5 de janeiro de 2016

A ARCA DE NOÉ

Em um dos alguns cursos que fiz, na área de desenvolvimento de executivos, ao tempo em que era um yuppie, foi contada a história da construção da arca de Noé, numa versão livre, de sorte a evidenciar alguns dos males que atrapalham algumas empresas, ou instituições em geral.

Passados tantos anos, o texto vem a minha caixa de entrada no correio eletrônico, e não resisto à republicação, pedindo vênia por não declinar a autoria, pessoa física ou jurídica, titular de direitos, se o caso. Desconheço a origem e, na época inicialmente aludida, se foi informado, a memória hoje já me trai.

Mas é sem dúvida um clássico  dentre os exemplos, cases, e histórias de administração, assim como o "Mensagem a Garcia"  ou a "Lei de Parkinson".

"Absalão era um homem que se podia conceituar como justo. Era um estudioso, e quando repetia os sábios dizendo que os lados de um quadrado eram iguais, realmente tornava-se difícil entendê-lo.

Dos seus 65 anos de idade, a maior parte havia dedicado à arte da guerra, onde conceitos técnicos e científicos eram aplicados. Particularmente, era apaixonado pela organização das forças de combate e o uso de armas avançadas, tais como lanças de grande alcance, setas orientadas, e na última novidade bélica: o lançador de pedras. Era um verdadeiro general!

Com o avanço da idade e o aumento correspondente da sabedoria, Absalão também se preocupava com os assuntos humanos, os quais porém, o perturbavam um pouco. O Criador já não era reverenciado como no seu tempo, os filósofos eram ridicularizados. Havia uma inversão completa na política, acreditava-se mais na energia e na estultice dos jovens do que na ponderada e segura orientação dos mais velhos.

Um dia, Absalão andava pela ravina, imerso em seus pensamentos, quando, de repente ... “PUFF” - uma nuvem de fumaça apareceu, acompanhada de uma voz tonitruante :

- "ABSALÃO!"

Absalão prostrou-se apavorado. Só podia ser o Criador, pensou.

E era. Em Pessoa!

- "Absalão, - voltou a voz - não estou contente com os homens. Estão politizados. Guerreiam entre si e só defendem interesses pessoais. O trinômio Adão/Eva/Cobra deu nisso aí.

 Por isso, farei chover por 40 dias e 40 noites, até cobrir a Terra de água. Isso será conhecido como “O Dilúvio”. Vou matar todo mundo, mas quero uma nova Humanidade, nascida de um Homem inteligente, prático e com objetivos.

 Vá e construa um barco para você e sua família, e coloque dentro um casal de cada ser vivo. Você terá 4 meses para esse empreendimento. Meu contato com você será, doravante, o Arcanjo Gabriel, que costumam chamar de “Ministro de Deus” ".

E ... “PUFF” ... a nuvem se foi.

Absalão levantou-se lívido. O Criador elegera-o gerador da nova Humanidade! Todas as suas idéias seriam propagadas para o futuro!

Mas, Absalão nada conhecia de barcos, nem de navegação. Porém não discutiria para não perder a grande oportunidade dada pelo Criador; Absalão era um sexagenário e estava difícil ganhar a vida com o status de que se achava merecedor. Todavia... 4 meses ... era muito pouco tempo. 

Era preciso resolver um problema técnico - construir um barco enorme. Que objetivo! Absalão provaria que era capaz de salvar a Humanidade com a sapiência dos mais velhos, usando a energia dos mais jovens!

Absalão rebuscou a memória. Conhecia um engenheiro naval chamado Neul... não, Noé! Sim, era esse o seu nome. Noé poderia construir-lhe o barco. Absalão seria o coordenador do EMPREENDIMENTO, e Noé seria o elemento técnico. Tão logo pensou, tão logo já conversava com Noé.

- "Meu caro, quero encomendar um barco... e dos grandes!"

- "Sim, senhor, mas qual tipo, para qual carga, para que navegação?"

- "É um barco para grande carga e das mais pesadas. Quero fazer uma longa viagem com a família, e levarei tudo".

- "Está bem, senhor. Aqui mesmo temos floresta com madeira de densidade 0,8 g/cm3, em quantidade suficiente. Se a carga é grande, faremos o centro de gravidade baixo e o centro de empuxo alto, de modo a obter grande estabilidade. Acho que com 10 bons carpinteiros, que consigo arranjar, e mais um mês de trabalho duro, estaremos com o barco pronto".

- "Perdão, caro Noé, não quero interrompê-lo, mas como pode ter certeza dessa cadencidade da madeira? E se os homens são realmente competentes? E se trabalharão com eficiência?"

- "Senhor, a unidade a que me referia chama-se densidade, e os homens são carpinteiros já meus velhos conhecidos".

- "Não, não, Noé - disse Absalão com um sorriso de condescendência - Este EMPREENDIMENTO é grande e a coordenação é minha. Serei como que um Presidente, e você será o técnico. Combinado?"

- "Combinado, Senhor Presidente, o barco é seu e quem manda é o senhor", retrucou Noé, dando de ombros. Levantou-se para cumprimentar Absalão, e retirou-se.

Absalão pensou: puxa, não havia pensado nisso! São precisos carpinteiros para cortar as árvores e construir o barco, e preciso selecionar bem esses homens pois o EMPREENDIMENTO não pode fracassar. Ah! Já me lembro.

 Meu auxiliar na Cruzada Santa de Três Pedras fez ótima seleção de lanceiros. Roboão é o seu nome. Hoje está selecionando beterrabas para as indústrias egípcias, mas virá trabalhar comigo por um salário um pouco maior.

- "Mas, Chefe, se o técnico disse 10 carpinteiros, precisamos no mínimo de 15. O Senhor sabe: faltas, doenças, “turn-over”, férias, etc. E para selecionar bem 15 homens, temos que explorar um universo de, pelo menos, 150 a 200 homens. Levarei algum tempo para isso e precisarei de auxiliares".

- "Confio em você, Roboão. Já fez um bom trabalho para mim e tem grande experiência com Pessoal. Realmente, achei Noé muito simplista. Convide quem você achar melhor para realizar o recrutamento e a seleção dos homens para a tarefa. Mantenha-me informado".

- "Certo, Chefe. Obrigado pela confiança. Sairei em campo imediatamente".

Nessa noite, Absalão dormiu satisfeito. Após a missão do Senhor, em menos de 14 horas já tinha o técnico e o especialista em Pessoal. Dormiu embalado ainda pela algazarra de sua família (20 membros) na festa de inauguração do lançamento do EMPREENDIMENTO.

O 2º dia amanheceu tranquilo e claro. O Presidente foi acordado por Roboão, com boas notícias.

- "Chefe, já tenho 5 homens anunciando no povoado. É a fase do recrutamento. De acordo com o mercado, estamos oferecendo 5 dinheiros".

- "Mas, Roboão, minha mulher ganha 9 dinheiros cozendo pra fora. Não será pouco?"

- "Deixe comigo, Chefe. No recrutamento da última batalha, pagamos 8 dinheiros para valentes combatentes. Esses são apenas carpinteiros, que não podem ser comparados com a sua senhora. Temos assim 5 recrutamentos e 10 examinadores para a fase de seleção; menos de 10 % dos candidatos esperados".

- "E quanto ganharão?"

- "O salário dessa equipe varia de 8 a 12 dinheiros, por serem especialistas. Apenas um probleminha: não quero responsabilidade com o Numerário, não sou bom em contas. O trabalho com o pessoal já é bastante. Não acha melhor termos um homem para a gerência financeira do EMPREENDIMENTO?"

- "Bem lembrado, Roboão! Mas não conheço nenhum, e ele deve ser um homem de confiança".

- "Chefe, se me permite, quero lembrar-lhe o Judas, aquele nosso velho Capitão, que se ocupava dos dinheiros da força de combate".

- "Não, não, Roboão. Esse negócio de dinheiro com o pessoal das armas não dá certo. Pensemos em outro. Deve ser um especializado na coisa ... você me compreende."

- "Então, Chefe, podemos fazer uma seleção entre candidatos. Sairei em campo!"

O EMPREEDIMENTO crescia de vento em popa. As equipes de recrutamento e seleção já estavam em plena operação. As finanças já tinham um responsável.

Mas, onde colocar esse pessoal? Absalão partiu, com seu habitual dinamismo, e logo adquiriu uma grande cabana de madeira, já com divisórias e tapetes, e contratou imediatamente o pessoal de Zeladoria e Segurança, convidando alguns antigos conhecidos das forças de combate. Iniciou-se, assim, a operação em grande escala.

- "Senhor Presidente, falou timidamente a graciosa recepcionista, está aqui o Dr. Noé, com alguns desenhos e ..."

- "Minha filha, já lhe disse para não me interromper. Diga ao Dr. Noé que falo com ele após o almoço".

Absalão continuou a entrevista com o futuro gerente de material, Jacob, também seu velho conhecido de carreira, dos tempos da campanha do Sinai.

- "Pois é, meu amigo Jacob, preciso cercar-me de gente de confiança, para o sucesso do EMPREENDIMENTO. Material é uma área delicada: não tolerarei desvios de estoque e má especificação dos itens".

- "Certo, Chefe. Sabe que pode confiar em mim. Nunca sumiu uma flecha ou lança no meu tempo. Mas o armazenamento de madeira necessita de um almoxarifado adequado e de um bom almoxarife. Para o controle, necessitarei de alguns arquivos Kardex, prateleiras e pessoal de apoio".

- "Justo, Jacob. Encomende as prateleiras na carpintaria do povoado, e fale com Roboão para o recrutamento do pessoal necessário".

Nesse momento, entrou Job, o Secretário Executivo do Presidente. Jacob afastou-se discretamente.

- "Senhor Presidente, acaba de chegar um relatório da Segurança, indicando certos nomes que não devem ser contratados. Há suspeitas de que alguns não sejam confiáveis".

- "Ótimo trabalho do Gau, jamais lhe faltou intuição. Precisamos estar alertas!"

- "Ah! Outra coisa, Sr. Presidente. O Dr. Noé telefonou novamente. Parece aflito para a aprovação de alguns desenhos".

- "Ora, esse Noé! Sempre querendo me confundir com cidades de madeira, centros de fluxos, etc. Ele acha que não posso, sozinho, me responsabilizar pela aprovação desses desenhos. Diga-lhe que nomearei um Grupo de Trabalho, o GT-BAR, Grupo de Trabalho do BARco, para dar-me um parecer. O rapaz é bom de projeto, mas nada entende de custos ou de administração por objetivos! Mas teremos tudo nos eixos tão logo chegue o chefe de administração; vai colocar ordem e método nessa turma. Quero ver produção!"

15 dias se passaram, e o organograma proposto já estava na mesa do Presidente. Uma Diretoria de Coisas (DC), uma dos Investimentos (DI), e uma de Barco (DB).

A DB já havia montado um laboratório especializado para a medida de densidade da madeira, análise de fungos e cupins, e já estavam instalados os equipamentos para medida de elasticidade e flexibilidade.

A Administração, em apenas 15 dias, já havia elaborado as provas de seleção para arquivistas de desenho naval, prova de seleção para a seleção do pessoal de seleção e recrutamento, pessoal de apoio, etc.

Naquela noite, Absalão estava cansado, mas não pode esquivar-se de receber Noé em sua residência.

- "Sr. Presidente, desculpe-me interromper o seu descanso, mas o projeto já está pronto, e as pessoas do GT-BAR ainda não foram nomeadas. O material já está especificado, porém o laboratório ainda não emitiu o laudo de aprovação da madeira, e não consegui os carpinteiros para o corte. Se o Sr. Presidente pudesse autorizar-me a trazer os carpinteiros conhecidos do povoado ..."

- "Não se preocupe, Noé. Falarei amanhã com o DB e apressarei a contratação do pessoal. Você sabe, apesar de ser Presidente, não posso mudar as normas da organização, autorizando diretamente seus carpinteiros. Se o fizesse, não precisaria delas. Da chefia vem o bom exemplo do cumprimento das normas. Não se preocupe que o EMPREENDIMENTO está nas mãos de profissionais - os melhores! Boa noite, Noé".

Noé afastou-se sem entender muito bem. Havia sido convidado para construir um barco. Agora estava às voltas com normas, instruções, exames de seleção... Balançou a cabeça: as coisas devem ser complicadas mesmo, e o Presidente é um homem capaz, senão, não seria Presidente. Partiu otimista para sua cabana. Se o Presidente disse, é porque tudo vai indo muito bem.

25º Dia. Manhã linda. Job anuncia a chegada de Roboão.

- "Entre logo, meu velho, sente-se. Aceita um leite de cabra?"

- "Sim, Chefe, obrigado. Por falar nisso, segundo a lei, mandei distribuir leite de cabra pela manhã e pela tarde, para todos. Já está até codificado o material para controle pelo computador. Mas, para isso, foi necessário adquirir 200 cabras, alugar um pasto, e contratar 5 pastores. Jóia, Chefe! Veja só: são 40 cabras por pastor, e os pastores só ganham 10 dinheiros!"

- "Você é um bicho na administração de pessoal, Roboão. Falarei ao seu Diretor para propor sua promoção na próxima vez. Como vai a sua avaliação pessoal?"

- "Realmente não sei, Chefe, é confidencial ..."

- "Darei um jeito para que seja boa. Afinal, já temos 500 pessoas no efetivo e todas passaram por você. E você ainda conseguiu comprimir o quadro, que era de 800 pessoas. Quanto economizamos, em média?"

- "Nessas 300 pessoas, cerca de 4.000 dinheiros, Chefe" - respondeu Roboão com um sorriso de modesta satisfação. Talvez fosse aumentado para 30 dinheiros, pensou.

- "Roboão, não quero incomodá-lo, e nem por sombra desfazer do belíssimo trabalho de sua equipe, mas Noé me disse que ainda não foram contratados os carpinteiros para o corte."

- "Ora, Chefe, Noé é um sonhador. Só pensa nos seus benefícios. Já lhe expliquei a complexidade da contratação. Por exemplo: já aumentamos a oferta para 6 dinheiros, porém todos os carpinteiros foram reprovados no primeiro psicotécnico. Não adianta contratar pessoal sem aptidão psicoprofissional para o corte da madeira. Se não passam nem nesse exame, imagine nos outros. Além disso, o psicotécnico deve ser o primeiro exame para eliminar logo os agressivos. O Sr. Sabe, com toda essa madeira para cortar, pode haver acidentes muito sérios."

- "Realmente, você tem razão, Roboão. Noé desconhece o que é uma boa organização. Toque como você achar melhor. Se o contratei, é porque tenho total confiança no seu trabalho."

40º Dia. Finalmente, a primeira reunião da Diretoria. Era o momento solene das grandes decisões de cúpula do EMPREENDIMENTO. Todos com seu melhor terno, sentados à mesa de reunião com suas pastas tipo 007. O Presidente, satisfeito, relatava que o EMPRENDIMENTO era o orgulho do povoado. Havia muito trabalho, e emprego para todos.

Aproveitando o clima de satisfação, o DC informou que havia feito um convênio com a Escola de Carpinteiros, pois a mão-de-obra necessária estava aquém do exigido, requerendo treinamento. Além disso, havia criado o Departamento de Recursos Humanos, com a missão de retreinar os carpinteiros para a técnica naval, e também treinar datilógrafos, secretárias e auxiliares para administração. Havia também criado um Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho, por força de lei. O ambulatório já atendia 20 pessoas por dia.

O DB, aproveitando uma brecha do DC, ponderou timidamente que faltava papel para desenho, e que a eficiência dos carpinteiros era baixa: havia só um, e que cortou 3 árvores, sendo duas bichadas, de acordo com o relatório do Controle de Qualidade. Noé estava tentando suprir a falta, desenhando em folhas de bananeiras, e cortando árvores à noite, após o expediente.

Quando o DB propôs aumentar o salário de Noé para 15 dinheiros, o DC explodiu, seguido pelo DI.

- "Esses tecnocratas paisanos não funcionam e ainda querem aumento! Sr. Presidente, sou de opinião que devemos aumentar a equipe de recrutamento e apertar as provas de seleção. Nossa equipe técnica deixa muito a desejar!"

- "Perdão, retrucou o DB. O laboratório funciona. Veja como detetou as árvores bichadas. Acontece que não temos o apoio necessário. O Sr. está desviando recursos para a área de Operação do Barco, recrutando timoneiros, taifeiros, etc."

- "Mas é lógico, interveio o Presidente. Temos que agir com antecedência no treinamento. Treinar é investir no futuro!"

80º Dia. Absalão passeava na ravina. Estava orgulhoso. Era Presidente de um EMPREENDIMENTO que já contava com 1.200 pessoas. As preocupações de Noé eram infundadas. Não passava de um tecnocrata pessimista. Felizmente, já havia o Diretor Técnico para despachar com Noé - menos um aborrecimento.

Subitamente... “PUFF”... uma nuvem de fumaça. O ministro do Senhor! Absalão prostrou-se.

- "ABSALÃO, PONHA GENTE DE MAIS PESO NO TOPO, CASO CONTRÁRIO O EMPREENDIMENTO AFUNDARÁ".    ...“PUFF”...

Absalão correu à cabana de Noé.

- "Noé, Noé, ponha um convés no alto do mastro. Vou colocar as pessoas mais pesadas em cima".

- "Mas, Sr. Presidente, isso é impossível. Sempre o convés é embaixo, e o mastro aponta para cima. Se aumentarmos a massa no topo, o barco vai emborcar".

- "Não discuta alimentação agora comigo, Noé! O Ministro mandou colocar homens pesados no topo e é isto que vou fazer ... e cumpra as minhas ordens!"

Noé não retrucou. O Presidente estava nervoso. Talvez Job pudesse fazê-lo ver mais claramente. Correu à Secretaria Geral, mas lá encontrou o Comandante de Operações do Barco, que já o esperava havia duas horas. Com ele estavam o Subcomandante nível 3, o Imediato, o Pré-Imediato, dois assistentes e três assessores.

- "Noé, disse o Comandante, o seu projeto não anda! Como vou treinar meus homens sem barco? Vou pedir aprovação do Sr. Presidente para adquirir um Simulador de Barco, caso contrário, não me responsabilizo".

Noé balançou a cabeça e retirou-se vagarosamente. Realmente, o que ele conseguira? Uma meia dúzia de desenhos, e alguns em folha de bananeira. Isso em 80 dias. Ele havia prometido que faria o barco em 120 dias ao Presidente! Estava acabrunhado e sentia-se um incompetente. Mas, o que estaria errado?

O Presidente entrou furioso, desabafando em Job.

- "Veja só! Faltam apenas 40 dias e a Divisão de Importação diz que há crise de transportes, e a madeira só chegará no prazo médio de 10 dias! O Pessoal de P. O . , mais o Pessoal de O&M, juntamente com o CPD, já haviam feito tudo para diminuir o caminho crítico de um tal de PERTO - mas estou vendo tudo longe! Quero uma reunião de emergência com os Diretores. Vou despedir o Setor de Carpintaria e contratar outro. Se não fosse o Roboão com a equipe de Recrutamento, não sei o que seria."

- "Mas, Sr. Presidente, perguntou Job, faltam 40 dias para quê?"

- "Para o Dilúvio, meu filho, para o Dilúvio! Envie o seguinte telex :

De: Absalão Presidente (AP)
Para: Senhor Criador (SC)

SOLICITO PRORROGAÇÃO PRAZO RESTANTE 40 DIAS. DIFICULDADES INTRANSPONÍVEIS. CRISE INTERNACIONAL DE MADEIRA. PROSTRAÇÕES. ABSALÃO."

O ruído monótono da teleimpressora deixava Absalão ansioso, mas a resposta veio finalmente.

"De: Senhor
Para: Absalão

CONCEDIDO PRAZO MAIS CINCO DIAS IMPRORROGÁVEIS ELEVAÇÃO DAS ÁGUAS EM ANDAMENTO".

Absalão desesperou-se e partiu para a reunião. Job pelo telefone interno iniciou a telefofoca do Dilúvio.

82º Dia. Gau adentra o gabinete do Presidente.

- "Chefe, tenho aqui um relatório de que há desvio de cipós de amarração no almoxarifado. A listagem do Computador não bate com a da Auditoria."

- "Que inferno, Gau! Coloque sua equipe em campo. Jacob está fora de suspeita por ser meu antigo companheiro de batalha. Verifique o pessoal da carpintaria. Mande um memorando ao Roboão para aumentar a equipe de Segurança. Job, Ponha o Roboão na linha".

- "Roboão, aqui é o Presidente. Já recrutou os carpinteiros?"

- "Infelizmente não passam nos testes psicotécnicos, meu Chefe. Já até afrouxamos essas provas, mas o exame de reconhecimento de tipos genéticos de cupim reprova todo mundo. É por isso que a madeira do estoque está bichada, conforme o relatório do Departamento de Materiais".

- "Presidente, interrompeu Job, é urgente! Há dois pastores na ante-sala dizendo que há crise de leite nas cabras, e não está havendo distribuição aos funcionários há uma semana. O Suprimento parece que não providenciou capim no pasto seco. Qual a sua decisão?"

100 º Dia. Reunião de Diretoria.

- "Sr. Presidente, falou o DI, dentro de uma semana vencem nossos empréstimos internacionais com os povoados vizinhos, e o Caixa não é suficiente. Nosso EMPREENDIMENTO economicamente vai muito bem, mas financeiramente estamos à beira de uma crise de insolvência de Caixa. Sugiro uma redução de pessoal".

- "Toda vez que se fala em redução, todos olham pra mim, explodiu o Comandante de Operações. Sem meus homens não há operação do barco, que nem sairá do porto. E meu simulador ainda não foi aprovado!"

- "Sr. Presidente, timidamente tentou o DB, acho que o Comandante tem razão, mas não prometeram ao Ministro que o barco estaria pronto em breve? Mas, sem material ..."

- "Como posso fabricar madeira?", gritou o DC. "Meu laboratório não acha apropriada a madeira local, e há crise de transporte. Os carpinteiros são incompetentes. E esse tal de Noé? O que fez ele até agora? E ganha 10 dinheiros."

- "Senhores, falou gravemente o Presidente, a situação do EMPREENDIMENTO é razoável, mas temos que tomar uma atitude mais séria quanto ao projeto do barco".

- "Sr. Presidente, não quero interrompê-lo mas em nossos arquivos não constam os exames de admissão de Noé, e nem sabemos se ele é mesmo Engenheiro Naval".

- "Sim, a culpa é minha, falou o Presidente, mas quando contratei Noé ainda não existiam as Normas do EMPREENDIMENTO".

- "Tudo era muito improvisado naqueles dias, Sr. Presidente, e a culpa não pode ser somente aceita por V. Excia.", acrescentou o DI. "Esse Noé é um oportunista sem escrúpulos, querendo se fazer passar por Engenheiro Naval, sem ter frequentado nenhum curso regular".

- "Ele é um bom homem", concedeu o Presidente.

- "Mas está desviado de função, Sr. Presidente" - redarguiu o Comandante de Operações. "Não podemos permitir que o mau exemplo prolifere! O que vou dizer ao meu pessoal?! Como vou manter o moral da equipe, permitindo que eles pilotem um barco construído por um arrivista qualquer, que nem engenheiro é? Não há outra solução, Sr. Presidente".

Todos se entreolharam. Alguns começaram a rabiscar flechas nos blocos de anotações. Absalão calado. Por fim decidiu :

- "Noé está despedido!" E virando-se para Roboão : "Providencie a anotação em sua Carteira de Trabalho".

- "Mas, Chefe, nem Carteira ele tem!"

- "É isso! Um desorganizado total! Cada vez me convenço mais do erro de tê-lo convidado. Notifique-o, então, que ele está sendo despedido “no interesse do EMPREENDIMENTO...”."

Noé realmente ficou furioso com a notificação. Nem exigiu a fração do 13º salário que lhe cabia. Estava disposto a sair daquela terra e o caminho mais fácil era pelo rio. Partiu para a floresta e reuniu 5 companheiros.

- "Amigos, vamos cortar essas árvores bichadas mesmo, construir um barco, e sair daqui!"

- "Mas, Noé, nem mesmo somos carpinteiros, nem sabemos fazer barcos ..."

- "Não importa. Ensinarei a cortar a madeira, e já tenho os desenhos. Faremos uma equipe motivada, com o objetivo de construir um barco para uma vida melhor em outras terras! Levaremos uns bichos a bordo, para comer na viagem. Mãos à obra!"

A madeira começou a ser cortada. Lascas por todo lado. As partes mais bichadas eram isoladas e jogadas fora. Mosquitos voavam ao tombar das árvores! Em poucos dias, o casco do barco já tomava forma.

125º Dia. O Presidente acordou preocupado. A madeira havia chegado, mas só havia 3 carpinteiros no Setor de Carpintaria. Sua charrete tomou o caminho mais rápido para o Escritório, para evitar o mau tempo. Nuvens pesadas cobriam os céus. Absalão foi direto ao telex, mas Job só chegava às 10 horas. Absalão correu ao CPD.

- "O que há aqui? Ainda não começou o expediente? Quem é você?"

- "Sou uma digitadora, Senhor. Há dias que não há ninguém. Dizem que pelo Plano de Classificação de Cargos e Salários, e pela política de promoções, não fica ninguém".

Absalão voltou ao escritório. No caminho encontrou com Gau, que lhe disse, preocupado, haver um zum-zum-zum acerca de um tal de Plúvio, que poderia ser um terrorista, mas que sua equipe... Absalão ficou branco e correu ao telex.

- "Job. Rápido!

De: Absalão Presidente (AP)
Para: Senhor Criador (SC)

DIFICULDADES INSUPERÁVEIS COM O PROJETISTA ATRASARAM EMPREENDIMENTO. SOLICITO PRORROGAÇÃO PRAZO".

A resposta foi imediata.

"De: Senhor
Para: Absalão
 
PRORROGAÇÃO NEGADA".

E começou a chover. Absalão correu para fora, seguido de Jacob. A chuva era forte, tremendamente forte.

Jacob gritou:

- "Veja, Chefe, há um barco descendo o rio. Veja... na proa... está escrito... está escrito... ARCA DE NOÉ!!!" 



Notas do editor:
1) Mensagem a Garcia:
 http://augustocampos.net/msg_garcia.pdf

2) Lei de Parkinson:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Parkinson

22 comentários:

Jorge Carrano disse...

Como um assunto leva a outro, lembrei que já escrevi sobre administração, em 2012. Ninguém leu (apenas o sumido Gusmão).

Está em http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2012/02/principios-e-conceitos-aplicaveis.html

(selecione o endereço acima e cole na barra de seu navegador)

Freddy disse...

Essa história é longa mas muito interessante, e no todo, dá o seu recado. Eu a conhecia, dos meus cursos gerenciais, mas numa versão mais condensada.
Ainda bem que na Embratel, ao menos onde eu trabalhava, não aconteciam tais absurdos. E quando a gente detectava algo nessa direção, dávamos o alarme!
Bons tempos aqueles de paraestatal focada em qualidade e atendimento ao usuário...

Jorge Carrano disse...

Realmente, no final dos anos 1960 e início dos 1970, quando ouvi pela vez primeira esta história, em um seminário, a versão era menos rica, menos detalhada.
Mas o conceito estava presente.

Riva disse...

Mas onde o autor do post pretende chegar com a publicação dessa parábola ?
Tem a ver (no Twitter se escreve haver) com o que ? Algum fato atual em nossas vidas ?

Freddy disse...

Sobre a Lei de Parkinson:
Já faz tempo venho comentando com todos que o aumento de capacidade de memória e de velocidade dos computadores pessoais não se reflete na velocidade de acesso à informação. Isso porque assim que os computadores evoluem, os sites ficam mais complicados, com figuras dançando, vídeos, cores mirabolantes. O que você ganhou em processamento perde na complexidade do destino.

Costumo dizer que hoje tenho a mesma velocidade de acesso a uma informação desejada na internet que há 10 anos atrás...
=8-/

Freddy disse...

Sobre a Mensagem a Garcia:
Na Embratel às vezes chegava uma. Confesso que nunca fui um Rowan completo. Sempre pergunto algo para facilitar meu trabalho, alguma dica ao menos. É inerente a meu ser. Tenho horror a trabalho, faço apenas o necessário. Chamo isso de ergofobia (!).

Não digo aqui que não trabalhava, sempre cumpri minhas obrigações com zelo, mas que jamais gostei de fazê-lo à toa, sabendo que há alguma maneira de tornar as tarefas mais palatáveis.

Talvez por isso mesmo esteja aposentado há 117 meses esperando aquela hora que dizem que a gente sente uma vontade imensa de voltar à ativa. Ainda não chegou, mas espero pacientemente. Sentado, é claro...
<:O)

ANa Maria disse...

Também conhecia a versão compacta e igualmente ilustrativa.
Acho bem pertinente com o método de alguns governos que, para administrar necessita de incontáveis cargos comissionados e 39 ministérios.
Me remete também a industria fonográfica cujo custo de produção acaba inviabilizando a venda do produto.

Freddy disse...

Ana, na minha opinião a Arca de Noé é um exemplo de má gestão, mas creio que para o caso de organizações bem intencionadas. Claro que o texto leva a má gestão ao exagero, mas em pequenos lotes acontece (testemunhei) em muitos casos, sejam empresas ou processos.

Os 39 ministérios já são outra coisa... É uso da máquina pública para distribuição de cargos e afagos no jogo político do toma lá dá cá.

E a indústria fonográfica... Putz, está falindo, certo? Antes engessavam os artistas (indivíduos ou grupos) alegando que sem empresários e esquemas elaborados de distribuição os artistas não progrediriam. Eles tinham vários canais já pré-programados para vedar o acesso de independentes ao mercado.

Hoje temos estúdios caseiros, que resultam quase tão bons quanto os das gravadoras gigantes. Sim, porque o consumidor hoje ouve música em iPhone com auriculares ridículos. Não há necessidade do estado da arte em gravação na maioria absoluta dos casos. Mesmo em caso de grandes nomes da mídia, já se baixa mp3 em vez de adquirir o CD (que tem qualidade melhor).

A internet, via seus canais como YouTube, MySpace e outros, permite a divulgação que antes era privilégio da grande gravadora. Muitos artistas passam a viver de seus shows, divulgados em redes sociais, e não mais da venda de discos.

As grandes gravadoras, inchadas em seus organogramas internos à la Arca de Noé, começam a definhar. E não vai sendo enxugando os departamentos que vão resolver, há que repensar todo o processo, desde a autoria até o produto final, que pode não ser mais uma mídia física. Hoje o autor tem mais "bala na agulha" na hora de negociar, e a indústria fonográfica tradicional ou se adequa ou morre.

Riva disse...

hmmmm .... não mordeu a isca ..... rs

Jorge Carrano disse...

Sabe o porquê, Riva?

Este não é um post que leve a algum lugar, não pretendia chegar a lugar algum; este é um post de saída, de largada. Comentaristas é que poderiam leva-lo a algum sitio (rsrsrs).

Para os desatentos o comentário/isca do Riva foi o seguinte:
"Mas onde o autor do post pretende chegar com a publicação dessa parábola ?
Tem a ver (no Twitter se escreve haver) com o que ? Algum fato atual em nossas vidas ?"

Paulo Bouhid disse...

Quantas vezes a palavra "EMPREENDIMENTO" está grafada erradamente?

Jorge Carrano disse...

Não caiam nesta. É safadeza do Paulo, para obriga-los a reler (se é que leram) todo o enorme texto.

Paulo Bouhid disse...

Duas vezes...

Paulo Bouhid disse...

Estava no original...

1) "O EMPREEDIMENTO crescia de vento em popa...

2) No 40º dia: "O Presidente, satisfeito, relatava que o EMPRENDIMENTO era o orgulho do povoado...

Jorge Carrano disse...

Não por outra razão o Paulo é o nosso revisor ad hoc.
E ainda por cima faz o trabalho fiado (rsrsrs).

Anônimo disse...

O cara lança um desfio mas não dá tempo para a gente conferir e opinar.
Quando cheguei aqui já estava dada a resposta tsk, tsk, tsk.

Freddy disse...

Já repararam que apesar das tentativas e cutucadas eu me recusei a dissertar sobre a política brasileira atual?

Ainda mais que o mesmo post aborda Arca de Noé, Lei de Parkinson e Mensagem a Garcia, 3 temas gerenciais pra lá de interessantes.

<:o)

Riva disse...

Estou muito cansado. Fui trabalhar hoje.
Depois eu volto.

Sds!!

Jorge Carrano disse...

O trabalho enobrece e dignifica os homens ... mas cansa também.

Riva, não se lamente. Existem milhares de desempregados que gostariam de estar se cansando.

Freddy disse...

O ser humano é um insatisfeito por definição, não?
Reclama porque está sem trabalho...
Reclama porque está trabalhando...
Vai entender...
<:o)

Riva Cansado disse...

Sem sacanagem, sem avaliações de cenários ... estou cansado mesmo. Não aguento mais !
A imobilidade urbana está assassinando a classe trabalhadora.

Mesmo não precisando mais ir de carro para a Barra , não é fácil enfrentar pelas Barcas o trajeto diário para o trabalho ..... no Rio. Coisa para jovens.

PS: CCR BARCAS .... para que servem os tais assentos amarelos dos catamarãs ? Só tem jovem sarado dormindo, ou com cara de cu !!

Freddy disse...

Verdade.
O que me fez pedir aposentadoria precoce foi a dificuldade de chegar ou retornar do trabalho. A cada dia uma surpresa. Se caía uma daquelas tempestades de fim de expediente, ferrou. Acordar cedo (eu acordava ás 5:45) e dar de cara com um dia chuvoso era dose...
Se meu trabalho fosse em Niterói, melhor ainda em Icaraí, provavelmente estaria trabalhando até hoje.
=8-/