15 de outubro de 2018

Já foi assim ... na religião

O Brasil era um país católico. Os padres frequentavam as casas das paroquianas, seja para orar nas novenas, seja apenas para filar um almoço ou um café da manhã.

Vila Pereira Carneiro, em 1923

Deveria ter 8 ou 9 anos e fui coroinha na igreja dos Sagrados Corações, na Vila Pereira Carneiro, em Niterói. Interesse religioso nenhum. Mas acionar o sino chamando os fieis para a missa dominical era uma alegria para mim.

Matriz do Sagrados Corações, Niterói
Assim como era ir, a cada 15 dias, até Ilha da Conceição, para a missa que lá era realizada. O pároco da igreja da Vila Peeira Carneiro tinha sob sua jurisdição a capela da ilha.

Paróquia de Nossa Senhora da Conceição

Não havia comunicação com a ilha senão por barco. E esta travessia era uma experiência e tanto para um menino. Lá, depois da missa, tomávamos o café matinal na casa de uma paroquiana. Uma delícia, com pães doces, bolos e geleias, que muito raramente tinha em casa.

As novenas basicamente eram  rezas de um terço. Se havia um padre ele puxava as orações e os presentes repetiam em voz alta. Se não havia um padre, a dona da casa comandava as orações.

A imagem da Virgem, saia da igreja em peregrinação pelas casas de algumas das beatas, como eram chamadas as mulheres mais devotas, e lá ficavam por nove dias.

As missa eram rezadas em latim e os padres usavam batinas. As crianças, e até mesmo algumas mulheres adultas, beijavam a mão do padre pedindo benção.


As crianças eram batizadas e crismadas. Se não tinha um padrinho a criança era chamada de pagã. O padrinho era escolhido com cuidado porque seria como que um segundo pai. Um pai estepe, que substituiria o biológico na falta deste, cuidando sobretudo da educação do afilhado.

Falarei mais disso numa próxima postagem ao tratar da família, na série já foi assim.

Tudo leva a crer que os evangélicos se já não são maioria caminham celeremente para atingir a predominância entre as religiões.

Alguns dos costumes adotados pela Igreja Católica não se coadunam com as tradições: violões, palmas e músicas. Copiaram a rotina da cantoria dos gêneros gospel e dos spiritual dos americanos.

Alias que os rituais das igrejas americanas  com aqueles corais de negros entoando música gospel, são tão emocionantes quanto as missas com coral de cântico gregoriano.

E a missa rezada em português por padres sem batina, voltados para o publico presente no templo, são coisas com as quais não me acostumei. Claro que para me acostumar precisaria frequentar as igrejas, coisa que não faço há anos. Senão em casamentos e missa de intenção quando têm como alvos parentes e amigos próximos. 

Acho que a modernização da Igreja foi um tiro n'água. Certas coisas não precisam ser mudadas. Como por exemplo a embalagem da Maizena, que passou a ser substantivo quando se trata de amido de milho.

Sem falar no conteúdo que se mantém como desde o aparecimento. Sabemos o que vamos encontrar na embalagem amarela clássica.

Notas do autor:
1) Acho que meu amigo Ricardo dos Anjos, jornalista, poeta, ora residindo em Nova Petrópolis - RS, também foi coroinha na mesma igreja.

2) As gorjetas que ganhávamos dos padrinhos, nos batizados, garantiam o ingresso de cinema. O Cinema Rio Branco ficava bem próximo de minha casa, e exibia dois filmes por sessão.

6 comentários:

Calfilho disse...

Prezado Carrano: muito boa sua abordagem sobre a religião em nosso país, principalmente como era na nossa época. Apesar de nunca ter sido coroinha, nem ter frequentado muito a igreja, fiz primeira comunhão e, no curso primário, lembro de ter tido aulas de religião. Estudávamos o catecismo, aprendíamos o Padre Nosso e a Ave Maria,além de outras orações menos cotadas. A religião oficial do Brasil era a católica, que perdeu muito da sua importância com o avanço dis evangélicos. O ensino do catecismo e fos princípios do catolicismo eram impostos às crianças quase que como lavagem cerebral. Como a figura de Getulio Vargas também o era... Aliás, no Brasil, é muito comum a lavagem cerebral, variando as épocas, as mensagens ou os personagens... Pior que muita gente embarca nelas... Hoje, sou apenas cristão, sem ser católico ou evangélico...

Jorge Carrano disse...


Caro Amigo,

Segundo definiu, com muita propriedade, o poeta Mario Quinta, a religião é o caminho mais longo para chegar a Deus.

Depois fazer a "primeira comunhão" e ter sido coroinha, com mais compreensão e leitura abandonei a religião e estou mais próximo dos agnósticos.

Não dei aos meus filhos nenhuma orientação religiosa. Sequer os batizei, deixando para o futuro, por conta e risco de cada um deles, a opção religiosa, se o caso.

Obrigado pela visita virtual, pelo generoso elogio e comentário enriquecedor.

Riva disse...

Lá em casa fomos induzidos a sermos católicos ... 1ª comunhão, orações, aquela coisa muito forte originária de Portugal.

Meu irmão foi para o Liceu (público), mas eu fui parar no Abel, escola católica. Missa semanal em latim, ajudávamos nas missas, ensino obrigatório de religião, aquelas coisas todas que me libertei mais ou menos aos 14 anos de idade ... Beatles, Stones, cabelo comprido, Jovem Guarda ...religião não era nem nunca foi prioridade para mim. Crenças sim.

Respeito qqer tipo de religião. O ser humano parece necessitar de uma. Tudo isso na verdade se resume a "tentar entender o viver e o morrer, desaparecer".

Quanto aos costumes e cultura das nações, muito complicado. O Japão, por exemplo, dizimou os católicos das suas terras - parece que hoje ainda existem algumas igrejas e seguidores. Ou seja .... a religião caminha lado a lado com a política em todas as nações, de acordo com os "interesses" atuais.

E tem gente que ainda fala em "estado laico" ....

Fui ali.

Jorge Carrano disse...


Caro Riva,

Também tenho origem portuguesa pelo lado materno (cidades de Viseu e Lamego). Daí o fato de ir parar na igreja católica, fazer comunhão, ser coroinha e até casar na igreja (já por conta de minha noiva, cuja família precisava dar uma satisfação a sociedade local).

Alguns estudos e alguns fatos concretos levaram-me a decepção e descrença (na religião).

Eis os fatos decepcionantes:
1) A burocracia absurda. A igreja ao invés de abrir seus templos a todos, indistintamente, criou um especilho para que eu me casasse na igreja. Como casaria em Cachoeiro de Itapemirim fui para a cidade três dias antes. Lá chegando sou recebido por minha noiva que, aos prantos, informa que não poderíamos nos casar na igreja, posto que estaria faltando um papel assinado pelo padre da matriz da região onde eu morava em Niterói, autorizando que eu me casasse noutra jurisdição. Não sabia que nome era dado ao tal documento autorizativo. Através do sistema de rádio da Viação Itapemirim (Camilo Cola) consegui falar com o guichê da empresa na Rodoviária do Rio de janeiro, que fez ligação telefônica com minha casa. Não havia telefone na cidade capixaba e o posto telefônico público estava sem contato com o resto do mundo.
Expliquei a minha mãe e por algum meio ela conseguiu com o pároco o tal documento. Na paróquia da Vila Pereira Carneiro (a mesmo onde fora coroinha). Não sei se envolveu algum custo. Não duvido ...
Ela chegou na véspera do casamento com a tal autorização. No fim deu certo, mas veja o absurdo burocrático. Um entrave sem sentido.

O outro fato ocorreu quando na qualidade de padrinho fui até a igreja de São Jorge, em Niterói, contratar o batizado de minha primeira e única afilhada. A tradição era a de que o padrinho combinava e arcava com as eventuais despesas.
Chegando na igreja o padre pergunta se eu queria com sagração. Como não sabia do que se tratava, indaguei. Sabe qual foi a resposta? "Com sagração custa mais 10 cruzeiros (ou moeda da época)".
Fiquei tão indignado, tão revoltado que respondi para ele: "Com sagração deve ser melhor porque é mais caro. Quero a sagração".
Inacreditável tabelar o batismo e/ou sagração. Que eu soubesse Jesus foi batizado um rio, local público.
Se a tabela envolvesse valores materiais, como no casamento: com órgão e coral, é um preço; com flores e todas as velas do altar acesas é outro; com tapete estendido até o altar tem acréscimo, etc.
Isto eu entendo e aceito, afinal envolve custos. Mas discriminar a cerimônia e as intenções espirituais/religiosas é demais para mim.

E a Bíblia, vamos combinar, até mesmo sob o ponto de vista literário, não me agradou. Abalou minha fé em Deus. E complicou minha vida porque passei a ter fé em algo que não consigo entender e definir.

Jorge Carrano disse...


Por fim tem a interface da religiosidade-política. A ala progressista da Igreja Católica deveria ser banida. Eles não fizeram opção preferencial pelos pobres como apregoam, e sim pela pobreza.

É diferente.

Nivelar por baixo e manter a todos na pobreza é meio de dominação da massa ignara.

Riva disse...

Vc tocou num ponto importante nessa nossa descrença pela religião : pobreza, ao invés de pobres.

Não sei se vc tem ido à missa (tem crase, Profª Rachel ?). Eu acompanho a MV em algumas missas, e vou te dizer, fico me "moendo" no banco para não interromper as homilias. Quanto despreparo dos padres, desatualização, alguns até sem o treino da fala.

A MV já me conhece e começa logo a me cutucar quando percebe que eu estou quase interrompendo o padre kkkkkkkkkkkkkk. E não foram poucas as vezes.

Acho que até por isso a Igreja Católica está perdendo disparado para as evangélicas. E perceba também a pouquíssima quantidade de jovens presentes às missas católicas. Olha para um culto evangélico e compare.

Enfim, vou com ela pq, além de fazer companhia, na verdade o ambiente me serve para minha concentração particular. Crio meu altar virtual, para conversar com quem eu desejo.

Fui ali.