Em um dos alguns cursos que fiz, na área de desenvolvimento de executivos, ao tempo em que era um yuppie, foi contada a história da construção da arca de Noé, numa versão livre, de sorte a evidenciar alguns dos males que atrapalham algumas empresas, ou instituições em geral.
Passados tantos anos, o texto vem a minha caixa de entrada no correio eletrônico, e não resisto à republicação, pedindo vênia por não declinar a autoria, pessoa física ou jurídica, titular de direitos, se o caso. Desconheço a origem e, na época inicialmente aludida, se foi informado, a memória hoje já me trai.
Mas é sem dúvida um clássico dentre os exemplos, cases, e histórias de administração, assim como o "Mensagem a Garcia" ou a "Lei de Parkinson".
"Absalão
era um homem que se podia conceituar como justo. Era um estudioso, e quando
repetia os sábios dizendo que os lados de um quadrado eram iguais, realmente
tornava-se difícil entendê-lo.
Dos
seus 65 anos de idade, a maior parte havia dedicado à arte da guerra, onde
conceitos técnicos e científicos eram aplicados. Particularmente, era
apaixonado pela organização das forças de combate e o uso de armas avançadas,
tais como lanças de grande alcance, setas orientadas, e na última novidade bélica:
o lançador de pedras. Era um verdadeiro general!
Com
o avanço da idade e o aumento correspondente da sabedoria, Absalão também se
preocupava com os assuntos humanos, os quais porém, o perturbavam um pouco. O
Criador já não era reverenciado como no seu tempo, os filósofos eram
ridicularizados. Havia uma inversão completa na política, acreditava-se mais na
energia e na estultice dos jovens do que na ponderada e segura orientação dos
mais velhos.
Um
dia, Absalão andava pela ravina, imerso em seus pensamentos, quando, de repente
... “PUFF” - uma nuvem de fumaça apareceu, acompanhada de uma voz tonitruante :
-
"ABSALÃO!"
Absalão
prostrou-se apavorado. Só podia ser o Criador, pensou.
E
era. Em Pessoa!
-
"Absalão, - voltou a voz - não estou contente com os homens. Estão
politizados. Guerreiam entre si e só defendem interesses pessoais. O trinômio
Adão/Eva/Cobra deu nisso aí.
Por isso, farei chover por 40 dias e 40 noites,
até cobrir a Terra de água. Isso será conhecido como “O Dilúvio”. Vou
matar todo mundo, mas quero uma nova Humanidade, nascida de um Homem
inteligente, prático e com objetivos.
Vá e construa um barco para você e sua
família, e coloque dentro um casal de cada ser vivo. Você terá 4 meses para
esse empreendimento. Meu contato com você será, doravante, o Arcanjo Gabriel,
que costumam chamar de “Ministro de Deus” ".
E
... “PUFF” ... a nuvem se foi.
Absalão
levantou-se lívido. O Criador elegera-o gerador da nova Humanidade!
Todas as suas idéias seriam propagadas para o futuro!
Mas,
Absalão nada conhecia de barcos, nem de navegação. Porém não discutiria para
não perder a grande oportunidade dada pelo Criador; Absalão era um sexagenário
e estava difícil ganhar a vida com o status de que se achava merecedor.
Todavia... 4 meses ... era muito pouco tempo.
Era preciso resolver um problema
técnico - construir um barco enorme. Que objetivo! Absalão
provaria que era capaz de salvar a Humanidade com a sapiência dos mais velhos,
usando a energia dos mais jovens!
Absalão
rebuscou a memória. Conhecia um engenheiro naval chamado Neul... não, Noé!
Sim, era esse o seu nome. Noé poderia construir-lhe o barco. Absalão
seria o coordenador do EMPREENDIMENTO, e Noé seria o elemento
técnico. Tão logo pensou, tão logo já conversava com Noé.
-
"Meu caro, quero encomendar um barco... e dos grandes!"
-
"Sim, senhor, mas qual tipo, para qual carga, para que navegação?"
- "É um barco
para grande carga e das mais pesadas. Quero fazer uma longa viagem com a
família, e levarei tudo".
-
"Está bem, senhor. Aqui mesmo temos floresta com madeira de densidade 0,8
g/cm3, em quantidade suficiente. Se a carga é grande, faremos
o centro de gravidade baixo e o centro de empuxo alto, de modo a obter grande
estabilidade. Acho que com 10 bons carpinteiros, que consigo arranjar, e mais
um mês de trabalho duro, estaremos com o barco pronto".
-
"Perdão, caro Noé, não quero interrompê-lo, mas como pode ter certeza
dessa cadencidade da madeira? E se os homens são realmente competentes? E se
trabalharão com eficiência?"
-
"Senhor, a unidade a que me referia chama-se densidade, e os homens são
carpinteiros já meus velhos conhecidos".
-
"Não, não, Noé - disse Absalão com um sorriso de condescendência - Este EMPREENDIMENTO
é grande e a coordenação é minha. Serei como que um Presidente, e você
será o técnico. Combinado?"
-
"Combinado, Senhor Presidente, o barco é seu e quem manda é o
senhor", retrucou Noé, dando de ombros. Levantou-se para cumprimentar
Absalão, e retirou-se.
Absalão
pensou: puxa, não havia pensado nisso! São precisos carpinteiros para cortar as
árvores e construir o barco, e preciso selecionar bem esses homens pois o EMPREENDIMENTO
não pode fracassar. Ah! Já me lembro.
Meu auxiliar na Cruzada Santa de Três
Pedras fez ótima seleção de lanceiros. Roboão é o seu nome. Hoje está selecionando
beterrabas para as indústrias egípcias, mas virá trabalhar comigo por um
salário um pouco maior.
-
"Mas, Chefe, se o técnico disse 10 carpinteiros, precisamos no mínimo de
15. O Senhor sabe: faltas, doenças, “turn-over”, férias, etc. E para selecionar
bem 15 homens, temos que explorar um universo de, pelo menos, 150 a 200 homens.
Levarei algum tempo para isso e precisarei de auxiliares".
-
"Confio em você, Roboão. Já fez um bom trabalho para mim e tem grande
experiência com Pessoal. Realmente, achei Noé muito simplista. Convide
quem você achar melhor para realizar o recrutamento e a seleção dos
homens para a tarefa. Mantenha-me informado".
-
"Certo, Chefe. Obrigado pela confiança. Sairei em campo
imediatamente".
Nessa
noite, Absalão dormiu satisfeito. Após a missão do Senhor, em menos de 14 horas
já tinha o técnico e o especialista em Pessoal. Dormiu embalado ainda
pela algazarra de sua família (20 membros) na festa de inauguração do
lançamento do EMPREENDIMENTO.
O
2º dia amanheceu tranquilo e claro. O Presidente foi acordado por Roboão, com
boas notícias.
-
"Chefe, já tenho 5 homens anunciando no povoado. É a fase do recrutamento.
De acordo com o mercado, estamos oferecendo 5 dinheiros".
-
"Mas, Roboão, minha mulher ganha 9 dinheiros cozendo pra fora. Não será
pouco?"
-
"Deixe comigo, Chefe. No recrutamento da última batalha, pagamos 8
dinheiros para valentes combatentes. Esses são apenas carpinteiros, que não
podem ser comparados com a sua senhora. Temos assim 5 recrutamentos e 10
examinadores para a fase de seleção; menos de 10 % dos candidatos
esperados".
-
"E quanto ganharão?"
-
"O salário dessa equipe varia de 8 a 12 dinheiros, por serem
especialistas. Apenas um probleminha: não quero responsabilidade com o
Numerário, não sou bom em contas. O trabalho com o pessoal já é bastante. Não
acha melhor termos um homem para a gerência financeira do EMPREENDIMENTO?"
-
"Bem lembrado, Roboão! Mas não conheço nenhum, e ele deve ser um homem de
confiança".
-
"Chefe, se me permite, quero lembrar-lhe o Judas, aquele nosso velho
Capitão, que se ocupava dos dinheiros da força de combate".
-
"Não, não, Roboão. Esse negócio de dinheiro com o pessoal das armas não
dá certo. Pensemos em outro. Deve ser um especializado na coisa ... você me
compreende."
-
"Então, Chefe, podemos fazer uma seleção entre candidatos. Sairei em
campo!"
O
EMPREEDIMENTO crescia de vento em popa. As equipes de recrutamento e
seleção já estavam em plena operação. As finanças já tinham um
responsável.
Mas,
onde colocar esse pessoal? Absalão partiu, com seu habitual dinamismo, e logo
adquiriu uma grande cabana de madeira, já com divisórias e tapetes, e contratou
imediatamente o pessoal de Zeladoria e Segurança, convidando alguns
antigos conhecidos das forças de combate. Iniciou-se, assim, a operação em
grande escala.
-
"Senhor Presidente, falou timidamente a graciosa recepcionista, está aqui
o Dr. Noé, com alguns desenhos e ..."
-
"Minha filha, já lhe disse para não me interromper. Diga ao Dr. Noé que
falo com ele após o almoço".
Absalão
continuou a entrevista com o futuro gerente de material, Jacob, também
seu velho conhecido de carreira, dos tempos da campanha do Sinai.
-
"Pois é, meu amigo Jacob, preciso cercar-me de gente de confiança, para o
sucesso do EMPREENDIMENTO. Material é uma área delicada: não
tolerarei desvios de estoque e má especificação dos itens".
-
"Certo, Chefe. Sabe que pode confiar em mim. Nunca sumiu uma flecha ou
lança no meu tempo. Mas o armazenamento de madeira necessita de um almoxarifado
adequado e de um bom almoxarife. Para o controle, necessitarei de alguns
arquivos Kardex, prateleiras e pessoal de apoio".
-
"Justo, Jacob. Encomende as prateleiras na carpintaria do povoado, e fale
com Roboão para o recrutamento do pessoal necessário".
Nesse
momento, entrou Job, o Secretário Executivo do Presidente. Jacob
afastou-se discretamente.
-
"Senhor Presidente, acaba de chegar um relatório da Segurança,
indicando certos nomes que não devem ser contratados. Há suspeitas de que
alguns não sejam confiáveis".
-
"Ótimo trabalho do Gau, jamais lhe faltou intuição. Precisamos
estar alertas!"
-
"Ah! Outra coisa, Sr. Presidente. O Dr. Noé telefonou novamente. Parece
aflito para a aprovação de alguns desenhos".
-
"Ora, esse Noé! Sempre querendo me confundir com cidades de madeira,
centros de fluxos, etc. Ele acha que não posso, sozinho, me responsabilizar
pela aprovação desses desenhos. Diga-lhe que nomearei um Grupo de Trabalho, o GT-BAR,
Grupo de Trabalho do BARco, para dar-me um parecer. O
rapaz é bom de projeto, mas nada entende de custos ou de administração por
objetivos! Mas teremos tudo nos eixos tão logo chegue o chefe de
administração; vai colocar ordem e método nessa turma. Quero ver
produção!"
15
dias se passaram, e o organograma proposto já estava na mesa do
Presidente. Uma Diretoria de Coisas (DC), uma dos Investimentos (DI), e uma
de Barco (DB).
A
DB já havia montado um laboratório especializado para a medida de
densidade da madeira, análise de fungos e cupins, e já estavam instalados os equipamentos
para medida de elasticidade e flexibilidade.
A
Administração, em apenas 15 dias, já havia elaborado as provas de
seleção para arquivistas de desenho naval, prova de seleção para a seleção do
pessoal de seleção e recrutamento, pessoal de apoio, etc.
Naquela
noite, Absalão estava cansado, mas não pode esquivar-se de receber Noé em sua
residência.
-
"Sr. Presidente, desculpe-me interromper o seu descanso, mas o projeto já
está pronto, e as pessoas do GT-BAR ainda não foram nomeadas. O material
já está especificado, porém o laboratório ainda não emitiu o laudo de aprovação
da madeira, e não consegui os carpinteiros para o corte. Se o Sr. Presidente
pudesse autorizar-me a trazer os carpinteiros conhecidos do povoado ..."
-
"Não se preocupe, Noé. Falarei amanhã com o DB e apressarei a
contratação do pessoal. Você sabe, apesar de ser Presidente, não posso mudar as
normas da organização, autorizando diretamente seus carpinteiros. Se o
fizesse, não precisaria delas. Da chefia vem o bom exemplo do cumprimento das
normas. Não se preocupe que o EMPREENDIMENTO está nas mãos de
profissionais - os melhores! Boa noite, Noé".
Noé
afastou-se sem entender muito bem. Havia sido convidado para construir um
barco. Agora estava às voltas com normas, instruções, exames de seleção...
Balançou a cabeça: as coisas devem ser complicadas mesmo, e o Presidente é um
homem capaz, senão, não seria Presidente. Partiu otimista para sua cabana. Se o
Presidente disse, é porque tudo vai indo muito bem.
25º
Dia. Manhã linda. Job anuncia a chegada de Roboão.
-
"Entre logo, meu velho, sente-se. Aceita um leite de cabra?"
-
"Sim, Chefe, obrigado. Por falar nisso, segundo a lei, mandei distribuir
leite de cabra pela manhã e pela tarde, para todos. Já está até codificado o
material para controle pelo computador. Mas, para isso, foi necessário adquirir
200 cabras, alugar um pasto, e contratar 5 pastores. Jóia, Chefe! Veja só: são
40 cabras por pastor, e os pastores só ganham 10 dinheiros!"
-
"Você é um bicho na administração de pessoal, Roboão. Falarei ao seu
Diretor para propor sua promoção na próxima vez. Como vai a sua avaliação
pessoal?"
-
"Realmente não sei, Chefe, é confidencial ..."
-
"Darei um jeito para que seja boa. Afinal, já temos 500 pessoas no
efetivo e todas passaram por você. E você ainda conseguiu comprimir o quadro,
que era de 800 pessoas. Quanto economizamos, em média?"
-
"Nessas 300 pessoas, cerca de 4.000 dinheiros, Chefe" - respondeu
Roboão com um sorriso de modesta satisfação. Talvez fosse aumentado para 30
dinheiros, pensou.
-
"Roboão, não quero incomodá-lo, e nem por sombra desfazer do belíssimo
trabalho de sua equipe, mas Noé me disse que ainda não foram contratados os
carpinteiros para o corte."
-
"Ora, Chefe, Noé é um sonhador. Só pensa nos seus benefícios. Já lhe expliquei
a complexidade da contratação. Por exemplo: já aumentamos a oferta para 6
dinheiros, porém todos os carpinteiros foram reprovados no primeiro
psicotécnico. Não adianta contratar pessoal sem aptidão
psicoprofissional para o corte da madeira. Se não passam nem nesse exame,
imagine nos outros. Além disso, o psicotécnico deve ser o primeiro exame para
eliminar logo os agressivos. O Sr. Sabe, com toda essa madeira para
cortar, pode haver acidentes muito sérios."
-
"Realmente, você tem razão, Roboão. Noé desconhece o que é uma boa
organização. Toque como você achar melhor. Se o contratei, é porque tenho total
confiança no seu trabalho."
40º
Dia.
Finalmente, a primeira reunião da Diretoria. Era o momento solene das grandes
decisões de cúpula do EMPREENDIMENTO. Todos com seu melhor terno,
sentados à mesa de reunião com suas pastas tipo 007. O Presidente, satisfeito,
relatava que o EMPRENDIMENTO era o orgulho do povoado. Havia muito
trabalho, e emprego para todos.
Aproveitando
o clima de satisfação, o DC informou que havia feito um convênio com a Escola
de Carpinteiros, pois a mão-de-obra necessária estava aquém do exigido,
requerendo treinamento. Além disso, havia criado o Departamento de
Recursos Humanos, com a missão de retreinar os carpinteiros para a técnica
naval, e também treinar datilógrafos, secretárias e auxiliares para
administração. Havia também criado um Departamento de Segurança e
Higiene do Trabalho, por força de lei. O ambulatório já atendia 20 pessoas
por dia.
O
DB, aproveitando uma brecha do DC, ponderou timidamente que
faltava papel para desenho, e que a eficiência dos carpinteiros era baixa:
havia só um, e que cortou 3 árvores, sendo duas bichadas, de acordo com o
relatório do Controle de Qualidade. Noé estava tentando suprir a falta,
desenhando em folhas de bananeiras, e cortando árvores à noite, após o
expediente.
Quando
o DB propôs aumentar o salário de Noé para 15 dinheiros, o DC
explodiu, seguido pelo DI.
-
"Esses tecnocratas paisanos não funcionam e ainda querem aumento!
Sr. Presidente, sou de opinião que devemos aumentar a equipe de
recrutamento e apertar as provas de seleção. Nossa equipe técnica deixa muito a
desejar!"
-
"Perdão, retrucou o DB. O laboratório funciona. Veja como detetou
as árvores bichadas. Acontece que não temos o apoio necessário. O Sr. está
desviando recursos para a área de Operação do Barco, recrutando
timoneiros, taifeiros, etc."
-
"Mas é lógico, interveio o Presidente. Temos que agir com antecedência no
treinamento. Treinar é investir no futuro!"
80º
Dia.
Absalão passeava na ravina. Estava orgulhoso. Era Presidente de um EMPREENDIMENTO
que já contava com 1.200 pessoas. As preocupações de Noé eram
infundadas. Não passava de um tecnocrata pessimista. Felizmente, já
havia o Diretor Técnico para despachar com Noé - menos um aborrecimento.
Subitamente...
“PUFF”... uma nuvem de fumaça. O ministro do Senhor! Absalão
prostrou-se.
-
"ABSALÃO, PONHA GENTE DE MAIS PESO NO TOPO, CASO CONTRÁRIO O
EMPREENDIMENTO AFUNDARÁ".
...“PUFF”...
Absalão
correu à cabana de Noé.
-
"Noé, Noé, ponha um convés no alto do mastro. Vou colocar as pessoas mais
pesadas em cima".
-
"Mas, Sr. Presidente, isso é impossível. Sempre o convés é embaixo,
e o mastro aponta para cima. Se aumentarmos a massa no topo, o barco vai
emborcar".
-
"Não discuta alimentação agora comigo, Noé! O Ministro mandou
colocar homens pesados no topo e é isto que vou fazer ... e cumpra as minhas
ordens!"
Noé
não retrucou. O Presidente estava nervoso. Talvez Job pudesse fazê-lo ver mais
claramente. Correu à Secretaria Geral, mas lá encontrou o Comandante
de Operações do Barco, que já o esperava havia duas horas. Com ele estavam
o Subcomandante nível 3, o Imediato, o Pré-Imediato, dois
assistentes e três assessores.
-
"Noé, disse o Comandante, o seu projeto não anda! Como vou treinar
meus homens sem barco? Vou pedir aprovação do Sr. Presidente para adquirir um Simulador
de Barco, caso contrário, não me responsabilizo".
Noé
balançou a cabeça e retirou-se vagarosamente. Realmente, o que ele conseguira?
Uma meia dúzia de desenhos, e alguns em folha de bananeira. Isso em 80 dias.
Ele havia prometido que faria o barco em 120 dias ao Presidente! Estava
acabrunhado e sentia-se um incompetente. Mas, o que estaria errado?
O
Presidente entrou furioso, desabafando em Job.
-
"Veja só! Faltam apenas 40 dias e a Divisão de Importação diz que
há crise de transportes, e a madeira só chegará no prazo médio de 10 dias! O Pessoal
de P. O . , mais o Pessoal de O&M, juntamente com o CPD,
já haviam feito tudo para diminuir o caminho crítico de um tal de PERTO
- mas estou vendo tudo longe! Quero uma reunião de emergência com os Diretores.
Vou despedir o Setor de Carpintaria e contratar outro. Se não fosse o
Roboão com a equipe de Recrutamento, não sei o que seria."
-
"Mas, Sr. Presidente, perguntou Job, faltam 40 dias para quê?"
-
"Para o Dilúvio, meu filho, para o Dilúvio! Envie o seguinte
telex :
De:
Absalão Presidente (AP)
Para:
Senhor Criador (SC)
SOLICITO
PRORROGAÇÃO PRAZO RESTANTE 40 DIAS. DIFICULDADES INTRANSPONÍVEIS. CRISE INTERNACIONAL
DE MADEIRA. PROSTRAÇÕES. ABSALÃO."
O
ruído monótono da teleimpressora deixava Absalão ansioso, mas a resposta veio
finalmente.
"De:
Senhor
Para:
Absalão
CONCEDIDO
PRAZO MAIS CINCO DIAS IMPRORROGÁVEIS ELEVAÇÃO DAS ÁGUAS EM ANDAMENTO".
Absalão
desesperou-se e partiu para a reunião. Job pelo telefone interno iniciou a
telefofoca do Dilúvio.
82º
Dia.
Gau adentra o gabinete do Presidente.
-
"Chefe, tenho aqui um relatório de que há desvio de cipós de amarração
no almoxarifado. A listagem do Computador não bate com a da Auditoria."
-
"Que inferno, Gau! Coloque sua equipe em campo. Jacob está fora de
suspeita por ser meu antigo companheiro de batalha. Verifique o pessoal da
carpintaria. Mande um memorando ao Roboão para aumentar a equipe de Segurança.
Job, Ponha o Roboão na linha".
-
"Roboão, aqui é o Presidente. Já recrutou os carpinteiros?"
-
"Infelizmente não passam nos testes psicotécnicos, meu Chefe. Já até
afrouxamos essas provas, mas o exame de reconhecimento de tipos genéticos de
cupim reprova todo mundo. É por isso que a madeira do estoque está bichada,
conforme o relatório do Departamento de Materiais".
-
"Presidente, interrompeu Job, é urgente! Há dois pastores na ante-sala
dizendo que há crise de leite nas cabras, e não está havendo distribuição aos
funcionários há uma semana. O Suprimento parece que não providenciou
capim no pasto seco. Qual a sua decisão?"
100
º Dia. Reunião de Diretoria.
-
"Sr. Presidente, falou o DI, dentro de uma semana vencem nossos
empréstimos internacionais com os povoados vizinhos, e o Caixa não é
suficiente. Nosso EMPREENDIMENTO economicamente vai muito bem, mas
financeiramente estamos à beira de uma crise de insolvência de Caixa. Sugiro
uma redução de pessoal".
-
"Toda vez que se fala em redução, todos olham pra mim, explodiu o Comandante
de Operações. Sem meus homens não há operação do barco, que nem sairá do
porto. E meu simulador ainda não foi aprovado!"
-
"Sr. Presidente, timidamente tentou o DB, acho que o
Comandante tem razão, mas não prometeram ao Ministro que o barco estaria pronto
em breve? Mas, sem material ..."
-
"Como posso fabricar madeira?", gritou o DC. "Meu
laboratório não acha apropriada a madeira local, e há crise de transporte. Os
carpinteiros são incompetentes. E esse tal de Noé? O que fez ele até agora? E
ganha 10 dinheiros."
-
"Senhores, falou gravemente o Presidente, a situação do EMPREENDIMENTO
é razoável, mas temos que tomar uma atitude mais séria quanto ao projeto do
barco".
-
"Sr. Presidente, não quero interrompê-lo mas em nossos arquivos não
constam os exames de admissão de Noé, e nem sabemos se ele é mesmo Engenheiro
Naval".
-
"Sim, a culpa é minha, falou o Presidente, mas quando contratei Noé ainda
não existiam as Normas do EMPREENDIMENTO".
-
"Tudo era muito improvisado naqueles dias, Sr. Presidente, e a
culpa não pode ser somente aceita por V. Excia.", acrescentou o DI.
"Esse Noé é um oportunista sem escrúpulos, querendo se fazer passar por
Engenheiro Naval, sem ter frequentado nenhum curso regular".
-
"Ele é um bom homem", concedeu o Presidente.
-
"Mas está desviado de função, Sr. Presidente" - redarguiu o Comandante
de Operações. "Não podemos permitir que o mau exemplo prolifere! O que
vou dizer ao meu pessoal?! Como vou manter o moral da equipe, permitindo que
eles pilotem um barco construído por um arrivista qualquer, que nem engenheiro
é? Não há outra solução, Sr. Presidente".
Todos
se entreolharam. Alguns começaram a rabiscar flechas nos blocos de anotações.
Absalão calado. Por fim decidiu :
-
"Noé está despedido!" E virando-se para Roboão :
"Providencie a anotação em sua Carteira de Trabalho".
-
"Mas, Chefe, nem Carteira ele tem!"
-
"É isso! Um desorganizado total! Cada vez me convenço mais do erro de
tê-lo convidado. Notifique-o, então, que ele está sendo despedido “no
interesse do EMPREENDIMENTO...”."
Noé
realmente ficou furioso com a notificação. Nem exigiu a fração do 13º salário
que lhe cabia. Estava disposto a sair daquela terra e o caminho mais fácil era
pelo rio. Partiu para a floresta e reuniu 5 companheiros.
-
"Amigos, vamos cortar essas árvores bichadas mesmo, construir um barco, e
sair daqui!"
-
"Mas, Noé, nem mesmo somos carpinteiros, nem sabemos fazer barcos
..."
-
"Não importa. Ensinarei a cortar a madeira, e já tenho os desenhos.
Faremos uma equipe motivada, com o objetivo de construir um barco
para uma vida melhor em outras terras! Levaremos uns bichos a bordo, para
comer na viagem. Mãos à obra!"
A
madeira começou a ser cortada. Lascas por todo lado. As partes mais bichadas
eram isoladas e jogadas fora. Mosquitos voavam ao tombar das árvores! Em poucos
dias, o casco do barco já tomava forma.
125º
Dia.
O Presidente acordou preocupado. A madeira havia chegado, mas só havia 3
carpinteiros no Setor de Carpintaria. Sua charrete tomou o caminho mais
rápido para o Escritório, para evitar o mau tempo. Nuvens pesadas
cobriam os céus. Absalão foi direto ao telex, mas Job só chegava às 10 horas.
Absalão correu ao CPD.
-
"O que há aqui? Ainda não começou o expediente? Quem é você?"
-
"Sou uma digitadora, Senhor. Há dias que não há ninguém. Dizem que pelo Plano
de Classificação de Cargos e Salários, e pela política de promoções,
não fica ninguém".
Absalão
voltou ao escritório. No caminho encontrou com Gau, que lhe disse, preocupado,
haver um zum-zum-zum acerca de um tal de Plúvio, que poderia ser um terrorista,
mas que sua equipe... Absalão ficou branco e correu ao telex.
-
"Job. Rápido!
De:
Absalão Presidente (AP)
Para:
Senhor Criador (SC)
DIFICULDADES
INSUPERÁVEIS COM O PROJETISTA ATRASARAM EMPREENDIMENTO. SOLICITO PRORROGAÇÃO
PRAZO".
A
resposta foi imediata.
"De:
Senhor
Para:
Absalão
PRORROGAÇÃO
NEGADA".
E
começou a chover. Absalão correu para fora, seguido de Jacob. A chuva era
forte, tremendamente forte.
Jacob
gritou:
-
"Veja, Chefe, há um barco descendo o rio. Veja... na proa... está
escrito... está escrito... ARCA DE NOÉ!!!"
Notas do editor:
1) Mensagem a Garcia:
http://augustocampos.net/msg_garcia.pdf
2) Lei de Parkinson:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Parkinson
Notas do editor:
1) Mensagem a Garcia:
http://augustocampos.net/msg_garcia.pdf
2) Lei de Parkinson:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Parkinson
22 comentários:
Como um assunto leva a outro, lembrei que já escrevi sobre administração, em 2012. Ninguém leu (apenas o sumido Gusmão).
Está em http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2012/02/principios-e-conceitos-aplicaveis.html
(selecione o endereço acima e cole na barra de seu navegador)
Essa história é longa mas muito interessante, e no todo, dá o seu recado. Eu a conhecia, dos meus cursos gerenciais, mas numa versão mais condensada.
Ainda bem que na Embratel, ao menos onde eu trabalhava, não aconteciam tais absurdos. E quando a gente detectava algo nessa direção, dávamos o alarme!
Bons tempos aqueles de paraestatal focada em qualidade e atendimento ao usuário...
Realmente, no final dos anos 1960 e início dos 1970, quando ouvi pela vez primeira esta história, em um seminário, a versão era menos rica, menos detalhada.
Mas o conceito estava presente.
Mas onde o autor do post pretende chegar com a publicação dessa parábola ?
Tem a ver (no Twitter se escreve haver) com o que ? Algum fato atual em nossas vidas ?
Sobre a Lei de Parkinson:
Já faz tempo venho comentando com todos que o aumento de capacidade de memória e de velocidade dos computadores pessoais não se reflete na velocidade de acesso à informação. Isso porque assim que os computadores evoluem, os sites ficam mais complicados, com figuras dançando, vídeos, cores mirabolantes. O que você ganhou em processamento perde na complexidade do destino.
Costumo dizer que hoje tenho a mesma velocidade de acesso a uma informação desejada na internet que há 10 anos atrás...
=8-/
Sobre a Mensagem a Garcia:
Na Embratel às vezes chegava uma. Confesso que nunca fui um Rowan completo. Sempre pergunto algo para facilitar meu trabalho, alguma dica ao menos. É inerente a meu ser. Tenho horror a trabalho, faço apenas o necessário. Chamo isso de ergofobia (!).
Não digo aqui que não trabalhava, sempre cumpri minhas obrigações com zelo, mas que jamais gostei de fazê-lo à toa, sabendo que há alguma maneira de tornar as tarefas mais palatáveis.
Talvez por isso mesmo esteja aposentado há 117 meses esperando aquela hora que dizem que a gente sente uma vontade imensa de voltar à ativa. Ainda não chegou, mas espero pacientemente. Sentado, é claro...
<:O)
Também conhecia a versão compacta e igualmente ilustrativa.
Acho bem pertinente com o método de alguns governos que, para administrar necessita de incontáveis cargos comissionados e 39 ministérios.
Me remete também a industria fonográfica cujo custo de produção acaba inviabilizando a venda do produto.
Ana, na minha opinião a Arca de Noé é um exemplo de má gestão, mas creio que para o caso de organizações bem intencionadas. Claro que o texto leva a má gestão ao exagero, mas em pequenos lotes acontece (testemunhei) em muitos casos, sejam empresas ou processos.
Os 39 ministérios já são outra coisa... É uso da máquina pública para distribuição de cargos e afagos no jogo político do toma lá dá cá.
E a indústria fonográfica... Putz, está falindo, certo? Antes engessavam os artistas (indivíduos ou grupos) alegando que sem empresários e esquemas elaborados de distribuição os artistas não progrediriam. Eles tinham vários canais já pré-programados para vedar o acesso de independentes ao mercado.
Hoje temos estúdios caseiros, que resultam quase tão bons quanto os das gravadoras gigantes. Sim, porque o consumidor hoje ouve música em iPhone com auriculares ridículos. Não há necessidade do estado da arte em gravação na maioria absoluta dos casos. Mesmo em caso de grandes nomes da mídia, já se baixa mp3 em vez de adquirir o CD (que tem qualidade melhor).
A internet, via seus canais como YouTube, MySpace e outros, permite a divulgação que antes era privilégio da grande gravadora. Muitos artistas passam a viver de seus shows, divulgados em redes sociais, e não mais da venda de discos.
As grandes gravadoras, inchadas em seus organogramas internos à la Arca de Noé, começam a definhar. E não vai sendo enxugando os departamentos que vão resolver, há que repensar todo o processo, desde a autoria até o produto final, que pode não ser mais uma mídia física. Hoje o autor tem mais "bala na agulha" na hora de negociar, e a indústria fonográfica tradicional ou se adequa ou morre.
hmmmm .... não mordeu a isca ..... rs
Sabe o porquê, Riva?
Este não é um post que leve a algum lugar, não pretendia chegar a lugar algum; este é um post de saída, de largada. Comentaristas é que poderiam leva-lo a algum sitio (rsrsrs).
Para os desatentos o comentário/isca do Riva foi o seguinte:
"Mas onde o autor do post pretende chegar com a publicação dessa parábola ?
Tem a ver (no Twitter se escreve haver) com o que ? Algum fato atual em nossas vidas ?"
Quantas vezes a palavra "EMPREENDIMENTO" está grafada erradamente?
Não caiam nesta. É safadeza do Paulo, para obriga-los a reler (se é que leram) todo o enorme texto.
Duas vezes...
Estava no original...
1) "O EMPREEDIMENTO crescia de vento em popa...
2) No 40º dia: "O Presidente, satisfeito, relatava que o EMPRENDIMENTO era o orgulho do povoado...
Não por outra razão o Paulo é o nosso revisor ad hoc.
E ainda por cima faz o trabalho fiado (rsrsrs).
O cara lança um desfio mas não dá tempo para a gente conferir e opinar.
Quando cheguei aqui já estava dada a resposta tsk, tsk, tsk.
Já repararam que apesar das tentativas e cutucadas eu me recusei a dissertar sobre a política brasileira atual?
Ainda mais que o mesmo post aborda Arca de Noé, Lei de Parkinson e Mensagem a Garcia, 3 temas gerenciais pra lá de interessantes.
<:o)
Estou muito cansado. Fui trabalhar hoje.
Depois eu volto.
Sds!!
O trabalho enobrece e dignifica os homens ... mas cansa também.
Riva, não se lamente. Existem milhares de desempregados que gostariam de estar se cansando.
O ser humano é um insatisfeito por definição, não?
Reclama porque está sem trabalho...
Reclama porque está trabalhando...
Vai entender...
<:o)
Sem sacanagem, sem avaliações de cenários ... estou cansado mesmo. Não aguento mais !
A imobilidade urbana está assassinando a classe trabalhadora.
Mesmo não precisando mais ir de carro para a Barra , não é fácil enfrentar pelas Barcas o trajeto diário para o trabalho ..... no Rio. Coisa para jovens.
PS: CCR BARCAS .... para que servem os tais assentos amarelos dos catamarãs ? Só tem jovem sarado dormindo, ou com cara de cu !!
Verdade.
O que me fez pedir aposentadoria precoce foi a dificuldade de chegar ou retornar do trabalho. A cada dia uma surpresa. Se caía uma daquelas tempestades de fim de expediente, ferrou. Acordar cedo (eu acordava ás 5:45) e dar de cara com um dia chuvoso era dose...
Se meu trabalho fosse em Niterói, melhor ainda em Icaraí, provavelmente estaria trabalhando até hoje.
=8-/
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