Por
GUSMÃO
Um radar de maior alcance indicaria a presença de parentes,
mais próximos ou mais remotos na genealogia de nosso clã, em algumas partes do
planeta.
Mas não é destes parentes que vou tratar. Nem dos que jamais
vi, face ao crescimento desordenado e aleatório da família. E principalmente o êxodo provocado pela situação do país, que desiludi os jovens que almejam oportunidade de crescimento humano e profissional. E não é de hoje.
Nunca em minha
família foi tentada a reunião de todos que estejam vivos, em um mesmo local. Assisti, faz tempo, em noticiário de TV, uma reunião familiar, em uma fazenda, e eram tantos os membros ali reunidos, alguns que nem se conheciam pessoalmente, que todos usavam crachás. Achei interessante e invejei.
No nosso caso o mais comum é nos reunirmos, em boa parte, em velórios ou
sepultamentos de membros mais velhos. E está se aproximando o momento em que virei a ser o velho da vez a morrer e aproximar parte da família.
Vou falar de almoços familiares do passado, num núcleo mais
restrito, até o grau de bisnetos, comparando-os com os que atualmente
programamos. E para os quais em geral
não conseguimos quórum de dois terços.
Antigamente era assim. O anfitrião convidava a família, por
telefone os que moravam mais longe e pessoalmente os mais próximos. Mandavam recados para uns pelos outros.
O host, ou a hostess, decidia o prato segundo seu gosto pessoal, seu orçamento ou época do ano. Fora do período festivo de final de ano, o mais das vezes era um talharim de massa
fresca, com lagarto daquele redondo, assado e recheado com paio e/ou linguiça.
Poderia, entretanto, ser uma maionese (batata, cenoura, chuchu, azeitonas, passas
sem caroço, maçã, tudo picadinho, e misturado numa maionese feita em casa). Acompanhava bife à milanesa e arroz branco.
Estes pratos, ou outros como pernil assado, peixe à
brasileira, eram precedidos por uma salada de alface, agrião, pepino, cebola e tomate,
regado com um legítimo azeite importado, vinagre e sal.
A sobremesa era invariavelmente o pudim de leite Moça. Naquela
época esta marca designava todos os (poucos na época) leites condensados. Assim
como a Brahma todas as cervejas, aqui no Rio.
Poderia, excepcionalmente, ser salada de frutas com sorvete.
Ou goiabada com queijo. Desde que a goiabada fosse daquele tipo cascão e o
queijo mineiro.
E todos compareciam. Chegavam pontualmente, ou até de véspera,
e as crianças, então obedientes aos
pais, também vinham contentes ou não. As crianças ouviam, mas não palpitavam
nas conversas “dos mais velhos”, todavia era-lhes concedido tempo, em geral ao
final da refeição, para fazerem suas gracinhas. Contar piada, cantar ou falar
sobre assuntos da escola.
Há algum tempo os almoços começaram a rarear. Dificilmente se
consegue reunir a família, pelos motivos mais diversos. A contar do fato de que
as crianças – e nem falo dos adolescentes – já têm sua própria agenda social. É
o aniversário do coleguinha, a festa do pijama (reúnem-se e dormem na casa de
um deles), as excursões colegiais, e outros eventos como comparecimento a shows
dos ídolos da moda. Tal fato, muitas das vezes, limita a presença dos seus pais.
Nem vou abordar o fato de que nos dias que correm para receber de 20 a 30 parentes para um almoço, incluindo bebidas (vinho, cerveja, refrigerante), você vai consumir todo o 13º salário e pagar tudo em três vezes no cartão.
Mas minha intenção é comparar mais largamente o que ara possível
com o que ficou quase impossível, independentemente do que seria gasto. Falar de usos e costumes, de transformações sociais como determinantes.
Num almoço hoje, em minha residência, a primeira providência
que adotaria seria colocar sobre o aparador que guarnece o espelho, na entrada
do apartamento, uma caixa de sapatos para que todos, todos mesmo, colocassem
seus smartphones ...... desligados.
Todos frequentam redes sociais e não podem ficar alheios as
novidades e memes que circulam. Como todos
são bem relacionados, seus telefones tocam sem parar. É um cliente de
uma das mulheres (médica, arquiteta, psicóloga, nutricionista), ou mesmo uma amiga socialite que quer fofocar. O outro recebe a ligação para convida-lo para ... pensa aí em alguma coisa: futebol, jogo de biriba, roda de samba, ir ao hospital visitar um amigo comum, são inúmeras as possibilidades.
As crianças, estas então, sem seus telefones ficam como
manietadas. Nem sabem o que fazer com as mãos, em especial os polegares. E na refeição tem que ter fritas.
Resolvida a questão de estarem todos na mesma sintonia, sem
celulares em conversas paralelas, resta a questão do cardápio. Pensam que é
fácil agradar a gregos e troianos?
Um tem restrição alimentar, por doença, e não come certas
coisas. Outro criou sua própria restrição e não come carnes. Outro é alérgico a
camarão. Um só come bife mal passado, e o outro só come o quase esturricado que
virou solado de sapato. Um, ou uma, sejamos justos, é alérgico à corante
amarelo. O outro é hipertenso e não come comida bem temperada com sal.
Agora, ultimamente, tem gente que não come coisas que nascem sob a
terra (enterrados), como batata, cenoura, nabo, inhame e aipim. Não seriam boas
para o intestino. A restrição ao aipim já limita vários bons pratos, como o
bobó de camarão. Sim, sem contar aquele que é alérgico ao crustáceo.
Então ficamos na dúvida. Que vamos preparar para convidar a
família? Carne? Bem a fulana não come carne vermelha. Então fazemos ave? Não,
porque o beltrano não come nada que cisca para trás. Acha que atrasa a vida.
Espera aí, sem frescura, senão não conseguiremos definir o
prato. Que tal peixe, uma moqueca? Será à baiana ou à capixaba, indaga a dona
da casa? Pois é, agora é a dona da casa
que decide o que fazer, a menos que você vá para o fogão. Já está longe o tempo
em que a mulher só obedecia, senão as ordens, pelo menos os apelos do chefe de
família, que provia o sustento.
A justificativa para a pergunta é porque tem gente que não come dendê. Como alguém pode ser feliz sem apreciar a boa cozinha baiana? Sem vatapá a vida não tem sabor.
No passado era preparado um prato opcional, para os que estavam em algum tipo de dieta. Agora os opcionais não caberiam nas mesas, tantos teriam que ser.
Melhor programar num restaurante. Que tipo de culinária,
posso saber? De novo a mulher a indagar. Sem contar que num dos restaurantes seria preciso chegar às 11 horas para pegar lugar, no outro o serviço é péssimo, um terceiro não aceita reserva, a outra alternativa aceitável, de bom cardápio e preço justo mas fica na Barra da Tijuca. Muito longe.
Desisto, de minha parte vou ao festival de food truck me empanturrar
de colesterol, triglicérides, lactose, cafeína, gordura, pimenta, açúcar, ou seja, tudo
que é bom. E mando um torpedo ou um WhatsApp para a família cobrando notícias. Já que o Orkut acabou, assim como o velho e saudável hábito da família em torno da mesa conversando e comendo. Sem pressa, sem pauta.