19 de fevereiro de 2010

Antiguidades III

Quando falei de pássaros silvestres, em Atualidades XVII, deixei de mencionar que durante muito tempo, diariamente, dava banho em beija-flor. A primeira vez foi puro acaso. Eu molhava o jardim, mantendo o esguicho da mangueira bem fininho, como se fora uma garoa. Tentava alcançar toda a copa de uma conífera (árvore de natal), ele apareceu e se manteve parado no ar, apenas as asas em movimento*, debaixo do chuveirinho que a mangueira fazia. Mantive-a na posição em que estava, e ele lá ficou por um bom tempo.

No dia seguinte, por volta das dezessete e trinta, horário em que eu normalmente fazia a rega, quando o sol já estava mais ameno, ele tornou a aparecer, indo ao bebedouro que eu mantinha com água adocicada. Aproveitei e direcionei o jato d’água para ele. Foi aquela festa. E assim foi durante alguns dias. Ele chegava e procurava o chuveirinho. Até que ele não mais apareceu para o banho diário. E também não apareceu mais para beber água. O bebedouro foi, então, monopolizado pelos sebinhos, que somente podiam desfrutar da água quando o baija-flor não estava por perto. O beija-flor era muito agressivo e voava como uma flecha em direção ao pobrezinho do sebinho.

O sebinho, é óbvio, ao contrário do beija-flor, precisava pousar sobre uma das flores que adornavam o bebedouro, para poder beber água. Era estranho pois ele - sebinho – pousava na parte superior da flor plástica, e meio de cabeça para baixo, sorvia a água no miolo. Era do miolo das flores plásticas ao redor do bebedouro, que era possível ao beija-flor beber água. Sem pousar.

Bem, um belo dia o beija-flor voltou. E mais tarde outros vieram. Alguns com coloridos diferentes. Mas apenas para os bebedouros que eu mantinha no jardim.

A casa onde morei ficava em São José de Imbassaí, no município de Maricá, no Rio de Janeiro.

Outros pássaros frequentavam o quintal da casa. Havia muita cambaxirra, ave sem vergonha que faz ninho em qualquer lugar. Qualquer fresta de muro ou embaixo de telhado. E os bem-te-vis, que faziam estardalhaço logo cedo. Foram eles – os bem-te-vis - a meu ver, que acabaram com os pardais, que eram a maior população de aves urbanas.

Havia, episodicamente, o anú branco, um predador de cauda grande, que lhe conferia um porte grande, embora fosse bem menor do que um gavião. O anú rastreava os ninhos nas árvores, em busca dos ovinhos.

No mais, era canário-da-terra, papa-capim, tiziu, e um sanhaço, que habitava a mangueira.

No meio da mata, nos morros próximos, ainda era possível encontrar pica-pau, chupim, e até cardeal, um pássaro bonito que ostenta uma crista vermelha. Daí seu nome, pois a crista lembra o barrete cardinalício.

O chupim, para quem não lembra, é aquele pássaro cujas fêmeas põem os ovos nos ninhos dos tico-ticos, para que estes os choquem. Daí que podemos chamar de chupim ao indivíduo que vive as custas dos outros. Seja o funcionário que não trabalha sobrecarregando o colega, seja o filho adulto e saudável que continua vivendo as expensas dos pais, seja o genro que depende do sogro para manter a família, e outras situações análogas. Eu uso muito para qualificar o inadimplente, que por não pagar as cotas condominiais onera os demais comunheiros.

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Eu sabia, e ainda sei (penso), fazer cafifas e pipas, embora não as faça há meio século. Em Niterói as cafifas eram mais comuns. Mas no Rio de janeiro, lá pelos lados do Andaraí, Grajaú e Vila Izabel, onde moravam quase todas as minhas tias (irmãs de minha mãe), as pipas eram mais populares. Estas, feitas com a flecha utilizada nos foguetões (extremamente leves) eram hexagonais e maiores do que as cafifas. Estas outras, porem, eram inigualáveis no quesito movimento.

Na bola-de-gude, sou capaz de desafiar qualquer um, embora não jogue com estas bolinhas de vidro colorido desde priscas eras.

Perco no futebol virtual, que exige muita habilidade manual e raciocínio rápido. Destreza no manejo de botões e reflexo que já não tenho. Mas no futebol de botões, em mesa, não faria vergonha.

Estas eram nossas diversões. Nos finais de tarde, antes da janta, ou logo depois desta, no início da noite, brincava-se de pique, de carniça, de chicote queimado, de ciranda, de amarelinha e de pêra, uva ou maçã.

Bons tempos? Tão bons quanto os atuais. Apenas diferentes.

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Vou para minha décima sexta copa do mundo de futebol. Logo, não acompanhei apenas três delas (1930, 1934 e 1938)**. A primeira que pude acompanhar, em 1950, quando contava dez anos de idade, foi ao vivo, presente no estádio do Maracanã. Apenas um jogo, pelas semi-finais, contra a Espanha. Levado por meu pai e um amigo dele, de nome Américo, com quem ele revezava me colocar nos ombros. Ganhamos de seis. Coitado do Ramalhets, goleiro espanhol. A torcida presente entoava uma marchinha da época, chamada Touradas em Madrid, que tinha um refrão forte: eu fui às touradas em Madrid, pararátimbúm, búm búm, pararátimbúm, búm, búmbúm, e quase não volto mais aquiií, para ver Ceciií, beijar Peri, etc. Era um coral de cerca de duzentas mil vozes.

Nosso ataque era fenomenal: Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Três destes jogadores pertenciam ao Vasco: Friaça, Ademir e Chico***.

O estádio estava inteiramente tomado, era muita agente e ninguém pode assistir sentado. Eu, menino, só via alguma coisa quando estava no ombro de meu pai ou do amigo dele.

No jogo seguinte, que seria o final (de triste lembrança) papai desistiu de ir, sob considerar que se foi aquele sufoco na semi-final no jogo decisivo o público e as dificuldades seriam maiores.

Por vias transversas fomos poupados da tristeza.

As demais copas ou foram acompanhadas pelo rádio, até a de 1966, ou pela televisão, a partir de 1970.                                                                                  

* são noventa batidas de asas por segundo, não é isso? Há controvérsias.

** entre 1938 e 1950 a copa do mundo de futebol não foi disputada, em virtude da segunda guerra mundial.

*** O Vasco da Gama, campeão carioca invicto de 1949, tendo vencido o Botafogo em São Januário por 2 X 0, contando no time com Barbosa, Augusto, Heleno de Freitas, Danilo, Wilson, Alfredo, Ipojucan, Ademir, Maneca e Chico, base da seleção vitoriosa no Sul-Americano do ano findo e, naquele momento, o melhor time do Brasil, teve convocados nove jogadores: Barbosa, Augusto, Eli, Danilo (o “Príncipe”), Friaça, Alfredo, Maneca, Ademir e Chico. Os vascainos ainda ficaram de cara feia pela não convocação de Ipojucan, ídolo do time. O Flamengo cedeu Juvenal, Bigode e Zizinho. O Fluminense, Castilho e Rodrigues. Do Botafogo, somente Nilton Santos fora lembrado (foi reserva do Bigode)

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