
O lado feminino é sábio nessas horas.
Ah, Riva. Este post muito esclarecedor, que se percebe, é resultado de horas e horas de estudo, revela uma interessante teoria que complementa ou se opõe a outras tantas que já foram divulgadas. Parabenizo o autor embora devo confessar que não muda nada na minha vida.
Na minha ignorância chego até a cogitar a indicação deste post para o troféu de cultura inútil. Sorry.
Mesmo tendo cochilado lá pelo terceiro parágrafo o post teve se valor. Não deu nenhum gancho para futebol ou política. Ashuashuashua.
1. Você pode obter uma estimativa grosseira da temperatura contando quantas vezes um grilo cricrila em 15 segundos e adicionando 37 ao número.
2. A indústria de pizza norte-americana serve até 40,5 hectares de pizza por dia.
3. Camelos possuem três pálpebras para ajudá-los a evitar que areia entre em seus olhos.
4. O cérebro de um avestruz é aproximadamente do mesmo tamanho do seu globo ocular.
5. A altura ideal para você derrubar a sua torrada com manteiga se você quer que ela caia com a manteiga virada para cima é de 2,44 metros.
6. Os fundadores da Hewlett-Packard tiraram cara ou coroa para determinar qual nome viria primeiro no nome da empresa.
7. Mulheres piscam mais frequentemente do que homens.
Anônimo,
Agora é aos 18 anos? Em que planeta você vive? Faz 13 anos que a maioridade se completa aos dezoito anos.
Eu te conheço, você quer aparecer rsrsrs).
Lembranças a família.
Atenção:
Na falta da professora Rachel, alerto que a concordância do verbo fazer, acima, está correta.
O verbo fazer indicando tempo não tem sujeito. Pode-se e deve-se dizer: “passaram dezoito anos”. Nunca falar ou grafar “fazem dezoito anos“.
Em suma o verbo fazer no significado de tempo não flexiona, já lecionava a professora Mercedes.
Bons exemplos Paulo, mas meu voto ainda é para o ano bissexto.
Quero ressaltar que respeito o historiador que se dedicou a esse estudo, mas na minha idade,quando o tempo está se esgotando estou inclinada para ideias práticas
Depois de ler todos os comentários, principalmente os do Xará, a distensão cerebral se agravou ... vou para o whisky para tentar voltar depois. rsrsrs
Esse blog não existe ..... é demais !
PS : desculpem minha pouc aparição, mas ..... voltei a trabalhar, e meu novo horário é de 11 às 19h, ou seja, chego em casa tipo 20hs.
Super FDS pra vcs !!
PS : o VASCO continua invicto em 2016
Riva,
Depois do rasgado elogio ao blog, você será contemplado com um ano de assinatura inteiramente grátis. Basta manter em dia o pagamento da mensalidade devida ao provedor, não esquecer de pagar a fatura da Ampla e ter uma plataforma de acesso.
Ainda temos mais três assinaturas para distribuir entre os internautas (comentaristas). Basta elogiar o blog ou o manager (tipo, inteligente, charmoso, culto e espirituoso).
Valeu !!! rsrs
Traçando um Polvo à Espanhola preparado pela Matriarca Vascaína. Sintam o cheiro !!! rs
Hmmmmmmmm! O aroma está muito bom. informe a Matriarca que a assinatura é familiar.
hehehe mandarei foto pelo email daqui a pouco. Schlept !!
PS : hoje teve mais um show do Barça. Impressionante.
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