24 de julho de 2018

Tradições, sofismas, boatos, lendas e costumes




Há pouco mais de um ano, com o objetivo de conhecer como ficou a zona portuária depois das obras realizadas para as Olimpíadas, fui ao Rio de Janeiro com meus filhos e noras, num domingo.

Deu-me na veneta sugerir que almoçássemos no antigo e tradicional restaurante “Albamar”, agora “Ancoramar”, localizado praticamente na Praça XV.

O cardápio, calcado ainda e sempre em peixes frutos do mar, oferecia boas opções. A cozinha e o serviço estavam como antes bons.

Ao ir embora, enquanto aguardava o antigo elevador para descer, o jovem recepcionista perguntou se eu estava satisfeito. Expliquei para ele que já conhecia a casa, há muitos anos, eis que meu pai gostava daquele restaurante.

O rapaz comentou que provavelmente pelos menos dois dos garções ainda estão trabalhando ali desde a época em que lá estivera. Há mais de 50 anos.

Incrível. Meu pai faleceu em 1963 e já fazia tempo que estivéramos no “Albamar” para jantar.

A tradição da casa (não sei se sob o mesmo dono, ou descendentes), a fidelidade dos garções e o reconhecimento dos patrões ao trabalho de seus empregados hoje em dia é raro, mas no passado era comum.

Durante muitos anos cortei cabelo num mesmo salão, na Rua da Conceição, por causa do barbeiro. A clientela era dele e não do ponto. Até que o salão fechou e ele foi trabalhar no Elite, na Av. Amaral Peixoto.

Só o abandonei o Waltinho porque o preço no novo local era mais caro e eu vivia uma fase de penúria, pior do que a atual.

Os profissionais ficavam anos trabalhando na mesma empresa, na mesma firma. Na Cia. Fiat Lux, onde trabalhei por 10 anos, tinha empregados que lá trabalhavam desde sempre.

Na década de 1960, quando trabalhei em banco, havia gerentes que tinham valor de mercado, como o “passe” dos jogadores de futebol.
Conheci um que recebeu uma proposta para mudar de banco recebendo um polpudo valor de “luvas”. Isto porque onde ele fosse levaria com ele muitos clientes importantes. Pessoas jurídicas sobretudo.

E as empregadas domésticas, ou babás, ou cozinheiras? Algumas trabalhavam anos para a mesma família. A “bá” de uma das filhas continuava trabalhando após o casamento desta e passava a cuidar de seus filhos.

Viravam membros da família. Recebiam atenção, carinho e respeito.

Muitas das “secretárias do lar” residiam no local de trabalho. Os quartos eram pequenos mas bem equipados e possuíam banheiro independente.

Tive uma cliente que durante anos, na ida semanal à feira, comprava duas bolsas exatamente com as mesmas mercadorias. Uma para ela e a outra para sua doméstica levar para casa.

Aí começaram a demonizar as patroas sob alegação de que exploravam suas empregadas exigindo serviços acima das forças  e além do horário razoável de trabalho.

Não acontecia? Sim, mas eram exceções que não invalidavam o tipo de trabalho doméstico. Conheci uma advogada que mantinha na mesma escola de seu filho, o filho da babá. Iam juntos na mesma condução.

Muitas mulheres atualmente são ambulantes nas ruas e também não têm direito aos benefícios sociais, o que ara a justificativa para colocar como censurável o trabalho doméstico.

Muitas são varredoras de ruas, trabalhando para a Clin, debaixo de sol ou chuva, ganhando um pequeno salário.

Pior são as que mendigam e perambulam pelas ruas porque não têm mais idade ou saúde para trabalhar.

Conceder aos domésticos os benefícios sociais é justo, claro. Mas tornou insuportável o custo para os patrões. Como regra geral.

E as domésticas competentes, responsáveis e “de confiança” foram raras. Quando de minha primeira temporada de trabalho em São Paulo, numa de nossas idas para visitar meus sogros no Espirito Santo, trouxemos uma menina para ajudar em casa. Nossos dois filhos eram pequenos, morávamos numa casa térrea e nos fundos, acima da edícula, tinha um quarto com banheiro para a empregada.

Prometemos aos pais dela que cuidaríamos e propiciaríamos estudo para a mocinha, que contava 16 anos de idade.

Aconteceu que uma das irmãs dela, mais velha, foi morar em São Paulo e passou a pegá-la para passear nos finais de semana. Fiquei justificadamente preocupado, pelo comportamento e maneiras da tal irmã e resolvi levar a nossa ajudante de volta para casa, em Cacheiro de Itapemirim.

Afinal a responsabilidade por ela em São Pulo era minha. Não da irmã.

Meus filhos se davam muito bem com ela, que era como membro da família. Quando saíamos ela ia junto, comia conosco, assistia as novelas com minha mulher e somente na hora de dormir se recolhia ao seu quarto.

Seu nome era Aparecida e era tratada como Parará porque era assim que nosso caçula que ainda não falava correta e fluentemente a chamava.





 Notas: 

2) Milhares de menores abandonados a própria sorte e explorados pelo tráfico, no passado tinham sempre emprego nos supermercados como empacotadores, e nas firmas grandes como office-boys. Mas hipócritas achavam exploração de menor. 

3)  Lugar de criança é na escola, dizem. Mas onde estão as escolas?

4) A escola que frequentam é a da criminalidade.


3 comentários:

Riv@ disse...

Esse mundo das "domésticas" não existe mais .... infelizmente. Agora qualquer vacilo vc vai parar na frente do juiz. E elas não perceberam como tudo isso foi prejudicial a elas mesmas.
Virou uma relação de trabalho como sempre foi nos EUA, fria e com pgto por dia ou hora.

Quanto ao ex-Albamar, não vou lá há uns 10 anos. E a paisagem da chegada e saída das barcas, os aviões decolando do S Dumont ...

Mas sempre que fomos, saíamos super satisfeitos com os frutos do mar, os bolinhos de bacalhau e casquinhas de siri de entrada, tudo regado com uma boa caipivodka de limão.

Aquele elevador é peça rara de museu !

Jorge Carrano disse...

Coloque em seus plano voltar lá, Riva. O restaurante continua muito bom.

Riv@ disse...

Voltarei, amigo ! Com certeza !

Vg próxima de um dos filhos pela US1 descendo a costa da California - já fiz essa viagem, maravilhosa, em 2005.

Aguardem detalhes na volta dele !