10 de novembro de 2016

Quem diz o que quer, ouve o que não quer

Estava sem emprego. E de volta a Niterói. Pensei em virar “Consultor”, coisa que estava muito em voga na época. E fazer palestras. Afinal eu tinha coisas a dizer na área de administração de recursos humanos.

Outra alternativa seria abrir uma pequena  administradora de imóveis. Para ser titular de imobiliária, fazendo compra e venda precisaria fazer um curso que me permitisse, depois de aprovado, fazer inscrição no CRECI, ou seja, Conselho Regional de Corretores de Imóveis.

Concluído o curso era necessário fazer um estágio. Consegui numa imobiliária conhecida. Fiz plantão num final de semana, num lançamento de prédio em Icaraí.

O curioso é que este edifício, transformado em Condomínio com  a venda das unidades, acabou virando meu cliente, através do Síndico em exercício, muitos anos depois.

Mas voltando ao plantão de fim se semana, na segunda feira cedo, ao chegar à imobiliária, o Joseph (que era o dono) perguntou como tinha sido. Claro que ele queria saber se houve venda (rsrsrs).

Respondi que correra tudo bem. E deveria calar minha boca. Mas não me contive a arrematei: “os apartamentos são uma droga (acho que usei outra palavra); o banheiro social é absurdamente mal projetado; para ir vaso sanitário é preciso pular (passar por cima) o bidê, que está colocado na direção do lavatório, da pia.”

Ele, sério, me respondeu: “você não precisa gostar do imóvel que está vendendo, ou você vai comprar o apartamento”?

Aprendi que para o corretor o imóvel não tem defeitos. Ele é bem arejado, claro, com sol da manhã, bem dividido, o prédio fica em rua tranquila, com comércio nas proximidades, colégios bons.

Claro que não era preciso mentir, apenas não ressaltar as coisas ruins. Sua opinião não vem ao caso. Boca calada.

De outra feita, na Fiat Lux, fui chamado ao gabinete do diretor Nicolo Emmanuel Burke, um ítalo-britânico elegante, de pouca fala.

Mal entrei e cumprimentei,  ele disse o que queria: “nós precisamos implantar o terceiro turno na fábrica de São Gonçalo”.

Respondi que não seria possível, porque isto implicaria na redução do horário de refeição e como nossa atividade era insalubre dificilmente conseguiríamos a aprovação do Sindicato e do Ministério do Trabalho.

Esqueci de dizer que eu era o advogado da área trabalhista, há pouco efetivado. E aproveitei para me exibir.

Sabem o que ele respondeu, no mesmo tom de voz, com o cachimbo no canto da boca? “Não chamei o senhor aqui para me dizer que não pode ser, chamei para o senhor fazer ser possível”.

Cabeça baixa, voz quase inaudível, pedi licença  e voltei ao departamento legal a fim de estudar uma saída.

A terceira vez que falei demais, e esta não esgota certamente as vezes em que deveria ter ficado calado, foi numa conversa com meu filho.

Conversávamos sobre um livro do Sidney Sheldon que ele me emprestou e queria saber se havia gostado. Respondi que não e deveria ter parado aí mesmo minha resposta. Mas não, resolvi justificar e aí me dei mal. Acrescentei que a história era cheia de situações inverossímeis, absurdas e “que assim era fácil escrever”.

Ele  retrucou: tenta!!!

Verdade, não gostara mas isto não significava que era fácil. Já vi cama mal feita e com sinceridade não saberia fazer melhor, porque não é fácil.

Boca calada não entra mosca. Ou, quem diz o que quer ouve o que não quer.


Nota do autor: nunca cheguei a constituir uma administradora (imobiliária) de imóveis. Todavia, anos mais tarde, de volta a Niterói e à advocacia, fui assessor jurídico de duas.

5 comentários:

Riva disse...

Nunca tive e nunca terei jeito para vendedor, simplesmente porque só sei vender algo de qualidade, e em verificando algum detalhe no produto que não seja bom, com certeza alertarei o candidato a comprador para o detalhe.

Certa vez fui vender meu Astra, que tinha 3 anos e meio de uso e apenas 14.000 km rodados. Como todos os carros que possuo, o Astra era excelente, muito bem cuidado e conservado.

Um interessado entrou na garage e a 1ª coisa que fez foi começar a apontar defeitos ridículos e inexistentes na minha visão, para um carro com 3 anos e meio de uso. Sua intenção era, naturalmente, desvalorizar o produto. Coloquei o cara porta afora ....

Freddy disse...

Também jamais seria vendedor.
Provavelmente seria demitido no primeiro dia... Depois de colocar uns 3 clientes na rua.

GUSMÃO disse...

De onde apareceu a experiência como vendedor?

Foi do corretor não poder ter opinião sobre o que está vendendo?

Jorge Carrano disse...

Pois é, Gusmão, a lição foi que eu não precisaria gostar do imóvel, pois não seria eu a compra-lo. Minha opinião deveria ficar guardada para mim (rsrsrs).

Aliás, durante todo o estágio não vendi uma quitinete sequer (rsrsrs).

Mas obtive a declaração do estágio, que me permitiu receber o diploma de "Técnico em Transações Imobiliárias", uma parceria do Centro Educacional de Niterói, com o Sindicato dos Corretores.

Este diploma, junto com umas três dezenas de outros, como o de "Psicohigiene no Trabalho" e "Liderança Situacional", só para citar os mais incomuns estão guardados em meus arquivos implacáveis.

Ana Maria disse...

Aprendi com meu irmão Jorge um recurso para responder aos cpmpradores de carro que gostam de desvalorizar o veículo.
Ele me disse certa feita que ao vender um carro diz claramente que o preço corresponde ao estado do carro. Secestivesse perfeito, seria mais caro.