A maioria das boas frases filosóficas que conheço não foram proferidas por quem se apresentava como pensador ou filósofo, ou aceitava estes títulos.
Se não chegam a ser aforismos, têm fundo de verdade ou conselho útil, com viés humorístico. E emanam das massas, de anônimos espirituosos.
Querem exemplos? Façamos associação de ideias.
- Pato novo não mergulha fundo.
- Em rio que tem piranha jacaré nada de costas e macaco bebe água de canudinho.
- Farinha pouca, meu pirão primeiro.
- Missa se espera na igreja.
- Missa se espera na igreja.
Frasistas que admiro, autores de sentenças definitivas, irretorquíveis, Nelson Rodrigues e Paulo Alberto Monteiro de Barros, estavam mais próximos de sociólogos do que de filósofos.
Do primeiro coleciono uma verdade inexorável: "Viver é acumular perdas".
Do dramaturgo gosto da que segue:
Daí porque "torcer pelo Flamengo é falta de imaginação", frase criativa e fustigante do americano Jorge Perlingeiro.
Até mesmo comunistas vez ou outra cunham frases profundas. Levam-nos à reflexão mesmo que, digeridas, discordemos delas.
Se Marx estivesse aqui diante de mim, iria redarguir com um frase lida alhures e cujo autor já não registro: "A filosofia abre muitas portas, atrás das quais nada se encontra."
Se non è vero è ben trovato. Assim como a poesia, a filosofia não é necessária.
Bons mesmo são os humoristas. O exemplo abaixo é uma prova definitiva da filosofia embutida na frase de Apparício Torelly, um dos ícones do humor inteligente.
E o Millôr? Quantas frases deste mestre do humor, tradutor, roteirista, você se recorda e certamente recorre a elas em meio a conversas? Esta abaixo é ferina e tinha endereço certo.
Meu sogro foi um homem de poucas letras. Descendente de imigrantes italianos, seus pais fixaram residência em Minas Gerais e beneficiavam piaçava. Caso não associe o nome a pessoa, vejas as imagens a seguir:
Se não tinha o saber acadêmico, tinha uma enorme sabedoria. Certa noite, em sua casa em Cachoeiro de Itapemirim, onde então residia, quando conversávamos sobre honestidade ele, que fabricava calçados semi-artesanais (sandálias, botas), e sujeito a pequenos furtos de seus poucos empregados, saiu-se com a seguinte parábola:
"Ainda prefiro um pequeno ladrão a um burro. Veja o seguinte. Você tem uma horta cercada. Que faz o ladrão se ambiciona uns quantos pés de couve? Pula a cerca, colhe alguns pés e vai-se também pulando a acerca. E o burro? Ele arrebenta a cerca, entra na horta e enquanto come suas couves vai pisoteando outras atrás e ao seu lado. E na hora de ir embora, farto, ao invés de sair pelo mesmo buraco que fez na cerca, sai pelo outro lado arrebentando outro pedaço. Prejuízo bem maior. A burrice é intolerável.
Volto ao Nelson Rodrigues:
Digo eu que burrice deveria doer. Doer muito.
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