Meu pai comprava Seleções do Reader’s Digest. Eu era garoto, mas lembro de algumas das seções permanentes, tais como “Rir é o melhor remédio” ou “Meu tipo inesquecível”. A revista era pura propaganda do american way of life.
Além disso, os filmes mais comuns que assistíamos eram americanos, sempre inaltecendo as excelsas virtudes dos soldados americanos, sua bravura, seu patriotismo, sua luta pela liberdade.
E tinha a música, que eu ouvia e gostava. Aqui e alí, tomavamos ciência do funcionamento do sistema judicial norte-americano, e eu ficava fascinado com a independência, o elevado sentido de que a lei deve ser cumprida, por todos, indistintamente, e como os crimes tinham sempre consequências, ou seja, os culpados cumpriam as penas.
Convivi num ambiente universitário anti-americanista, mas sempre me mantive refratário a este espírito. Era (e ainda é em alguns setores inclusive do governo) moda ser anti-americano. Imagine, imperialistas, subjugam os paises mais pobres, importam nossas matérias primas e nos vendem o produto final, industrializado, a preço de dólar muito valorizado. Nos impingem chiclets. O capital escraviza o trabalho. E todas estas bobagens que, se tinham um resquício de veracidade, era por culpa nossa.
Bem, toda esta digressão, é para dizer que sempre fui admirador do povo americano, de seu “profissionalismo” no trato das coisas, sua supremacia no campo científico, no desenvolvimento de tecnologia de ponta. Diga-se, de passagem, que todas as conquistas no campo científico, deveram-se, ou devem-se, ao fato de que cérebros privilegiados sempre foram aceitos sem restrições de cor, religião ou nacionalidade. Os americanos abriram suas fronteiras as pessoas capazes. Acolheram de braços abertos, os bons atores, bons médicos, bons jogadores (Pelé foi importado por eles), físicos, matemáticos, enfim, quem fosse bom no seu ramo de conhecimento ou atividade, era mais do que aceito, era valorizado pelos americanos. Isso ajudou a construir uma grande nação. Nós continuamos com nossa xenofobia, mas isto é outra história.
Voltando aos americanos e à filosofia de vida deles, a seu sistema político e comercial calcado na livre iniciativa e no reconhecimento do desempenho, digo, sem qualquer vergonha ou arrependimento, que era fã dos americanos e do seu país.
Todavia, minha visão mudou. Não se trata de arrependimento, mas de decepção. Desde o episódio do onze de setembro, quando ficou revelada a fragilidade do sistema de defesa norte-americano, que na minha santa ignorância julgava inexpugnável; desde o terremoto que destruiu Nova Orleans, quando a demora na reação da defesa civil no atendimento às vítimas me deixou estarrecido; desde um recente episódio quando um casal, não convidado, compareceu a um jantar de recepção a uma autoridade indiana, e chegou a cumprimentar o casal Obama, revelando o quanto é vulnerável o serviço de inteligência e de proteção do chefe de estado, não confio mais na eficiência e profissionalismo dos americanos.
Mas eles ainda têm algumas coisas que devem ser admiradas e copiadas.
Ontem, domingo, dia 21 de março, a Câmara de Representantes, que vem a ser a Câmara dos Deputados, reuniu-se desde às 15 horas, para debater e votar a reforma do sistema de saúde . A votação terminou à noite. De domingo, gente!
Aqui, os congressistas comparecem, quando comparecem, às casas legislativas durante três dias na semana, de terça até quinta-feira. E olhe lá.
Trabalhar domingo, nem pensar. Nem com jetom.
Por estas e outras é que, malgrado as minhas decepções quanto as falhas estruturais americanas, ainda os admiro e respeito.
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