10 de outubro de 2016

Aparências

Já comentei em algum post neste blog que morei e trabalhei em Ribeirão Preto – SP.

Num supermercado da cidade havia um setor de importados. Este setor era frequentado por novos ricos, fazendeiros, plantadores de cana de açúcar, usineiros, que entravam  com suas botas cheias de barro, depois de deixarem suas possantes camionetes de cabine dupla  no estacionamento e iam diretamente para aquelas gôndolas que expunham delícias de várias partes do mundo.

Moët Chandon
Alguns vinham de Sertãozinho, que iniciava seu  crescimento no agronegócio,  e de Jardinópolis, conhecida como capital da manga (fruta), estendiam suas mãos grossas e calejadas e pegavam pelo gargalo o melhor uísque (no mínimo 12 anos) ou bons vinhos franceses, italianos e portugueses, assim como iguarias, como queijos, frios e embutidos não acessíveis para muita gente enfatiotada, classe média, profissionais liberais, pequenos empresários, e funcionários de empresas e bancos. Como eu.


Royal Salute 62 anos
Lembro de um gerente, oriundo de São Paulo, que trabalhava numa loja desta mesma cadeia, no bairro de Pinheiros, que  nos primeiros dias mandava a segurança ficar de olho  naquela gente maltrapilha que circulava no setor dos importados. Aparência é item de casta social?
Bem, tem a piada  do sujeito que dizia andar sempre limpo, bem arrumado, colarinho e punhos da camisa bem engomados, porque como não tinha dinheiro nos bolsos era a única maneira de ser respeitado e bem tendido.

Ainda posso relatar uma experiência pessoal.  Comprara meu primeiro apartamento, na Rua Miguel de Frias, porque fora promovido a gerente (recursos humanos). Estava, num sábado pela manhã, limpando meu fusca na garagem, quando minha mulher foi me avisar que a Marly havia ligado que no dia seguinte seria comemorado o primeiro aniversário do filho dela.

Ora, o comércio iria fechar às 12 horas e precisávamos comprar “um presentinho” para o menino. Sugeriu um pimpão (tipo de roupa infantil), ou sapatinho, ou outra coisa do gênero.

Como eu estava vestido, de short, camiseta e sandália de dedo parti para o centro da cidade. No início da  década de 1970 não havia comércio em Icaraí. Não para este tipo de compra. Fui para uma loja de moda infantil que se chamava, se me não falha a memória, O Pavilhão, numa esquina da Av. Amaral Peixoto.

Como nada sabia sobre roupa infantil, numeração (tamanho por idade) e onde ficava exatamente o quê, estava aguardando uma vendedora me socorrer enquanto olhava – sem ver – as várias prateleiras. Finalmente consegui cercar uma delas e pedir ajuda: “ olha tenho que comprar alguma coisa para um menino que está completando 1 ano e não sei o que comprar”.

Pouco entusiasmada a vendedora me apresentou alguma coisa que achei interessante. Disse que levaria e que ela embrulhasse para presente. Ela disse o preço, e meio  ressabiada  perguntou  como eu pagaria: cheque ou dinheiro?

Respondi que com cartão de crédito. Saquei do bolso meu Diners Club, que ara naquela época um diferencial, seletivo, nem todo mundo podia ter. Eu já podia e por vaidade e exibicionismo era sócio.

O sorriso brotou nos lábios da vendedora, e a atenção contida virou simpatia, interesse e presteza: o senhor não quer mais nada? É só isso mesmo?

O que não fazia um cartão Diners, nos anos 70. Assim como o que não fazia, nos anos 80, o punhado de cédulas amarrotadas nos bolsos dos fazendeiros em Ribeirão Preto.

Teria outros casos vividos ou presenciados, mas acho que o que relatei é suficiente para ilustrar o que pretendia: as aparências por vezes enganam.

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