21 de fevereiro de 2011

O início de tudo... no blues

Os da minha geração tiveram chance de ver, na Bahia, no Ceará, e aqui mesmo onde moro, no Estado do  Rio de Janeiro, as puxadas de rede, que no raiar do dia faziam os pescadores, em nosso litoral.

Eles entoavam uns sons ritmados - pois era necessário manter um compasso na puxada - que nós intrusos também imitávamos, ajudando nas cordas de forma atrapalhada, não obstante a boa vontade de ajudar a minimizar o esforço exigido para trazer até a areia a pesada rede.

Muitos curiosos e transeuntes o faziam por causa dos peixes menores que eram desprezados pelos pescadores, e que eram liberados para os presentes.

Eu, nas raras oportunidades que tive de presenciar estas puxadas de rede, pegava a corda com vigor e fazendo realmente força, pelo prazer de participar daquele ritual fascinante, poético. Os sons do mar quebrando, se entregando submisso à areia, os cantos dos pescadores e o fervilhar dos peixes na rede formavam um clima enebriante.

Vocês devem estar se perguntando o que tem isto a ver com jazz e blues. Foram então os pescadores brasileiros que criaram o blues?

Nada disso, é óbvio. O que pretendo é fazer um paralelo entre as puxadas de rede e os cânticos entoados pelos trabalhadores nos campos de algodão, as chamadas work songs, que foram, para muitos, a origem do blues e, em cadeia, do jazz.

Eram cantos de protesto com as condições de trabalho e dificuldades da vida em geral, entoados geralmente como perguntas e respostas.

Para outros, a origem do blues está localizada nos cantos religiosos, denominados spirituals e gospel songs, cantados nas igrejas frequentadas pelos descendentes de escravos, também no sul dos Estados unidos.

Os blues, oriundos desta fonte religiosa, eram considerados profanos e rejeitados pelos mais intolerantes.

Os spirituals diferem um pouco dos gospel songs. Para nós é até difícil distinguir um do outro. Simplificadamente, consultadas minhas fontes, poderia dizer que os spirituals exprimem as profundezas do sofrimento humano e os temas , de modo geral, são tirados do Antigo Testamento, ao passo que os temas dos gospel songs (cantos evangélicos), tratam do Novo Testamento e são mais ritmados e quase alegres.

Seria tolice imaginar que os blues apareceram de uma hora para outra, em um dia, ou um mês, ou mesmo em um ano e que a fonte originária seria uma só. Muito provavelmente as duas fontes citadas contribuíram igualmente e concomitantemente.

Se uma imagem vale mais do que mil palavras, quando se trata de música, ouvir vale mais que todo o comentário que se faça.

Por isso, sugiro que ouçam um pouco destas músicas religiosas, que inicialmente estavam restritas às comunidades negras, mas há alguns anos disponíveis em gravações feitas por grandes nomes do mundo artístico, para compreenderem a evolução e o aparecimento do blues e o jazz.

Não tenham preconceito, por se tratar de música religiosa. Vocês irão se surpreender.

Dentre todas as gravações disponíveis, e citarei algumas para dar opções, a de maior destaque, para mim, é a de “Nobody Knows the Trouble I’ve Seen”, com o Louis Armstrong, encontrável no disco ou CD, “Louis and The Good Book”, cantada com sua voz característicamente esgarçada, rouca, mas com emoção religiosa.

Todas as faixas deste disco são ótimas, mas a citada é especial.

Outros discos de spirituals e gospel, dentre os muitos existentes, seriam: Aretha Franklin “Amazing Grace” ou Etta James em “Blowin’ in the Wind” (The Gospel Soul of Etta James).

Quem quiser saber mais sobre os dados históricos acima, além da internet, poderá consultar uma vasta bibliografia disponível em português. Para este fim específico, sugiro a obra intitulada “JAZZ”,* da coleção OPUS-86, editada pela Martins Fontes.

Bibliografia:

Jorge Guinle, aquele mesmo playboy brasileiro a respeito do qual pode-se censurar ou criticar muitas coisas, menos seu bom gosto em relação ao jazz e as mulheres, não necessariamente nesta ordem. Sempre escolheu bem as duas coisas. Foi dono de uma das maiores discotecas de jazz e amigo pessoal de vários músicos importantes. Escreveu “Jazz panorama”.


Luis Orlando Carneiro, jazzófilo e crítico que manteve durante muito tempo uma coluna no (falecido) Jornal do Brasil. Eu era leitor ávido de suas matérias. Escreveu “Jazz: uma introdução”


E tem o já citado “JAZZ” de André Francis, traduzido para o português, publicado pela Martins Fontes, com revisão técnica de Zuza Homem de Mello.

N do A: este post foi escrito para publicação no blog do Jornal Primeira Fonte. Em face de meu afastamento daquela publicação, como na natureza nada se perde...

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