22 de fevereiro de 2010

Salvador - BA

São passados muitos anos. Início dos anos setenta. Morava em São Paulo. Decidi conhecer Salvador. Férias. Meu carro era uma Brasília (sem risos, por favor). Pelo menos era nova. A revisão dos dez mil quilômetros foi feita lá em Salvador.

Optamos fazer o trajeto pela BR 101, pela possibilidade de dar uma entrada em Porto Seguro.

Bem, o plano era fazer a viagem em etapas. Por causa do cansaço e para não viajar à noite. Afinal seriam cerca de 1700 km até lá, contados desde São Paulo.

Primeira etapa, parada em Niterói, por dois dias. Aqui deixei o filho mais velho, Jorge, com minha mãe. Segunda etapa, Niterói-Cachoeiro de Itapemirim - ES, onde residiam meus sogros. Lá, com eles, ficou o Ricardo, meu outro filho.

Terceira etapa: Cachoeiro-Eunápolis, já no sul da Bahia. Já havíamos passado por São Mateus e Linhares, no Espírito Santo, onde almoçamos.

Quarta e última etapa: Eunápolis-Salvador. Dormimos em um motel, em Eunápolis, região cacaueira do sul da Bahia.

Primeiro problema, em Salvador. Onde iríamos nos hospedar. Não tínhamos feito reservas. Indaga daqui, especula dali, alguém falou: tentem o Retiro de São Francisco, lá em Brotas. Brotas é um bairro alto da cidade.

Melhor sugestão impossível. As freiras tinham, sim, acomodações disponíveis. Era uma época do ano em que muitas das irmãs estavam fora, e a irmandade aproveitava para faturar um dinheirinho hospedando turistas. A preços muito módicos.

Tudo muito simples. O quarto era pequeno e pobremente mobiliado. Na verdade um armário, uma cama e uma cadeira. As roupas de cama feitas de tecido rústico, entretanto, cheiravam bem. Cheiravam a limpeza.

As regras eram simples. Entrada até às vinte e duas horas. Em respeito ao silêncio e ao retiro das irmãs. O convento era bonito em sua simplicidade. Um jardim central, bem cuidado, com araras em viveiros.

Do refeitório avistava-se o jardim. O café matinal, incluído no preço da diária, servido a partir da seis horas da manhã, era composto de café com leite, pão, manteiga e biscoitos. Só. Afinal era a refeição normal das moradoras.

A cidade era (não sei como está agora) muito acolhedora. A comida (experimentamos todos os pratos típicos mais comuns) variada, bem temperada e por isso cheirosa. Meu prato predileto, até então, da cozinha baiana, era o vatapá. Mas depois que comi um siri catado no Mercado Modelo, no restaurante Maria de São Pedro, me apaixonei pela moqueca (pronuncia-se muqueca). Só comi parecida no Camafeu de Oxóssi, outro restaurante também localizado no mesmo mercado. E aí já era moqueca de siri mole.

Farol da Barra, praia vermelha, lagoa do Abaeté, feira de Água de Meninos, o já citado Mercado Modelo, em sua versão número dois, pois o primeiro havia incendiado, elevador Lacerda, enfim, fizemos todo o tour padrão da época.

Não posso esquecer que Martha Vasconcellos, Miss Bahia, fora eleita Miss Brasil e, quando chegamos à cidade, já havia sido eleita Miss Universo. Imaginem o orgulho baiano.

A feira de Água de Meninos era uma zorra total. Saveiros e outros barcos maiores e menores ancorados na enseada, aquele trecho de mangue com o piso negro e grudento. Papagaios gritando, micos fazendo algazarra, todos encarcerados e a venda. Frutas, legumes, temperos, uma festa de cores, cheiros e sabores. Peixes e frutos do mar. Naquela feira se vendia e se comprava “de um tudo”.

Em Salvador se caminha sobre a história. Todas aquelas ladeiras, sejam as da Conceição e da Preguiça, sejam as da Misericórdia, da Barroquinha, e outras tantas mais (eram, ou são, mais de cem), têm história. Pelourinho, onde com pequena gratificação pude tirar fotos ladeado por duas baianas paramentadas, à caráter, com tabuleiro na cabeça e tudo o mais. As praças Castro Alves e da Sé. As baianas nas esquinas, com seus acarajés. O Mercado Modelo e todas as barracas de artesanato, de figas, santos, colares, atabaques, berimbaus, fitas coloridas. A igreja de São Francisco, toda dourada, onde por um óbolo modesto acendiam as luzes para que fosse melhor apreciado o dourado das paredes e altar. E a igreja do Bonfim? As escadas, com menos degraus do que eu supunha, as barracas no entorno, vendendo fitinhas e imagens. Sim, compramos fitinhas um para o outro. Consta que não adianta o próprio comprar. Não dá a sorte almejada.

Se você é metido a besta, a refinado, escolha outro lugar para visitar. Não que a cidade, pelo que se sabe, não tenha como receber chics, elegantes e celebridades, mas é porque o bom de Salvador é o popular.


N.A: com todas as ressalvas, tendo em vista que esta viagem foi há trinta e sete anos e o tempo tudo modifica. Até a memória.

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