1 de novembro de 2016

De paletó e gravata


No meu primeiro emprego, em banco, o uso da gravata era obrigatório, nos anos 1960.

Quando deixei o banco para trabalhar em fábrica, na empresa fabricante de fósforos, a gravata foi abolida, e o traje passou a blusão e calça jeans.

Transferido para o Escritório Central voltou a gravata e, com ela, o terno completo. Nunca mais abandonei este traje: camisa social, com gravata, e um terno completo, ou, excepcionalmente, um blazer.

Trabalhei na Fiat Lux durante dez anos, mas poderia ter ficado lá indefinidamente, até minha aposentadoria.

Mas estava inquieto por várias razões. Uma delas é que eu achava que sabia mais do que o diretor ao qual reportava no organograma da companhia. A gente sempre acha, assim que aprende um pouquinho. Mas passei a ter certeza e isso me desmotivava.

Outro motivo de desmotivação foi a rotina. Todo dia sempre igual ao outro, sem desafios ou crescimento. Atravessar a baia de lancha, caminhar pela 1º de março até a Visc. de Inhaúma, com rápida parada na “Laranjada Americana”, logo no início da Rua Buenos Aires.

Nos horários de rush, sem contar as inúmeras greves no transporte marítimo. 

Meu melhor amigo/irmão foi trabalhar em São Paulo, “meca” dos executivos. Foi a gota d’água. Queria porque queria ir para São Paulo. E fui. E para trabalhar em banco, de novo. Banco Português do Brasil. Quem se lembra dele? Teve filial em Niterói, na Rua Visconde de Uruguai.

Minha função era de Coordenador de Recursos Humanos e minha permanência naquela instituição financeira foi muito curta. A família Silva Gordo, que controlava o banco, andou prevaricando e houve intervenção do Banco Central. E em seguida a transferência do controle passou para o banco Itaú que o absorveu.

O banco Itaú tinha estrutura profissional sedimentada na área de recursos humanos e fui demitido. Não fazia sentido me manter na função e com o salário que eu recebia.

Redução de função e de salário era impensável.

Esta minha fase em São Paulo foi um desastre. Pela insegurança gerada tão logo fui admitido, eis que logo  começaram os rumores da crise no banco, não quis arriscar levar a família para São Paulo. E tinha a questão da escola dos filhos.

Assim, fiquei hospedado em hotel. Morei em hotel 13 meses. No centro da cidade, na Av. São João, perto do Largo do Arouche.

Morando sozinho e sem amigos, senão o Castelar, foi duro me adaptar à cidade. Especialmente seu clima. Peguei ainda um restinho da época da garoa.

Durante estes 13 meses geralmente viajava para Niterói nos finais de semana. Mas durante a semana era de lascar. Vez ou outra ficava em São Paulo um final de semana. Era cansativo viajar pela Dutra, no meu fusquinha.

O banco ficava na Paulista esquina de Bela Cintra. E minha sala ficava no terceiro andar bem na curvatura do prédio com vista para a Avenida Paulista e para a Bela Cintra.


Para quem não conhece, a Bela Cintra é uma perpendicular (transversal) da Paulista e consequentemente paralela da Consolação, da Augusta e da Frei Caneca, por exemplo.

Sim, a Augusta era um point noturno da cidade. Mas não frequentava. Vez ou outra fazia um programa com o Castelar e a Francisca, sua mulher na época.

Fizemos bons passeios e conheci bons restaurantes. A Chica, como a tratava, era prima da mulher do Antonio Fagundes, ator então iniciante, e andei assistindo apresentações dele. Lembro muito bem da peça “Jesus Christ Superstar”, montada no Teatro Aquarius, no bairro do Bixiga, em 1972, na qual atuou por curto espaço de tempo.

A mulher do Fagundes era a atriz de nome Clarisse Abujamra, cujo pai havia sido eleito o industrial têxtil do ano. Conheci o ator, na casa do empresário no Guarujá,  levado pela Chica e pelo Castelar, já que o dono da casa era  tio dela. Fagundes era (ainda é?) bem articulado, boa cultura geral, foi um bom papo na roda de jovens na festa, eis que a maioria dos convidados era de empresários veteranos.

A famosa “boca do lixo” era ali ao lado do meu hotel. Mais não digo e nem me foi perguntado.

Até hoje quando lembro que jantei muitas vezes no “Gato que Ri”, no Arouche, comendo massas, fico arrepiado.


Em contrapartida, não muito tempo depois, jantei com Ermelino Matarazzo, no La Casserole, do outro lado do Largo.

O tempora, o mores! (Cicero) 

4 comentários:

Ana Maria disse...

Tendo em vista a documentação biográfica que vc pretende legar às próximas gerações, caberia analisar os resultados desta experiência em sua vida. Valeu a pena o sacrifício, a solidão de um quarto de hotel, as viagens desconfortáveis, a perda do contato com a família? Aconselharia seus netos a arriscar em lugar distante?

Jorge Carrano disse...

Ana Maria,
Cada um, e todos nós, somos seres únicos.

O que queria para a minha vida poderá não ter qualquer relação com o que pretendem meus netos para as suas, apenas para ficar em seu questionamento.

Vivo e vivi, passando por tudo quanto tinha que passar.

Minha vida foi um encadeamento de fatos, circunstância, acasos aparentes e um pouco de determinação.

Assim, por exemplo, como não sabia que era daltônico até os 16 anos de idade, e quando soube minha vida deu uma guinada.

Viajei numa excursão estudantil, para uma cidade que não conhecia, em outro estado, e conheci a mulher com quem viria a me casar.Mas só começamos um namoro quando algum tempo depois ela veio a Niterói, também em excursão de estudantes.

Minha vida foi e é bastante rica de experiências. Tenho alguns arrependimentos, mas nunca saberei se o que lamento não ter feito ou deixado de fazer seria melhor para mim.

Afinal o que seria melhor para mim?

Vida que segue, assim como a narrativa, que será interrompida amanhã,mas retomada na quinta-feira.

Você é testemunha ocular e auditiva de muitas das histórias aqui contadas. Não me deixa mentir sozinho (rsrsrs)

Riva disse...

Fui "peão" de obra de 1972 até 1995, ou seja, calça jeans todos os dias, botas sujas de concreto e barro....e cabelo comprido.

Da obra fui para o CITIBANK por 3 anos, terno obrigatório. Dá para imaginar ? O último que tinha usado fora (ou fôra?) no meu casamento. Achei que não ia aguentar. Lembro do 1º dia de trabalho, um 19 de dezembro, encharcado de suor na barca.

Mas o cabelo continuou comprido, com rabo de cavalo. Levei alguns meses para me acostumar, sem falar em aprender a fazer os diversos laços na gravata.

E não é que gostei ? Passei até a colecionar gravatas ! E era a maior competição, de quem estava com a mais bonita no dia !!

A gente se adapta a qualquer situação, boa ou ruim. #simplesassim

Pior mesmo foi, depois dos 60 anos, ter que trabalhar na Barra ...ano passado. Ninguém merece ir e voltar de Niterói todos os dias, às vezes com trabalho em Costa Barros .....

E qualquer tentativa minha de pensar se devia ter feito isso ou aquilo esbarra na maravilhosa família que constituí .... não dá para avaliar. É goleada. Valeu cada minuto vivenciado.

Hoje um dia especial para todos relembrarem os bons momentos com aqueles que se foram de nossas vidas. Meu pai, uma criatura especialíssima, faleceu exatamente num 2 novembro, há 34 anos. Bj, pai.



Jorge Carrano disse...

Riva,

Também reverencio meu pai. Em pensamentos e orações.

Só faz sentido se acreditamos na imortalidade do espírito não é?