6 de novembro de 2016

Ética, responsabilidade e respeito ao consumidor

Trabalhei em multinacionais e empresas nacionais. A diferença de cultura, postura e objetivos era abissal.

Nas empresas de capital nacional, sobretudo de controle familiar, o objetivo era o enriquecimento da família. Com o tempo a empresa era sucateada. Sugavam o que podiam, maximizando lucros e reduzindo despesas, mesmo que algumas das despesas devessem ser contabilizadas como investimentos.

Não irei dar nomes aos burros, mas vi e ouvi coisas de corar monge de pedra.

Já as multinacionais, pelo menos aquelas onde trabalhei ou que conheci por força das relações comerciais, predominavam a preocupação com a qualidade, com a segurança do produto, com satisfação da necessidade do cliente. Respeito, em suma, com o consumidor de seus produtos.

Se não vou nomear os que neglicenciavam com o controle de qualidade e com a apresentação do produto (embalagem, por exemplo), vou dar um exemplo positivo, de empresa de capital estrangeiro que tinha princípios éticos rígidos.

Trabalhei na Fiat Lux, de fósforos de segurança durante 10 anos. Desde uma das fábricas, no Barreto, em Niterói, até a administração central, onde fui gerente de departamento, reportando diretamente à diretoria.

Foto muito antiga, da fábrica de fósforos da Fiat Lux, no Barreto, NIterói

A qualidade do produto era uma fixação. Antes de comprovar o que digo, com fatos concretos, abro um parêntesis importante para maior valorização desta política da citada empresa.

A Fiat detinha, por opção, 80% do mercado de fósforos no país. Sim, era opção não expandir a produção e vendas, por receio da lei antitruste (criação de Getúlio Vargas, no Estado Novo), que funcionava como uma lâmina pendendo sobre o pescoço das multinacionais. Quem é jovem deve fazer busca via Google para entender a norma legal e seus objetivos.

As vendas eram feitas com pagamento antecipado. Isso mesmo que escrevi, os pedidos eram acompanhados dos cheques e só então a empresa fazia a entrega do produto.

E num Brasil sem eletrificação rural, sem acendedor de gás (e depois acendedores automáticos nos fogões), muitos fumantes, antes do surgimento dos isqueiros descartáveis, o fósforo era produto essencial.

O Diretor Financeiro – Mauricio André de Albuquerque Costa – tinha fila de gerentes de bancos em sua porta, não para cobrar, mas para pleitear abertura de conta e aplicação financeira. A Fiat era mais do que capitalizada.

Bem, neste cenário de participação no mercado e plena capacidade financeira, a empresa poderia surfar sobre as ondas e não investir tempo e pesquisa no aprimoramento do produto. Mas não era o que acontecia. Havia, na fábrica aqui no Barreto, em Niterói, num prédio anexo, um Laboratório Químico Central. Sobretudo para controle de qualidade. E duas coisas eram fundamentais: os fósforos não poderiam oferecer risco ao consumidor (afinal eram fósforos de segurança) e deviam atender a expectativa do consumidor.

Os palitos não poderiam quebrar facilmente, a chama deveria ser obtida sem esforço e mantida acesa por tempo razoável a fim de atender o objetivo.

Fósforos que tinham efeito maçaricante ou espirrante, eram condenados  e medidas eram adotadas nas fábricas responsáveis, para que este item de segurança fosse sempre atendido.

Difícil explicar com palavras o que era uma chama maçaricante. Mas era aquela que ocorria, quando riscado o fósforo, como se num determinado ponto da cabeça do palito a chama fosse retardada e produzia o efeito de um maçarico, claro que em escala reduzidíssima. O espirrante é mais fácil de explicar. Seria o efeito de soltarem-se pequenas fagulhas, minúsculas, mas que queimavam em contato com a pele. E nos olhos seria um perigo.

A lixa na caixinha tinha importância primordial. Precisava ter espessura e consistência que propiciassem maciez no riscar o palito e - detalhe não observado pelo usuário - a lixa da caixinha tinha que permitir riscar e acender o dobro da média de palitos (45 palitos).

Essa preocupação  impediu que fosse lançado no mercado um tipo de fósforo refratário a água, que teria a marca comercial de “Jangada” (o rótulo da caixinha reproduzia uma jangada de pesca). 

Ele funcionava, mas tinha chama retardada e poderia oferecer risco de queimadura em pessoas menos avisadas. Foi um químico tcheco, Chefe do Laboratório Central  que desenvolveu.

Agora o detalhe que deixa clara a preocupação com qualidade e apresentação do produto. Havia concurso interno entre as fábricas. Eram colhidos aleatoriamente na linha de produção, na esteira final, amostras do produto. Aquele pacotinho com 10 caixinhas, porque também o pacotinho tinha que atender especificações rígidas.

A dobradura precisava estar perfeita e o rótulo (Olho, Pinheiro ou Beija-Flor) colado certinho no espaço a ele destinado (não poderia jamais estar torto, ou ainda com falta ou excesso de cola). O mesmo para o rótulo das caixinhas, que também precisavam estar em esquadro.

O excesso de exposição ao calor, para secagem da goma, poderia provocar uma pequena torção – por encolhimento do papel – na gavetinha. E com isso ele não entraria e sairia com facilidade da caixinha.

Na foto abaixo aparecem máquinas de fabrico das gavetinhas. Nesta época tudo era feito em madeira (pinus), a gaveta, a caixa (que fecha a gaveta) e os palitos. Uma fita em rolo de papel azul, com goma de polvilho, e as lâminas de madeira eram colocadas nas máquinas, que faziam o fechamento. O processo era mecânico, a única parte elétrica era a do motor que fazia girar um eixo com roldanas,  que por sua vez faziam rodar as máquinas com o auxílio de correia de couro.

O blogueiro está à direita, com o pé apoiado sobre a guia da lona transportadora
Tecnicamente gavetinha era a parte que continha os palitos, e caixinha a parte que fecha e envolve a gavetinha,  e tem a lixa.

As amostras colhidas, ao caso e em dia não programado em todas as unidades, eram enviadas para o LQC (Laboratório Químico Central), onde eram submetidas aos testes e provas de eficiência, apresentação e segurança. E a unidade vencedora tinha como prêmio um dia de salário para os empregados nela lotados.

Alguém iria recusar a caixinha de fósforos se o rótulo estivesse um pouquinho torto, ou com uma pontinha descolando por falta de goma?

Pois é! Essa preocupação, a meu juízo, evidenciava respeito ao consumidor. E para quem não conheceu o processo e pudesse um dia ter pensado em fraude (golpe), na quantidade de palitos (média de 45) na caixinha, afirmo que seria mais econômico não haver divergência na quantidade de palitos em cada caixa. Mas o processo automático de enchimento por vezes apresentava algum defeito e havia perdas. Era tudo descartado o que não ia nas caixinhas.



Notas do autor/editor:
1) a foto da planta fabril foi obtida na internet, sem indicação de autoria. Se alguém souber quem é o detentor dos direitos, por favor avise. Se o próprio, poderá pedir que seja excluída da publicação. Será atendido.

2) Na outra foto, aparece um grupo que fazia o curso de administração de cargos e salários e estava em visita à fábrica. Além do blogueiro (identificado na legenda da foto), aparece o Eng. Zacarias Roberto Costa de Mendonça, da administração. 

3) Produtos da Nestlé e Johnson&Johnson, por exemplo, compro sem qualquer receio de contaminação ou risco de qualquer natureza a minha saúde.

8 comentários:

GUSMÃO disse...

Carrano,
Com todo respeito, você não está se repetindo muito não?

Riva disse...

Você tem certeza que esse fósforo JANGADA não chegou a ir ao mercado por um curto período ?

Bom domingo a todos !

Jorge Carrano disse...

Acho que você tem razão, Riva.

Foi retirado logo em seguida. Era, cá apara nós, perigoso.

Nós, conhecendo as reações retardadas da chama, sabíamos como lidar com ele. Mas os consumidores, acostumados com o convencional, poderiam se queimar.

Bom final de domingo para você também.

Jorge Carrano disse...

Acho que você também tem razão, Gusmão.

Mas diferentemente do fósforo Jangada, não ofereço risco a ninguém (rsrsrs).

Riva disse...

LEVEI CULPA demitido do Flu depois do vexame de hoje.

Ninguém acerta com esse grupo, com vários jogadores medíocres e vários com prazo de validade vencido.

Que venha 2017.

Jorge Carrano disse...

Sei bem o que é isso, Riva.

GUSMÃO disse...

E o cheiro de hepta?

Eles querem a sétima colocação, é isso? Falta pouco, já estão em terceiro.

Jorge Carrano disse...

No sitio a abaixo algumas informações sobre processo de fabricação de fósforos.

http://www.fiatlux.com.br/main_produtos_fosforos_historia.html#topo