Por
Carlos Frederico March
(Freddy)
No Marília Mattoso
Quem,
em nossa faixa etária, há de negar que a primeira escola teve um lugar marcante
em nossas vidas? Hoje em dia receio que esse ícone não exista mais, dado que
não raro a primeira escola é uma creche, seguida de um pré-escolar e então a
alfabetização já está praticamente feita quando a criança ingressa no ensino
regular.
No
meu tempo (nasci em 1/1/51), decerto algumas crianças iam para o Jardim da
Infância, mas não eram muitas. Desculpe quem foi mas a avaliação de meus pais
era de que quem gostava realmente dos filhos adiava até o último instante a
liberação de seus pimpolhos para o mundo, geralmente com 6 anos. Naturalmente a
sociedade evoluiu, cada vez menos mulheres conseguem ser apenas mães pois têm
sua vida profissional independente, essas coisas todas...
O
fato é que minhas primeiras lembranças mais persistentes de vida se referem aos
momentos que antecederam o “desmame”. Meu pai, funcionário público do IAPI (um
dos institutos que se juntaram mais tarde para formar INPS e INSS), trabalhava
nas horas vagas com títulos de capitalização (Cibrasil) e eu comecei toscamente
a ter contato com letras e números preenchendo aleatoriamente campos de formulários
que ele liberava para que eu brincasse.
Corria
o ano de 1957 quando a escola escolhida para mim foi o então chamado Curso
Marília Mattoso, nome de sua proprietária e diretora. Quem me alfabetizou foi
Dona Léia, que foi um doce de pessoa e correspondeu a todas as expectativas que
possamos ter com respeito a uma orientadora educacional. Assim que aprendi a
ler descobri nos livros uma companhia inseparável.
O
Marília Mattoso tinha um terceirizado que fazia o transporte das crianças. Isso
era muito cômodo, porque morávamos no Pé Pequeno e a escola era, como é até
hoje, em São Domingos (R. José Bonifácio, 39). O trajeto na modalidade circular
era relativamente longo, o que apesar de parecer demorado facilitava bastante
nossa interação social com os colegas, pois na escola só tínhamos o momento do recreio
para tal, em parte dedicado ao lanche.
Um
desdobramento “educativo” do longo caminho percorrido diariamente era nos
mostrar a cidade. O percurso era realizado na mesma sequência de modo que se na
ida você não via Icaraí, ou Vital Brazil, Santa Rosa, etc, na volta certamente
veria.
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Praia de Icaraí com trampolim |
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Praia das Flexas, no Ingá |
A
propósito desse micro-ônibus escolar, num determinado dia meu irmão (o Riva
deste blog), afoito como sempre foi, saltou e saiu em disparada para nosso
portão pela frente do mesmo. Vinha subindo a rua e ultrapassando o veículo
parado um dos raros carros que transitavam àquela época no bairro. Paulo (Riva)
foi atropelado! Foi coisa pouca, recuperou-se rápido. Esse acidente nos ensinou
a nunca cruzar a rua à frente de um ônibus parado, e enquanto motorista,
ultrapassá-lo com muito cuidado, pois sempre pode aparecer do nada um “Riva”
afoito.
Lembranças...
Muitas, como sempre desconexas e individuais. O cheiro da lancheira, com a
onipresente garrafinha de café com leite frio. Deus meu, quando me vi livre
disso nunca mais quis ver leite na vida! A proibição de comprar docinhos com o
baleiro, porque “era sujo”. Cuscuz, quebra-queixo, cocada de corte, nem pensar!
Mui raramente balas industrializadas.
Nosso
primeiro livro eu não lembro o nome, mas consegui guardar o título de dois de
seus contos: “O macaco buliçoso” e um muito curioso e que resgatei no Google,
que tem realmente tudo: “O dervixe e o galo” de Malba Tahan. O articulista
afirma que todos que foram alfabetizados o leram. Verdade? Confira o link:
http://pbnoticias.com/index.php?categoryid=28&p2_articleid=1547
Em
casa, escrever em cadernos que eu comprava na papelaria anexa ao Cinema Mandaro
(no Largo do Marrão) era um prazer, bem como adquirir lápis de cor, canetas
esferográficas (novidade), borrachas macias... Brincar de “dar aula” num quadro negro logo foi um de
meus passatempos preferidos. Quanta alegria quando eu conseguia que me
comprassem giz colorido!
Destaco
uma providência de Dona Marília no sentido de aumentar o nível cultural dos
alunos: curso de língua estrangeira. Não me lembro se havia escolha, mas o fato
é que cursei um ano inteiro de francês. No Liceu Nilo Peçanha, anos mais tarde,
tive aulas de língua estrangeira constantes da grade de ensino regular. Estudei
um ano de francês, um de latim e dois de inglês. Por conta da base adquirida no
Marília Mattoso, meu melhor desempenho foi justo em francês.
Tive,
decerto, alguns bons amigos na escola. No Marília Mattoso o mais significativo
deles foi José Eduardo Martins Felício, o Dudu. No entanto, foi uma amizade que
não teve condições de se desenvolver pelos anos à frente porque Dudu foi
obrigado a sair da escola e seguir com a família para o exterior, por motivos
particulares. Soube que estudou diplomacia e hoje (ref. maio/2014) é embaixador
do Brasil no Paraguai.
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José Eduardo Martins Felício |
Poderia
citar alguns nomes de coleguinhas que ficaram em minha memória por um motivo ou
outro, mas prefiro não fazer. Não sei se seria importante porque testemunhei
que, ao longo da vida, nossos amigos sempre se referem ao momento em que
estamos vivendo: cidade ou local de moradia, familiares “anexados” por
casamento, trabalho...
Raros
são aqueles amigos de uma vida inteira. Sorte de quem os tem. A Internet pode
até ajudar a resgatar colegas que um dia tivemos mas, daqueles que foram meus
amigos ou parceiros no passado distante, não mantive nenhum... Falha minha com
toda a certeza.
Vamos
a alguns fatos da “era Marília Mattoso”, que se estendeu de 1957 a 1960: jamais
esquecerei o dia da explosão do depósito de armas do Exército no bairro de
Deodoro, no Rio de Janeiro. Era 2 de agosto de 1958 e os vidrinhos de remédio
na mesa de cabeceira de minha mãe, além de copos na cristaleira, passearam
desordenados sobre as superfícies com a vibração do solo! Olha que eu morava no
Pé Pequeno, Niterói!
Foi
em 22 de maio de 1959 que aconteceu a revolta popular que culminou com o
incêndio da estação de passageiros da Cantareira em Niterói. Havia grande
insatisfação popular com a administração do serviço, a cargo do grupo
Carreteiro. Uma greve deflagrada na madrugada daquele dia acabou deixando a
população sem transporte marítimo e na confusão em frente à estação houve
incitação ao quebra-quebra. A turba enfurecida ainda marchou pela cidade e
incendiou 3 casas da família, que teve de fugir para não sofrer linchamento.
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Incêndio da estação das barcas em Niterói - 1959 |
Foi
também em 1959 que comecei, com 8 anos, a estudar piano (D. Helda, no Pé
Pequeno) e teoria musical (D. Lourdes Drumond, em Santa Rosa), anseio materno e
que seria um hobby para a vida inteira, apesar da intensa frustração que foi
para ela o acidente que eu tive em 1968 e que cortou de vez sua meta (dela, não
minha) de me ver pianista clássico profissional. Paradoxalmente foi o que me
fez me apaixonar por piano, desconectando-me de vez da obrigação de tocar com
alto desempenho.
Fechando
o assunto como um todo, pouco me lembro de fatos ocorridos nos anos anteriores
a 1957, ano em que entrei no Marília Mattoso. Foi a partir daí que tenho minhas
memórias cada vez mais vivas, presentes. Ele simboliza também a definição de
como minha vida ia se desenvolver dali até 1973: estudo, estudo e estudo!
Créditos:
Icaraí:
www.niteroiontemehoje.blogspot.com.br
Praia das Flexas: www.niteroitv.com.br
Incêndio Cantareira:
luartehistoria.blogspot.com.br
José Eduardo: Google
Sobre o mesmo tema, consultar post
publicado em 01/06/2014:
http://www.jorgecarrano.blogspot.com.br/2014/06/no-alzira-bittencourt.html