Trabalhei em multinacionais e empresas nacionais. A diferença
de cultura, postura e objetivos era abissal.
Nas empresas de capital nacional, sobretudo de controle familiar,
o objetivo era o enriquecimento da família. Com o tempo a empresa era
sucateada. Sugavam o que podiam, maximizando lucros e reduzindo despesas, mesmo
que algumas das despesas devessem ser contabilizadas como investimentos.
Não irei dar nomes aos burros, mas vi e ouvi coisas de corar monge de pedra.
Já as multinacionais, pelo menos aquelas onde trabalhei ou
que conheci por força das relações comerciais, predominavam a preocupação com a
qualidade, com a segurança do produto, com satisfação da necessidade do
cliente. Respeito, em suma, com o consumidor de seus produtos.
Se não vou nomear os que neglicenciavam com o controle de
qualidade e com a apresentação do produto (embalagem, por exemplo), vou dar um
exemplo positivo, de empresa de capital estrangeiro que tinha princípios éticos
rígidos.
Trabalhei na Fiat Lux, de fósforos de segurança durante 10 anos.
Desde uma das fábricas, no Barreto, em Niterói, até a administração central,
onde fui gerente de departamento, reportando diretamente à diretoria.
Foto muito antiga, da fábrica de fósforos da Fiat Lux, no Barreto, NIterói |
A qualidade do produto era uma fixação. Antes de comprovar o
que digo, com fatos concretos, abro um parêntesis importante para maior
valorização desta política da citada empresa.
A Fiat detinha, por opção, 80% do mercado de fósforos no
país. Sim, era opção não expandir a produção e vendas, por receio da lei antitruste
(criação de Getúlio Vargas, no Estado Novo), que funcionava como uma lâmina
pendendo sobre o pescoço das multinacionais. Quem é jovem deve fazer busca via
Google para entender a norma legal e seus objetivos.
As vendas eram feitas com pagamento antecipado. Isso mesmo
que escrevi, os pedidos eram acompanhados dos cheques e só então a empresa
fazia a entrega do produto.
E num Brasil sem eletrificação rural, sem acendedor de gás (e
depois acendedores automáticos nos fogões), muitos fumantes, antes do
surgimento dos isqueiros descartáveis, o fósforo era produto essencial.
O Diretor Financeiro – Mauricio André de Albuquerque Costa –
tinha fila de gerentes de bancos em sua porta, não para cobrar, mas para pleitear
abertura de conta e aplicação financeira. A Fiat era mais do que capitalizada.
Bem, neste cenário de participação no mercado e plena
capacidade financeira, a empresa poderia surfar sobre as ondas e não investir
tempo e pesquisa no aprimoramento do produto. Mas não era o que acontecia.
Havia, na fábrica aqui no Barreto, em Niterói, num prédio anexo, um
Laboratório Químico Central. Sobretudo para controle de qualidade. E duas
coisas eram fundamentais: os fósforos não poderiam oferecer risco ao consumidor
(afinal eram fósforos de segurança) e deviam atender a expectativa do
consumidor.
Os palitos não poderiam quebrar facilmente, a chama deveria
ser obtida sem esforço e mantida acesa por tempo razoável a fim de atender o
objetivo.
Fósforos que tinham efeito maçaricante ou espirrante, eram
condenados e medidas eram adotadas nas
fábricas responsáveis, para que este item de segurança fosse sempre atendido.
Difícil explicar com palavras o que era uma chama maçaricante.
Mas era aquela que ocorria, quando riscado o fósforo, como se num determinado
ponto da cabeça do palito a chama fosse retardada e produzia o efeito de um
maçarico, claro que em escala reduzidíssima. O espirrante é mais fácil de
explicar. Seria o efeito de soltarem-se pequenas fagulhas, minúsculas, mas que
queimavam em contato com a pele. E nos olhos seria um perigo.
A lixa na caixinha tinha importância primordial. Precisava
ter espessura e consistência que propiciassem maciez
no riscar o palito e - detalhe não observado pelo usuário - a lixa da caixinha
tinha que permitir riscar e acender o dobro da média de palitos (45 palitos).
Essa preocupação impediu
que fosse lançado no mercado um tipo de fósforo refratário a água, que teria a
marca comercial de “Jangada” (o rótulo da caixinha reproduzia uma jangada de
pesca).
Ele funcionava, mas tinha chama retardada e poderia oferecer risco de
queimadura em pessoas menos avisadas. Foi um químico tcheco, Chefe do
Laboratório Central que desenvolveu.
Agora o detalhe que deixa clara a preocupação com qualidade e
apresentação do produto. Havia concurso interno entre as fábricas. Eram colhidos
aleatoriamente na linha de produção, na esteira final, amostras do produto.
Aquele pacotinho com 10 caixinhas, porque também o pacotinho tinha que atender especificações
rígidas.
A dobradura precisava estar perfeita e o rótulo (Olho,
Pinheiro ou Beija-Flor) colado certinho no espaço a ele destinado (não poderia
jamais estar torto, ou ainda com falta ou excesso de cola). O mesmo para o rótulo
das caixinhas, que também precisavam estar em esquadro.
O excesso de exposição ao calor, para secagem da goma,
poderia provocar uma pequena torção – por encolhimento do papel – na gavetinha.
E com isso ele não entraria e sairia com facilidade da caixinha.
Na foto abaixo aparecem máquinas de fabrico das gavetinhas. Nesta época tudo era feito em madeira (pinus), a gaveta, a caixa (que fecha a gaveta) e os palitos. Uma fita em rolo de papel azul, com goma de polvilho, e as lâminas de madeira eram colocadas nas máquinas, que faziam o fechamento. O processo era mecânico, a única parte elétrica era a do motor que fazia girar um eixo com roldanas, que por sua vez faziam rodar as máquinas com o auxílio de correia de couro.
O blogueiro está à direita, com o pé apoiado sobre a guia da lona transportadora |
Tecnicamente gavetinha era a parte que continha os palitos, e
caixinha a parte que fecha e envolve a gavetinha, e tem a lixa.
As amostras colhidas, ao caso e em dia não programado em
todas as unidades, eram enviadas para o LQC (Laboratório Químico Central), onde
eram submetidas aos testes e provas de eficiência, apresentação e segurança. E
a unidade vencedora tinha como prêmio um dia de salário para os empregados nela
lotados.
Alguém iria recusar a caixinha de fósforos se o rótulo
estivesse um pouquinho torto, ou com uma pontinha descolando por falta de goma?
Pois é! Essa preocupação, a meu juízo, evidenciava respeito
ao consumidor. E para quem não conheceu o processo e pudesse um dia ter pensado
em fraude (golpe), na quantidade de palitos (média de 45) na caixinha, afirmo
que seria mais econômico não haver divergência na quantidade de palitos em cada
caixa. Mas o processo automático de enchimento por vezes apresentava algum
defeito e havia perdas. Era tudo descartado o que não ia nas caixinhas.
Notas do autor/editor:
1) a foto da planta fabril foi obtida na internet, sem indicação de autoria. Se alguém souber quem é o detentor dos direitos, por favor avise. Se o próprio, poderá pedir que seja excluída da publicação. Será atendido.
2) Na outra foto, aparece um grupo que fazia o curso de administração de cargos e salários e estava em visita à fábrica. Além do blogueiro (identificado na legenda da foto), aparece o Eng. Zacarias Roberto Costa de Mendonça, da administração.
3) Produtos da Nestlé e Johnson&Johnson, por exemplo, compro sem qualquer receio de contaminação ou risco de qualquer natureza a minha saúde.
8 comentários:
Carrano,
Com todo respeito, você não está se repetindo muito não?
Você tem certeza que esse fósforo JANGADA não chegou a ir ao mercado por um curto período ?
Bom domingo a todos !
Acho que você tem razão, Riva.
Foi retirado logo em seguida. Era, cá apara nós, perigoso.
Nós, conhecendo as reações retardadas da chama, sabíamos como lidar com ele. Mas os consumidores, acostumados com o convencional, poderiam se queimar.
Bom final de domingo para você também.
Acho que você também tem razão, Gusmão.
Mas diferentemente do fósforo Jangada, não ofereço risco a ninguém (rsrsrs).
LEVEI CULPA demitido do Flu depois do vexame de hoje.
Ninguém acerta com esse grupo, com vários jogadores medíocres e vários com prazo de validade vencido.
Que venha 2017.
Sei bem o que é isso, Riva.
E o cheiro de hepta?
Eles querem a sétima colocação, é isso? Falta pouco, já estão em terceiro.
No sitio a abaixo algumas informações sobre processo de fabricação de fósforos.
http://www.fiatlux.com.br/main_produtos_fosforos_historia.html#topo
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