Por
Carlos Frederico March
(Freddy)
SEGUNDO DIA - A TRANSMISSÃO
Como não começar já com os
descaminhos da polêmica transmissão da Globo? Desta feita flagrados e
disseminados pelas redes sociais. Recebi pelo Facebook mas mostro abaixo link obtenível
(por quanto tempo?) na busca Google do desfile da Vila Isabel:
http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2016/02/08/vai-ficar-estranho-diz-fatima-sobre-decisao-da-globo-de-ignorar-a-vila/
Como já comentei em post
anterior, apesar de não gostar de samba em geral, admiro muito os desfiles das
escolas por seu caráter artístico extremamente complexo. Assim sendo, pus-me
cheio de paciência a esperar o fim do Big Brother Brasil desta noite de 2ª
feira, dia 08/02, para que a Globo se dignasse a passar as escolas.
Para surpresa minha e dos
apresentadores Luís Roberto e Fátima Bernardes, quis o destino que, quando as
câmeras abriram para o estúdio panorâmico, a Vila Isabel ainda estava
desfilando! Por norma interna, o “teatro” montado pela Globo teria de iniciar a
noite com a segunda escola como se fora a primeira, no caso a Acadêmicos do
Salgueiro e os apresentadores não estavam autorizados a dizer nada sobre a
primeira escola real, que seria a última da transmissão, num compacto.
Perdidos com a inusitada situação,
Luís Roberto e Fátima acabaram comentando em off sobre a gafe e a decisão
interna da emissora de passar o compacto da Vila sem as 2 alegorias finais, já
flagradas pelo público ao vivo no fundo da imagem - reforçando o “teatro” de
que a primeira escola teria sido a Salgueiro e não a Vila . Só que o áudio
vazou na Internet e já é de domínio público nas redes sociais.
SEGUNDO DIA - AS ESCOLAS
A Vila Isabel não tem nada a ver
com isso e apresentou-se como a primeira escola da noite com um enredo homenageando
Miguel Arraes, destacando o incentivo que deu à educação e à cultura popular no
estado de Pernambuco.
O belo carro abre-alas, chamado
de Miragem do Sertão, deu início ao relato que passou da caatinga às
manifestações artísticas e culturais do estado e até o maior bloco carnavalesco
do Brasil - o Galo da Madrugada - teve seu lugar garantido no enredo. Escolhi
para ilustrar o desfile o abre-alas e uma cena da apresentação de frevo, um
clique muito feliz de um dos profissionais que trabalharam para a Globo.
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Vila Isabel: carro abre-alas Miragem do Sertão |
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Vila Isabel: Um instantâneo do frevo |
Passamos então à “primeira”
escola a ter seu desfile oficialmente transmitido pela Globo nesse segundo
dia: a Acadêmicos do Salgueiro, com o
enredo “A ópera do malandro”, uma adaptação livre da obra homônima de Chico
Buarque de Hollanda. Um tema bem animado e carnavalesco, diria eu.
Apesar de - repito - entender
pouco de samba e de escolas, como mero admirador da arte achei o desfile do Salgueiro
muito bonito, bem arrumado, luxuoso e coerente. Estava num nível que, no meu
entender e também dos juízes, a categorizava como séria candidata ao título de
melhor escola de 2016. Perdeu por 3 décimos, situando-se em 4º lugar na
apuração geral.
O porque da perda dos pontos
ficou claro logo no abre-alas. Um defeito no gerador do carro manteve-o apagado
durante todo o desfile. Foi uma falha capital, apesar de que alguns
comentaristas tentaram minimizar dizendo que a iluminação do Sambódromo e as cores
claras do carro davam grande ajuda no visual prejudicado. Mas os juízes foram
rigorosos e o Salgueiro saiu do páreo pelo título no finalzinho da apuração.
Era o último quesito a ter os envelopes abertos, tremenda frustração mas já, de
certa forma, esperada.
Os malandros fizeram muito bem a
sua parte no enredo consistente e bem apresentado. Para não ser cansativo -
afinal em todas as escolas acontece mais ou menos as mesmas coisas - uma
novidade chamou a atenção: a bateria! Foi difícil, mas os carnavalescos Renato
e Márcia Lage conseguiram convencer aquele monte de marmanjos a vestir uma
fantasia cor de rosa e uma máscara que os caracterizava como a famosa Geni
(“joga pedra na Geni”, no enredo da ópera original).
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Salgueiro: Carro abre-alas com falha na iluminação |
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Salgueiro: Bateria fantasiada de Geni |
A seguir desfilou a São Clemente.
Gente, achei-a muito bonitinha! Mais de 1.000 palhaços no salão foi um enredo
perfeito para a noite. Apesar de muito bem resolvido e com uma distribuição
harmoniosa e coerente, as fantasias estavam mais para o lado simples, sem o
brilho das outras escolas. O samba enredo era fácil, sem aquelas firulas
incompreensíveis que acomete o de algumas escolas - só que os juízes não
gostaram muito...
Estava bem me deliciando com um
carnaval de verdade e não uma superprodução holywoodiana
quando o destino foi amargo para a escola... Um dos carros alegóricos travou e,
até que fosse manualmente (gente empurrando) posto novamente em movimento, um
buraco de dezenas de metros se abriu entre ele e a ala que havia acabado de passar.
Isso é fatal para apuração e de
fato a São Clemente perdeu pontos no quesito evolução. A elogiar: o sangue frio
da turma, ninguém ficou nervoso, continuaram sambando e cantando. Assim que o
carro voltou a se locomover normalmente, a escola prosseguiu o desfile como se
nada tivesse ocorrido.
Outro acidente acometeu a escola,
mas foi visível na transmissão apenas através da câmera aérea: a rainha da
bateria, Raphaela Gomes (com 16 anos, a mais nova rainha dentre as escolas),
levou um tombo e precisou ser amparada. Não posso dizer se os juízes viram e
anotaram o prejuízo, pois a nota evolução engloba tudo que ocorreu na avenida,
já prejudicada pelo “buraco” na formação.
Digno de destaque foi a última
ala, onde a escola se deu ao prazer de relembrar recentes protestos políticos:
a Ala do Panelaço! Bem a propósito da população estar sendo feita de palhaça
(afinal, o cerne do enredo), os integrantes se juntaram à bateria principal com
suas frigideiras. Foi muito bem colocada a crítica política.
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São Clemente: Alegoria do Palhaço, tema central |
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São Clemente: Ala do Panelaço |
A seguir entrou a preferida de
minha esposa Mary, a Portela. O enredo era relacionado com o próprio símbolo da
escola: “No voo da Águia, uma Viagem sem Fim”. Grande expectativa cercava o
desfile por conta de ser o primeiro da Portela com o famoso carnavalesco Paulo
Barros, provavelmente o mais criativo e moderno de todas as agremiações.
De cara, aterrissaram na avenida 3
pára-quedistas com parapentes brancos. Era só o começo. A comissão de frente
trouxe uma releitura da “Odisséia de Homero” onde um Poseidon flutuava sobre
jatos de água usando flyboard. Só o tanque de água pesava 30 toneladas.
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Portela: Parapente pousando na avenida antes do desfile |
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Portela: Poseidon flutuando sobre flyboard |
Logo atrás a águia símbolo da
escola era montada por um Moisés (sem escoras!) que abriu com veementes gestos as
águas virtuais formada por figurantes e foi até o Monte Sinai, onde a águia
pousou, numa coreografia arrepiante. Diga-se de passagem que houve muito debate
até a direção da escola permitir que um figurante ficasse sobre a cabeça da águia,
novidade absoluta nos desfiles portelenses.
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Portela: Moisés montado sobre a Águia símbolo da escola |
Teve luta de incas contra os
invasores, onde um índio surrava um espanhol e o jogava do alto de uma torre. O
dublê caía sobre um colchão oculto da plateia e a cena se repedia n-vezes. Teve
barco viking em plena tempestade, inclinando-se até 40º de cada lado, com
marinheiros desesperados pendurados em cordas sobre os mastros.
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Portela: Barco viking na tempestade |
Muito impressionante, como parte
das viagens da águia através dos contos, foi o carro com Gulliver, uma cópia
quase fiel de 17m de altura do ator Jack Black que interpretou o gigante num
recente filme sobre as Viagens de Gulliver (2010). A cena o mostrava deitado
sobre o carro e então vagarosamente ele se erguia. Figurantes que estavam sobre
seu peito acabavam pendurados por cordas. Era muito alto!
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Portela: Gulliver de pé, 17m de altura |
Criativo ao extremo, apesar de
mostrado apenas uma vez pela Globo durante a transmissão (que não cansarei de
bradar aos ventos: terrível), foi o carro em que arqueólogas que pesquisavam a
selva eram subitamente engolidas por dinossauros que apareciam sem aviso
prévio. Muito bem ensaiada a cena!
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Portela: Arqueólogas sendo devoradas por dinossauros |
OK, eu não tenho escola pela qual
estivesse torcendo a favor, mas com certeza minha favorita de 2016 foi a
Portela, porque foi diferente - como era de se esperar tendo Paulo Barros à
frente. Com ele não tem aquela mesmice das demais, há sempre algo inusitado
para surpreender a plateia, e sempre executado de uma maneira muito bem
ensaiada, perfeita. Daí a justificativa para tantas fotos da Portela, enquanto
as demais ganharam 2 ou 3 cada.
A Imperatriz Lepoldinense também
não me decepcionou. O enredo contava a história de Zezé di Camargo e Luciano e
de cara apresentou uma novidade: Lucy Alves, ex-participante do The Voice,
tocando acordeão junto com os violões, bandolins e percussão sobre o carro de
puxadores de samba. Fiquei impressionado como ninguém nunca pensara nisso ao
vivo, pois cria uma “cama” sonora muito bonita. Sim, claro, num enredo
sertanejo.
Além da presença de uma
acordeonista no carro de som, a bateria também mostrou novidades em suas
paradinhas. Durante segundos, o samba dava lugar a uma frase de música
sertaneja para então voltar à toda. Bastante interessante o efeito causado, foi
elogiado pela crítica (e por mim).
No geral foi um desfile de
primeira grandeza, a meu ver. Somava-se aos demais dessa noite tão melhor que a
anterior. Teve diversas presenças ilustres, amigos e familiares da dupla
homenageada. Igor, Wanessa e Camila Camargo e a ex-mulher de Zezé, Zilu Godoy, desfilaram
juntas sobre um dos carros. A atual namorada de Zezé, Graciele Lacerda, desfilou
à parte num carro alegórico, dizem que para não criar embaraço familiar. O
pessoal de Luciano desfilou em outro carro.
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Imperatriz: Lucy Alves e seu acordeão no carro de som |
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Imperatriz: Igor, Wanessa, Zilu e Camila Camargo |
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Imperatriz: Graciele Lacerda, atual namorada de Zezé |
A essa altura me senti satisfeito
com o que vira até então. Como disse antes, não tenho nenhuma preferida entre
as que desfilaram, mas tem aquela que eu NÃO gosto, que é a Mangueira. Vai daí,
apesar de ainda ter gás para assistir mais um desfile, desliguei a TV e fui
dormir.
OK, a Mangueira venceu. Não que
eu esteja totalmente frustrado, apenas não me agradou. Fiz questão de rever
momentos do desfile para aquilatá-lo e tenho de admitir que estava bonito,
coeso, rico e com muita animação - como sempre - dos figurantes.
O enredo versou sobre os 50 anos
de carreira de Maria Bethania, de quem eu até gostava quando ouvia MPB no
passado. Hoje não ouço mais, apesar de que considero Bethania uma excelente e
exigente cantora. Colegas meus contam que ela é um terror na passagem de som de
suas apresentações.
As fotos que posto a seguir têm
sua razão de ser. A primeira, apresenta o tema do enredo, a própria Maria
Bethania. A segunda, é porque li num
comentário anterior que o blog manager elogiou rasgadamente a rainha da bateria
da Mangueira, Evelyn Bastos. A terceira, a porta-bandeira Squel, que ouvi dizer
em comentários mais abalizados que o meu que será a imagem que ficará na
história deste desfile. Quem sou eu para desdizer?
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Mangueira: Maria Bethania, 50 anos de carreira |
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Mangueira: Evelyn Bastos, rainha da bateria |
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Mangueira: Squel, a porta-bandeira |
Algumas más línguas me informaram
que, assim como o Salgueiro teve problemas em seu abre-alas, a Mangueira também
teve problema de intermitência luminosa num dos seus carros, por falha de
gerador. Curiosamente os jurados foram rigorosos com o Salgueiro e tiraram
pontos de alegorias e adereços, mas não tiraram nada da Mangueira. Mistérios
que habitam a cabeça da comissão julgadora...
Mas tudo bem. A Mangueira
mereceu, como teriam merecido o Salgueiro, a Portela ou a Unidos da Tijuca, que
foram as que lutaram palmo a palmo até o último quesito. Relembrando minha opinião
desde o início destes dois posts sobre minhas reflexões carnavalescas, todas
mereciam um prêmio por seu esforço em desenvolver seus temas e enredos,
mostrando-os com muita alegria e determinação no Sambódromo.
Umas se saíram melhor que outras,
é a realidade das apurações. Nem sempre a que nos parece a melhor ganha ponto
dos jurados porque eles se fixam em detalhes, em quesitos, e nós na
arquibancada ou na TV estamos vendo apenas a beleza conjunta, quando não
torcendo por uma ou outra agremiação.
COMPLEMENTO
Como vimos no post anterior, a
Estácio de Sá ficou em último lugar e será a escola rebaixada para a Série A,
cuja campeã de 2016 foi a Paraíso do Tuiuti. A escola originária do morro do
Tuiuti em São Cristóvão apresentou o enredo A Farra do Boi e será agraciada com
a oportunidade de abrir o desfile do Grupo Especial em 2017.
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Paraíso do Tuiuti, campeã da Séria A |
Escolas mais tradicionais como
Império Serrano, Viradouro, Porto da Pedra ou Padre Miguel (a segunda colocada
na apuração da Série A) continuam de fora dos holofotes. Como frequentemente
acontece, houve pesadas críticas ao resultado, pois integrantes da Império
Serrano e Padre Miguel discordaram do critério da comissão julgadora em notas
que teriam favorecido a Paraíso do Tuiuti. Argumentam que a campeã desfilou com
falhas de iluminação e erros de evolução que não sofreram perda de pontos.
Pior sorte teve a também
tradicional Caprichosos de Pilares, que fez um péssimo desfile (talvez
decorrente da sua delicada situação financeira) e foi rebaixada, dando lugar à
Sossego, campeã da série B versão 2016.
Para 2017 teremos já a partir de
março próximo o debate de interesses entre a Globo, que detém a exclusividade
de transmissão (por quanto tempo?) e a Liga das Escolas. A Globo pretende impor
limites para preservar sua programação normal - considerada prioritária pela
empresa - e a Liga tentará preservar sua dignidade. Como admitir que só comecem
as transmissões ao vivo após a 3ª escola? Ou a alternativa apresentada pela
emissora, que é diminuir a menos de 1 hora cada desfile (hoje com 82min), para
que possa começar mais tarde, tipo 23:00, e aí a Globo passaria tudo ao vivo?
Se for viável juridicamente,
creio que a saída será a Globo perder a exclusividade, mesmo que a Liga perca
dinheiro, estendendo às demais emissoras o direito de transmitir o desfile como
quiser. Assim era no passado. A questão financeira individual com cada emissora
e demais patrocinadores seria discutida à parte e não acredito que no final a
Liga vá perder tanto dinheiro assim, no somatório.
Créditos
Como no post anterior, muitas fotos
foram extraídas da resenha fotográfica do site do Globo na internet, no
presente caso postadas na 3ª feira (09/02/2016) pela manhã, quando constaram os
respectivos créditos individuais. Infelizmente as informações são substituídas
a cada dia, de modo que resgatar posteriormente o crédito individual de cada
foto fica praticamente impossível.
Desta feita, contudo, várias delas foram
extraídas do setor de imagens do Google quando se pesquisa cada escola pelo
nome. Em havendo críticas ou solicitações, poderão ser removidas e eventualmente
substituídas por outras aderentes aos respectivos temas.