28 de janeiro de 2018

De crenças ...




Por
RIVA









Uma leitura sobre o diálogo (aberto e sincero) entre um historiador ateu, intelectual público capaz de ver a poesia e a beleza das religiões, e um padre que crê, mas que como Jesus, dizem (sic), contempla a humanidade do pecador, e que não se encastela na torre inexpugnável e hermética da virtude como ponto de julgamento do mundo. Uma leitura sobre o diálogo entre Leandro Karnal e o Pde. Fábio de Melo intitulado CRER ou NÃO CRER, à disposição nas livrarias – abreviarei-os por LK e FM.




No meu post vou apenas destacar tudo que marquei na leitura desse livro, com  alguns comentários ao final (na verdade o objetivo mesmo é que cada um expressasse o que pensa sobre cada anotação).

Sim, como já escrevi anteriormente, ainda não abro mão dos livros tradicionais em papel (a Mãe Natureza que me perdoe), gosto de folhear, rabiscar, marcar passagens, fazer anotações nas inexplicáveis últimas páginas em branco para pesquisas posteriores, gosto de cheirar os livros. E se não existe possibilidade de releitura ou empréstimos, esqueço-os nas poltronas dos ônibus e catamarãs, com um bilhete desejando uma boa leitura.

Vamos aos destaques :

LK : Parece que Deus fala exatamente o que as pessoas querem ouvir... e o mesmo fazem seus emissários.

FM : Tenho dificuldade em acreditar em um Deus que negocie favores. Alguém promete que atravessará uma passarela de joelhos para que Deus lhe conceda um favor. Há um equívoco por trás dessa compreensão.



LK : Jesus é legal, o que ferra tudo é o fã-clube.

FM : Por que a a fé não aceita o silêncio ? É uma característica do Ocidente ? Não há necessidade de falar, fazer pregações. Seria mais honesto ensinar a reverência, a contemplação.

LK : Quando passei por uma situação de risco de morte, fiquei curioso se eu apelaria para uma oração.. Não aconteceu. Quando vi meu pai num caixão, também imaginei que seria um momento no qual a fé poderia tentar voltar, como memória daquele homem tão católico que eu amava. Não rezei e tive a certeza de que ali acabava tudo. Meu pai existiria apenas em fotos e na lembrança do bem que fez.

LK : Padres quase sempre viram pessoas ressentidas, amargas e sem alegria interna.

FM :Concordo com você sobre isso ... frequentei o meio acadêmico e a desilusão que vi por lá é muito semelhante à que vi nos bastidores da Igreja. O amargor quando revestido de arrogância amarga ainda mais.

Pio IX
LK : Uma pessoa célebre disse certa vez : “Eu sou tão católica que em outra encarnação devo ter sido freira”. Ou seja, ela se anuncia católica e esquece que a reencarnação é definida como heresia desde o Papa Pio IX.

FM : Sim, crer na reencarnação é um obstáculo à crença na ressurreição. Não é possível ser católico e kardecista. É um ou outro !

FM : Eu n nunca me senti atraído pela idéia de um Deus atrás de um balcão negociando milagres. Acreditar que Deus necessite de nosso sacrifício voluntário para nos conceder graças é no mínimo atribuir a Ele um desequilíbrio emocional.

LK : O Nélson Rodrigues falava que, quando um imbecil se acha solitário, ele sai à rua e encontra outro idiota. Como não estava mais sozinho, ele passava a se perceber como maioria.

FM : Eu creio na proteção divina, mas olho para os dois lados antes de atravessar a rua. Eu não preciso abrir mão da minha inteligência para crer como creio. E, quando me deparo com algum aspecto que considero nebuloso, eu optp por contemplar, em vez de responder. Se um dia o esclarecimento chegar, tudo bem ; se não, sem problemas, sigo assim mesmo, pois eu já tenho o essencial.

Céu
FM : De vez em quando alguém me pergunta : “Como é o céu, padre?”. Honestamente eu respondo : “Não sei, querido, porque eu ainda não morri. Estou na mesma situação que você, sem saber como é.”

FM : sobre o CD de poemas da Adélia Prado, que é um registro do livro Oráculos de maio ..... aquilo me arrebata sempre que ouço. Eu não sei explicar, mas sou assim desde menino, a arte me toca profundamente. As paredes me falavam mais sobre Deus do que as pregações dos padres. O órgão, a música, tudo sensibilizava minha alma. A música me ajudou muito. Já quebrei muitas vezes a dureza da realidade com a música. E preciso sensibilizar minha alma diariamente. Sou assim, faz parte da minha constituição humana a necessidade de buscar o que me toca, me emociona.


Adélia Prado

FM : Às vezes, por necessidade pastoral, tornamos a missa um acontecimento duro, didático, cansativo. Sobra pouco espaço para o silêncio. Abandonamos muito da simbologia tradicional. Quisemos ser modernos, mas não medimos as consequências ou o prejuízo que essa decisão poderia trazer.

LK : Sartre disse que o judeu é uma invenção do antissemita. O herege é uma invenção do ortodoxo. O que significa isso ? A cultura dominante determina numericamente, o mainstream estabelece o espaço e o gueto em que o outro vai ter que se enquadrar.

LK : “Se você é ateia, o que vai fazer se tiver câncer?”. “Vou fazer quimioterapia.” “ Mas, e se não der certo?”. “Eu vou morrer como a senhora.” Enfim, quando a morte for, eu não serei ; enquanto eu for, a morte não será.

LK : Como diz Fernando Pessoa num lindo poema, se quiser se matar, se mate. Tens medo do desconhecido ? Ninguém conhece nada (risos). Achas que vais fazer falta ? Duas vezes por ano, aniversário de vida e aniversário de morte, e cada vez menos. Então se quiser se matar, se mate !

FM : Luto para ser cristão, diariamente. A vida cristã me oferece um amparo existencial diante da impermanência das coisas. Esse amparo me chega pela mística do desprendimento. A morte me faz inevitavelmente pensar nas pretensões que carrego. E assim ela pode me simplificar. Vivo morrendo, mas sob a dinâmica da ressurreição. Do wu que sou nascem outros. Eu lido com aquilo que é permanente em mim, mas o tempo todo eu preciso experimentar a impermanência do permanente. Eu antecipo o meu morrer quando morre alguém próximo de mim.

FM : Acho o velório um acontecimento absolutamente mórbido. Expor um corpo em sua indigência final pode nos dificultar uma visão positiva da morte.

LK : Mas curiosamente foi essa “piedade barroca” que produziu em Évora, na Capela dos Ossos , a célebre inscrição “Nós, ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos.”

FM : Mia Couto diz que “morto amado nunca para de morre.”  É verdade. O amor nos coloca na dinâmica de um morrer que nunca termina. Nem tudo pode ser sepultado. Fica eternamente em nós. Fica vida na expressão da memória, mas também fica morte. Na morte do outro, morremmos também. Quanto do outro que morreu está morrendo também em mim ? Interessante pensar sobre essa abrangência da morte.

LK : Nós não vemos nenhumdocumento absoluto de que Jesus tenha existido historicamente, fora os Evangelhos e uma passagem muito obscura – e de provável inserção posterior – no Flávio Josefo.

Sobre a imagem de Michelangelo no teto da Capela Sistina, de Deus criando o homem :

LK : Os dedos não se tocam. Adão estica a mão e ... para o religioso que vê da direita para a esquerda, é Deus criando o homem. FM : E o historiador vê da esquerda para a direita, o homem criando Deus.

FM : Somos afeitos às questões humanas. Não fugimos dos desconfortos que elas nos provocam.

Comentário final : um diálogo muito interessante. Recomendo para quem quiser a leitura completa, para muita reflexão, debate, mas com certeza sem conclusões sobre certo e errado. Isso não existe. O que existe é o que conforta cada um de nós. Cada um é cada um, como disse recentemente o falecido Chorão, vocalista da banda Charlie Brown.

Para quem quiser, o Pub está aberto, sem horário para fechar. “James, mais um por favor.”




Nota do editor: este blog tem um nome, digamos, mal comparando, uma razão social (Generalidades especializadas), mas tem um nome fantasia, criado no decurso do tempo através de um debate entre os frequentadores/debatedores mais assíduos. O nome fantasia é "Pub da Berê", daí porque o autor da postagem o menciona no último parágrafo. James é o nosso garçom. Alguns o tratam por Jimmy.


5 comentários:

Jorge Carrano disse...

Caro Riva,

Já me manifestei em dois posts mais ou menos recentes, com todo respeito:

https://jorgecarrano.blogspot.com.br/2017/10/filosofos.html

https://jorgecarrano.blogspot.com.br/2017/10/filosofos-para-que-servem.html

Jorge Carrano disse...

Riva,

Acho que você terá que fazer com seus textos publicados aqui, o mesmo que faz com livros já lidos. Deixar no catamarã, ou no ônibus, ou no banco da praça.

Como o meio aqui é digital, será necessário imprimi-los.

Perdemos por completo nossos leitores/debatedores. Escafederam-se.

Ana Maria disse...

Gostei de ver essa comparação do professor da Usp (materialista) com o padre (espiritualista). Você conseguiu me deixar interessada, Riva.
Quanto a leitura de modo geral, por conselho médico, havia desapegado da maioria dos meus livros, porém esta semana me rendi à tentação e adquiri 10 exemplares numa Feira de Livros.
O comentário que fiz (similar ao publicado pelo Riva) que ando me afastando da mídia é provavelmente o motivo deste meu retorno aos livros tradicionais.

Kayla disse...

Ah! O Padre Fábio é tão tão TDB que só me faz pecar. Ashuashuashua

Riva disse...

Kayla não sossega !! kkkkkkkkkkkkkk...ayla !

Ana Maria, bem vinda de volta aos livros (bons, rsrs).

Carrano, faça uma pesquisa sobre que assuntos os usuários do Pub querem ler...vamos ver quantos participam da pesquisa.