23 de junho de 2017

O improviso, o humor, em frases definitivas

O improviso, a agilidade mental e o espírito de humor manifestados em frases pontuais, circunstanciais, sempre chamam minha atenção.

Admiro o frasista espontâneo ocasional. Aquele que em poucas palavras define uma situação, estabelece um conceito ou cria uma imagem simbólica.

Alguns destes frasistas são bem conhecidos, populares, casos do jogador (agora senador) Romário, do comentarista esportivo Washington Rodrigues, ou o folclórico Neném Prancha, entre outros.

Quer definição melhor do que a do Romário sobre o sujeito que mal chega num clube ou associação de qualquer natureza, ou numa reunião, e quer aparecer? O “Baixinho” definiu o recém-chegado exibido com a seguinte frase: “Chegou agora e já quer sentar na janela”.

Para um bom entendedor, perfeita a mensagem. É dele também a observação sobre as opiniões do Pelé, maior de todos com a bola nos pés, mas infeliz em pronunciamentos e prognósticos: Sentenciou o Romário: “Pelé com a boca fechada é um poeta”.

O comentarista “Apolinho”, que só tem como defeito ser torcedor do time dos urubus, é outro grande criador de frases bem colocadas. Sensacional a definição de jogador ou técnico ou mesmo torcedor de determinado clube feliz com seus resultados, cunhada pelo Washington Rodrigues: “Fulano está mais feliz do que pinto no lixo”.

A garotada e a juventude de hoje, com olhos fixos em smartphones e similares provavelmente nunca viu uma galinha com sua ninhada ciscando na terra dos quintas de outrora. Os pintos realmente ficam muito alegres e açanhados. Falo dos caipiras porque os de granja, produzidos em escala industrial, sequer conhecem suas mães. Pouco importa que fossem “galinhas”, eles – os pintos – ficariam felizes em conviver com elas.

As galinhas são extremamente protetoras. Ai de quem se aproxima de seus pintinhos. Elas ouriçam as penas e com as asas semiabertas investem contra aquele que representa ameaça.

Mas o assunto são as frases. Voltemos a elas. E voltemos ao mesmo Washington Rodrigues, definindo o jogador (ou a equipe)  que está abatido em campo, sem força para reação, perdendo o jogo: “Fulano (ou o time) está com os quatro pneus arriados”. Perfeito!

E para o jogador temperamental, briguento, criador de casos, o conceito perfeito: "Fulano é um fio desencapado".

Ainda no campo esportivo, pródigo em personagens reais e ficcionais interessantíssimos, pinço a sacada do ex-técnico (falecido) Gentil Cardoso: “Quem desloca recebe, quem pede tem preferência”. Instrução perfeita, sobre todos os aspectos, transmitida de forma clara e objetiva.

Quem não se lembra do João Saldanha ao reagir a informação de que a comissão técnica criada para a Copa de 1970 havia sido dissolvida por decisão da CBD (atual CBF), dizem que sob pressão do governo militar: “Não sou sorvete para dissolver”.

Mas acabou jubilado e substituído pelo Zagalo. Alias a seleção de 1970, tricampeã, foi a melhor já organizada no Brasil. Título invicto, com vitórias indiscutíveis.

Havia um prêmio concedido ao jogador que ficasse pelo menos 10 anos, com um mínimo de 200 partidas, sem sofrer uma expulsão de campo. Este prêmio, o Belfort Duarte (ver em https://pt.wikipedia.org/wiki/Ganhadores_do_pr%C3%AAmio_Belfort_Duarte), representava disciplina e valorizava seu detentor.

Pois bem, um técnico, ou jogador, ou quem sabe um narrador, realmente não lembro quem, assim definiu o zagueiro que não era viril, não chegava duro na marcação: “Zagueiro que se preza não ganha o Berfort Duarte”.

Lembro entretanto  de vários zagueiros que jamais ganhariam o dito prêmio: Tomires, Moises, Pavão, Pinheiro, Ananias. E muitos outros.

Meu saudoso e querido amigo Mario Castelar era brilhante frasista. Vínhamos, com ele ao volante, pela Dutra, em direção ao Rio de Janeiro, quando em dado momento, e não mais que de repente, um ônibus da Cometa, em sentido contrário acedeu seu poderoso farol alto ofuscando nossa visão temporariamente. Ato contínuo ele comentou: “O cara acendeu o sol nos meus olhos”.

Nelson Rodrigues enaltecia o Otto Lara Resende por sua capacidade de frasear de improviso. Todavia, penso eu, o próprio Nelson era imbatível neste particular, sendo responsável por pérolas recorrentes em discursos, matérias jornalísticas e até teses acadêmicas.

Por exemplo esta lapidar e oportunissima, porque bem atual: “Assim como há uma rua Voluntários da Pátria, poderia haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.” Aplausos, de pé, com vivas (bravo, bravo) ao autor.

Peço a colaboração de tantos quantos lembrem de boas frases, como as seguintes, de humoristas consagrados como Millôr Fernandes ou Leon Eliachar: “Está sobrando cada vez mais mês no fim do salário”. 

6 comentários:

Jorge Carrano disse...

No universo da publicidade são inúmeros os casos de frases que se transformam em bordões, são incorporadas ao nosso repertório e usadas em contextos que extrapolam o sentido e objetivo para o qual foram criadas.

Exemplo: "não é nenhuma Brastemp".

Paulo Bouhid disse...

Bom dia, Jorge... além das bastante conhecidas, talvez uma poucos conheçam. É do Reinaldo, jogador do Cruzeiro (ou do Atlético MG???). Chovia bastante antes de um clássico, e ao entrar em campo para o início da partida, vem o repórter com aquelas perguntas "de sempre": "E aí, Reinaldo, vcs vão jogar com essa chuva?" Resposta: "Não tem outra, vai ter que ser com essa mesmo...".

Jorge Carrano disse...

Paulo, bom dia!
Não conhecia esta,formidável.
Esse Reinaldo, além de jogar bem, era bastante articulado. Acima da média dos jogadores de futebol.

Outra que agora lembro, é a do jogador sendo entrevistado antes de uma partida importante envolvendo duas grandes equipes, um derby, respondendo sobre as possibilidades de vencer a partida respondeu que era difícil fazer prognóstico poque "clássico é clássico, e vice-versa" (rsrsrs).
Salvo engano esta é do Jardel, mas não tenho certeza, pois faz muito tempo.

Calfilho disse...

Carrano, muito boa sua matéria. Se me permite, algumas breves observações:
1) Parece-me que quem disse a frase "está feliz como pinto no lixo" foi o Jamelão quando se referiu ao príncipe Charles, da Inglaterra, após esbaldar-se num ensaio de escola de samba com a passista Piná. Não sei se o Washington Rodrigues repetiu a frase:
2) Do Gentil Cardoso existe uma outra frase célebre, que ele disse num treino do Botafogo, Garrincha olhando para ele desconfiado: "Prestem atenção: a bola é feita de couro, o couro vem da vaca e a vaca pasta na grama. Por isso, quero a bola sempre na grama, sem chutão para o alto";
3) Quem declarou que "zagueiro que se preza não ganha o Belfort Duarte" foi Moisés, ex-Vasco;
4)Tive um técnico no futebol do Canto do Rio, "seu" Zeca, rude e semi-analfabeto, mas que entendia muito de futebol> Foi, entretanto, infeliz numa frase que ficou famosa> No meio de um jogo, exaltado, gritou para o nosso ponta: "Cruza rasteirinha, pelo ARRTO".
Um grande abraço.

Jorge Carrano disse...

Caro Carlinhos,
Obrigado pelos esclarecimentos.

Bem, o Moisés eu citei entre os botinudos que jamais conquistariam o prêmio Belfort Duarte.

O Gentil Cardoso, folclórico mas competente técnico, tem um enorme repertório de frases que ficaram famosas. Outra muito boa é: "O craque trata a bola de você, não de excelência".

Bem lembrada a da bola ser de couro ...

Não duvido que o Jamelão seja o autor original da frase sobre pintos no lixo. Ele (bom vscaíno) também era cheio de boas tiradas, assim como Dicró.

Como ouvi dito pelo Apolinho, há muitos anos, atribuí a ele. Este comentarista é bom de sacadas engraçadas. Ontem mesmo ouvi ele dizer que "o Estado do Rio está raspando parede com colher para fazer farofa". Por causa do estado de penúria em que se encontram seus cofres.

Valeu a visita.
Abraço

Jorge Carrano disse...

Na coluna do Nelson Motta, encontrei uma boa frase do Tom Jobim, repetida na época à exaustão. Disse o maestro:
"Viver em Nova York é bom, mas é uma merda; viver no Rio de Janeiro é uma merda, mas é bom".